sexta-feira, 28 de março de 2008

Era uma casa muito assombrada

Sem tempo para escrever um novo texto, faço uma outra sessão Recordar é viver!

Publico, em homenagem ao meu amigo Eugenio que não acredita que eu fui uma excelente dona-de-casa durante os três anos, três meses e dez dias em que morei na França, um texto do meu antigo blog, com algumas alterações de tempos de verbos, vocabulário e etc. Coisa de gente perfeccionista, claro! Mas não existe nenhuma mudança de conteúdo. Eu realmente fui uma Rainha do Lar exemplar! E sem diarista!!!

Lá vai!

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Elas me venceram! As manchas no chão da sala... Esfreguei o chão valendo sem sucesso e decidi atacar de água sanitária. Elas não deram a menor bola para meus esforços. É preciso reconhecer uma derrota. Mas essa pequena batalha perdida não tira de mim o orgulho de ter sobrevivido ao trabalho doméstico. Não! Tenho muitas vitórias pra contar de meu estágio de Rainha do Lar...

Eu tinha tanta intimidade com o serviço de uma casa quanto com mecânica de automóveis. Pelo menos com os carros sabia que se por acaso tivesse um problema na rua era só parar, abrir o capô e ficar olhando para o motor com cara de ponto de interrogação até aparecer uma alma caridosa para resolver meu problema. Pois bem. Na primeira vez que me vi diante de uma pia cheia de louça fiz o mesmo: fiquei parada olhando para ela com cara de ponto de interrogação. Não adiantou. Tentei o ponto de exclamação. Ninguém apareceu. Reticências... Nada! Percebi que era eu mesma quem tinha de resolver aquela bagunça!

Estou exagerando. É claro que eu já tinha lavado louça na minha vida antes. Mas, roupa e na mão... Nunca! Quando fomos de mudança para a França, ficamos os vinte primeiros dias num apart-hotel. Num flat, para usar um termo em bom português. Depois de alguns dias já tinha uma pilha de meias, cuecas, calcinhas e roupas do Felipe pra lavar (como criança suja roupa!). Achei que ia ser super simples e fiz o que era óbvio: comprei uma caixa de sabão em pó, enchi uma bacia de água e coloquei tudo lá dentro. No dia seguinte enxagüei bem, torci e, chocada, vi que tudo continuava completamente sujo! Tentei imaginar o que eu tinha feito de errado. Vasculhei minha memória em busca de filmes, novelas, essas coisas que eu podia ver quando não tinha uma casa pra cuidar, em que aparecessem mulheres lavando roupa. Lembrei! Para a roupa ficar limpa tem de esfregar! Resolvi experimentar. Incrível! Não é que deu certo?

O problema é que no terceiro par de meias (alguém pode me explicar porque fui comprar meias brancas para uma criança?) minhas mãos já estavam em frangalhos. Foi quando ouvi um barulhinho assim: chec, chec, chec. Olhei pro lado. Era o Felipe. Ele estava me "ajudando" a lavar a roupa. O tampo da pia da cozinha tinha uma parte cheia de ondulações nas quais ele passava a peça para frente e para trás. Olha só! Ele tinha descoberto o objetivo daquilo! Claro que é meio nojento isso: lavar roupa íntima na pia da cozinha. O problema é que por lá não existe área de serviço nos apartamentos e casas. Pelo menos, não naqueles que tivemos a oportunidade de conhecer. Portanto, também não tem pia de cozinha. O que existe é um "tampia" ou um "pianque", como vocês preferirem, ou seja, uma coisa que serve ao mesmo tempo de pia de cozinha e de tanque.

Mesmo a descoberta ajudando bastante, ainda assim não estava achando aquilo muito legal. Sonhava com a suave melodia de uma máquina de lavar roupa funcionando! E percebi que uma casa é um lugar cheio de mistérios e fonte de muitas lendas...

Primeiro exemplo: dizem que a origem da cornucópia, aquele chifre de onde ficam jorrando eternamente frutas, sementes e coisas do gênero, seriam os cornos de uma cabra, chamada Amaltéia, que teria amamentado Zeus enquanto o poderoso fugia do pai que queria acabar com a raça dele e blá, blá, blá. Mentira! A origem da cornucópia é um cesto de roupa suja! Aquilo nunca fica vazio, por maior que seja o esforço. É impossível! A gente tenta, tenta, chega quase a esvaziá-lo, mas, um dia de bobeira e... pronto! Está o cesto transbordando de novo. Por isso, tenho certeza de que quem inventou a história da cornucópia só colocou essa coisa da cabra que amamenta um deus para ficar mais romântico. Na verdade, a idéia veio é do cesto de roupa suja mesmo!

Tem mais! Estou certa de que existe um buraco negro entre o cesto de roupa suja e a mesa de passar roupa. Se isso não for verdade, como explicar os pés de meia que simplesmente desapareciam? Felizmente todo mundo tem dois pés aqui em casa, mas sempre acabava sumindo um ou outro. É ou não é de espantar?

Entrei em desespero. Baixei decretos. Por exemplo, enquanto não tivéssemos máquina de lavar roupa, todo mundo tinha de almoçar pelado! Principalmente quando fosse comida com molho de tomate. Aliás, toalha de mesa? Dispensável! Mais fácil passar um paninho do que tentar tirar manchas de gordura de tecido. É por isso que as mesas não são mais de madeira-de-lei. Tudo de fórmica que é muito mais prático. E assim foi até comprarmos um dos grandes inventos da humanidade: a tão sonhada máquina de lavar roupa.

Por falar nessa história de inventos... Vou confessar uma coisa aqui. Entre os sete pecados capitais, reconheço fraquejar em dois. O primeiro deles é a preguiça. Admito, admito! Numa outra vida devo ter saído da barriga da minha mãe falando "ô meu rei... se avexe não...". Ficava meio chateada comigo mesma por causa disso. Mas refleti e cheguei à conclusão que os grandes inventos da humanidade foram criados por grandessíssimos preguiçosos. Vou explicar. Se não fosse pelo fato de alguém estar morrendo de preguiça de ter de arrastar as coisas, ainda não teria sido inventada a roda. É ou não é? Se não fosse a preguiça, porque tentar achar uma forma mais fácil de fazer alguma coisa difícil? Assim caminha a humanidade: preguiça de bater claras em neve? Batedeira! Preguiça de ficar na frente do fogão esperando dar o horário de desligar o leite? Microondas! Preguiça de esfregar a roupa? Máquina de lavar! E por aí vai. E quem disser que não necessariamente essas coisas foram inventadas por quem, por exemplo, realmente tinha preguiça de lavar roupa, eu respondo: é verdade. O que só prova minha teoria! Essa criatura é tão preguiçosa, que tem preguiça só de pensar na tarefa que alguém teria de fazer e pimba! Inventa uma máquina. Minha preguiça ainda não me levou a inventar nada. Mas pelo menos estou com a consciência mais tranqüila.

Ahn? Qual é o outro pecado em que eu fraquejo? Ah, acho que não vou contar. Seria a avareza? Quem sabe a inveja? Ou talvez... a luxúria? Hein? Hein? Nada disso! Uma simples e mundana gula... Fazer o que?

Essa gula também teve um efeito positivo: encontrei uma mestre-cuca escondida em mim. E o fato de cozinhar bastante me levou a descobrir ainda mais mistérios em uma casa...

Muitos cientistas já se perguntaram de onde se origina a vida. Lá pelo século XVII um maluco chamado Jean Baptista Van Helmont desenvolveu a teoria da "geração espontânea" que queria dizer mais ou menos o seguinte: a vida aparece espontaneamente a partir de uma matéria bruta. Deixe um pedaço de carne em um lugar qualquer e dias depois ele vai estar coberto de larvas. De onde vieram essas larvas? Do nada! Foram geradas espontaneamente (coisa mais nojenta). Ele também tinha uma "receita" para a produção de ratos (chegadinho numa porquice esse tal de Van Helmont...). É claro que um monte de gente caiu matando em cima do coitado, dizendo que aquilo era um absurdo, que essa tal de geração espontânea não existia, etc., etc., etc. Homens! Mal sabem eles que a geração espontânea existe sim! É só fazer uma experiência bem simples...

Pegue uma cozinha cheia de louça suja e arrume tudo. Dê uma voltinha e reapareça logo em seguida. Você vai ver que começa a surgir, do nada, mais louça suja! Um copinho aqui, uma colherinha lá e, em pouco tempo, a pia já está cheia de novo. É ou não é geração espontânea? Você vai andando pela casa e lá estão elas: atrás da televisão, no chão, do lado do sofá... É uma loucura! Às vezes, elas estão mais agressivas. Você acaba de arrumar a cozinha, abre o fogão assim como quem não quer nada e encontra uma travessa imunda! Tem dias em que, além de agressivas, elas também estão abusadas: você termina a cozinha, enxuga a pia com papel-toalha (de vez em quando baixa o espírito da mania de perfeição), olha satisfeita para o trabalho concluído, vira as costas e dá de cara com um liquidificador sujo em cima do forno de microondas! É de matar!

Por favor, não confundam a geração espontânea com aquela outra coisa que acontece quando a gente se oferece, gentilmente, para lavar a louça e a dona da casa começa a desenterrar da geladeira potinhos de conteúdo geralmente cabeludo. Isso não tem nada a ver com geração espontânea. Isso aí é sacanagem mesmo!

E os mistérios de uma casa não param por aí! Estou convencida de que existia um saci que passava pela nossa casa na madrugada de domingo para segunda. Acho impossível acreditar que a bagunça da segunda-feira de manhã já estivesse lá no domingo à noite! Tenho certeza de que isso era obra de um saci. Quer dizer, como estávamos na Europa, talvez fosse um Leprechaun que decidiu dar um tempo na sua tarefa de cuidar do pote de ouro que existe no final do arco-íris, e resolveu imitar o amigo brasileiro. Saci ou duende, não importa, o resultado prático era que toda segunda-feira de manhã eu passava pelo "momento desolação" da semana quando via o estado geral da casa...

Do jeito que eu estou falando, até parece que achei ruim essa vida de mãe-esposa-dona-de-casa. Não! Aprendi e me diverti bastante também. Foi meio cansativo, é verdade. Mas criei meus mecanismos de defesa. Elaborei o "Estatuto da Rainha do Lar":

1 - Estabeleça um horário de trabalho e cumpra-o à risca. Sua jornada se encerra às 19h00? Então encerre mesmo. Se for preciso, saia de casa, fique sentada na porta por uns cinco minutos e entre se jogando no sofá e dizendo: "Puxa! O dia no trabalho hoje foi de matar. Nada como chegar em casa e dar uma relaxada!"

2 - Respeite seu horário de trabalho. Um dia, quando decidi que era hora de parar, fui tomar um copo d'água na cozinha. Enquanto tomava a água, olhei para cima e pensei "Nossa! Esse lustre da cozinha está um horror!". Já estava quase pegando um paninho quando disse para mim mesma: "Nem pensar!". Se fizesse isso, com certeza ia dar meia-noite e eu estaria de balde em punho lavando os vidros da sala.

3 - Escolha um dia para ser o "dia da faxina". Nos outros, faça só o básico ou, melhor, não faça nada. Eu escolhi a terça-feira. Por quê? Bem, na segunda não dava (tinha o problema do saci). Na quarta-feira o Felipe não tinha escola. Quinta e sexta já estão muito próximas do sábado. Do jeito que eu fiz, como os outros dias eram mais leves, meu final de semana já começava na terça-feira à noite (olha a preguiça aí).

4 - Resista à tentação do "vou lavar só essa loucinha...". Não faça isso! Se você começa lavando uma loucinha, elas começam a se multiplicar feito loucas (não se esqueça da geração espontânea), e você acaba não fazendo mais nada o dia todo! Deixe acumular um tanto razoável na pia e só depois se atraque com as bandidas.

5 - Resigne-se ao fato de que, amanhã, você vai ter de fazer de novo tudo o que fez hoje. É assim mesmo. Portanto, não vale a pena querer "adiantar" nada. Não dá. Deixe para amanhã o que deve ser feito amanhã e pronto. Só quando tive de cuidar de uma casa entendi uma história que a Selvina, que trabalhou comigo por quase 10 anos, me contou. Ela disse que o castigo dado à mulher por causa daquele episódio da maçã era ter de fazer o serviço doméstico. Nunca acaba e todos os dias tem de ser refeito. Bem bolado esse castigo, não? O problema é que na época da Eva todo mundo comia com as mãos e só vestia folhas de parreira, que são descartáveis. Sacanagem o que a esposa do Adão foi fazer com a gente! Já estava na hora de o divino rever esse castigo, não é verdade?

Eram os primeiros artigos. Daí voltei para o Brasil, abandonei os serviços domésticos e deixei de lado o estatuto...

De maneira geral e apesar de toda a inexperiência, me saí bem. Mesmo com lavagem de roupas. Uma vez, cheguei até a desenterrar de algum canto obscuro da minha memória a lembrança de algumas propagandas de amaciante de roupa. Achei que valia a pena investir nisso porque notei que as roupas ficavam meio duras depois de lavadas. Comprei o mais barato que tinha no mercado. Amaciante, como o próprio nome diz, devia amaciar a roupa, não é? Só que um dia, quando fui recolher as toalhas de banho do varal, sem querer, deixei uma delas cair no chão. Ela parou de pé! Achei aquilo meio estranho. Mas a certeza de que o amaciante não estava fazendo o trabalho dele veio no dia em que o Vidal me perguntou:

- Você tem usado amaciante de roupa?

- Tenho, por quê?

- É porque ontem de manhã coloquei uma cueca e saí de casa. Tive de andar bastante e... bem... as partes, sabe? Ficaram todas esfoladas...

Claro que ele colocou mais roupa por cima da cueca, afinal por lá fazia um frio danado. Mas nesse dia tive certeza absoluta de que o ditado "o barato sai caro" é a mais pura verdade! Corri ao mercado e comprei um produto mais decente! Achei uma injustiça o amaciante estar estragando meu excelente trabalho.

Bem, para falar a verdade, teve a ocasião em que acumulei vários panos de prato para lavar. Vocês sabem, os panos de prato... Aqueles pedaços de tecido que servem para tirar a sujeira que não saiu na esponja! Eles geralmente ficam num estado lastimável. Pois bem, muita água sanitária e sabão em pó rolou pelo meu "pianque" até que eu terminei tudo. A primeira parte da lavagem foi na mão mesmo, vejam só que progresso. Como estava empolgada na empreitada, decidi lavar também os panos de chão. Quando terminei, pendurei tudo à altura dos olhos para admirar minha obra e foi nesse momento que percebi, horrorizada, que os panos de chão tinham ficado mais brancos do que os panos de prato. Achei aquilo um absurdo e não tive dúvida: imediatamente, sujei os panos de chão!

(Publicado originalmente em http://www.familiamartins.blogspot.com/ em 16/04/2004)

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Uma observação antes de encerrar: é o terceiro post seguido em que falo em pecados... Devo estar me sentindo muito culpada nos últimos tempos, só pode ser! Alguém tem um jeito de contactar São Pedro, tentar psicografar uma mensagem, sei lá?! Acho que estou precisando de absolvição...

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sexta-feira, 21 de março de 2008

Filho de peixe...

Já contei, não é segredo pra ninguém, que eu sofro do mal da preguiça. A lei do menor esforço é o artigo número um da minha constituição particular. Em seguida vem “deixe para depois o que deveria ser feito agora, sempre que for possível”, “devagar a gente vai do mesmo jeito, ainda que não chegue a lugar algum” e por aí vai. Se pudesse, passava horas e horas deitada numa rede sem culpa!

Por isso, a simples idéia de que eu teria de fazer lição de casa com meus filhos quando eles entrassem em idade escolar me apavorou. Felizmente eles só lerão esse blog, se um dia chegaram a ler, daqui a muito tempo e aí das duas uma: ou eu terei conseguido fazer a poupança necessária para pagar o reforço escolar, ou eles já vão estar quase fora da escola.

Quero avisar aos terroristas de plantão que se alguém for dar com a língua nos dentes pra um dos dois eu nego! Palavra de mãe é lei. E mãe é sagrada!

Realmente, a tal da lição me pegou de surpresa. Quando o Felipe foi para a primeira série ainda morávamos na Terra do Astérix. As aulas aconteciam às segundas, terças, quintas e sextas das nove da manhã às cinco da tarde e, aos sábados, das nove ao meio dia. Início de ano, reunião com a professora e a bomba caiu sobre a minha cabeça: agora ele vai ter lição de casa! Naquele momento, na verdade, eu não percebi a bomba. Eu achei que, como qualquer criança normal, o Felipe simplesmente chegaria em casa, responsavelmente, verificaria a lição a fazer e faria. Sem que eu nem tivesse de tomar conhecimento do fato. Eu não contava com a genética. Talvez tenha deixado de fazer essas lições na escola, quem sabe?

Pois é! Tal como a cor dos olhos e o dedão do pé meio tortinho, a preguiça também é hereditária. O Felipe anda pela casa e eu vejo a minha própria preguiça por ali, reencarnada.

Quero deixar bem claro o que já tive a oportunidade de dizer em outra ocasião: engana-se quem pensa que a preguiça é algo que faz parar o mundo, muito pelo contrário! É a preguiça que move o mundo! Se não fossem os preguiçosos, aqueles que não queriam mais saber de arrastar pedras por aí, a humanidade não teria inventado a roda. Pra que achar uma forma mais fácil de fazer uma coisa difícil se a gente não tem preguiça de fazer essa coisa? Sem a preguiça estaríamos ainda fazendo uga-uga dentro das cavernas, tenho certeza!

Depois dessa defesa antropo-sócio-técnico-científica de nós, os preguiçosos, volto a contar que entre mim e o Felipe as lições se tornaram rede de batalha: eu querendo me encostar de um lado, ele do outro e pronto: a confusão se estabeleceu.

O grande problema é que, no papel de mãe, jamais poderia autorizar nem incentivar a tal da preguiça. Além de botar disciplina no nosso barraco, ainda tinha de vencer minha própria preguiça de fazer isso. Oh, calvário!

Estávamos na metade superior da laranja Terra. Hemisfério Norte, verão em julho, inverno em dezembro, um lugar em que Papai Noel não morre cozido vestindo roupa de lã em pleno verão. Ano escolar sempre começa logo após o verão, portanto, início das aulas em setembro. Uma simples questão geográfica que me deu mais um ano de aparente sossego... Por conta desse descompasso entre o calendário escolar francês e brasileiro, quando o Felipe terminou a primeira série na França, não tinha completado 7 anos. Se estivéssemos no Brasil ele estaria ainda na metade da primeira série nesse momento. Aí eu pensei: não vamos ficar aqui pra sempre. Ele é tão novinho. Tem aula o dia todo... Absurdo a escola mandar lição pra casa! Onde está o Piaget que permite uma situação dessas? Não vou obrigar essa pobre criança a fazer lição, que tortura. Ufa! Passa já essa rede pra cá!!!

Claro que eu não admiti isso pra ele! Continuava lá da minha rede dizendo que fazer lição era importante, necessário, obrigatório, etc. e tal. Mas, de verdade mesmo, não insistia muito.

Aí ele começou a segunda série. Estávamos na França ainda, mas no Brasil ele estaria terminando a primeira série. E já tínhamos data para voltar. Tive de deixar minha redinha tão confortável. Sob protestos veementes, é claro! Enfim, fui obrigada a começar a controlar e exigir as tais das lições. As estratégias foram as clássicas: pedidos delicados, firmes, insistentes, enérgicos e histéricos, nessa ordem de gradação. Recompensas, ameaças, castigos. O fundo do poço. Para reescrever uma lista de seis palavras ele demorava uma hora e meia! E quando chegava ao fim estávamos exauridos e exangues da batalha.

Passei a prestar mais atenção ao tema “lição de casa” nas rodas de conversas de mães no portão da saída das aulas. Uma técnica aqui, uma dica ali, adaptações criativas da minha parte e eu elaborei um novo método de tortura, digo, um novo método de educação (mães não torturam, tudo o que elas fazem é pelo bem dos filhos, embora Freud diga o contrário).

O método consistia no seguinte: criei uma tabela com os dias da semana de um mês. Essa tabela ficava suspensa pelos ímãs na porta da geladeira. No final de cada dia eu fazia uma avaliação do trio banho-lição-comportamento. Foi tudo bem? Eu colava uma etiqueta azul naquele dia. Algum problema? Etiqueta vermelha. No final de cada semana a avaliação geral. Ele tinha direito a uma etiqueta vermelha por semana. Mais de uma etiqueta vermelha e era punição certa. Punição essa que variava, mas que obedecia à regra geral: perde aquilo que mais quiser no momento.

Tinha os requintes de crueldade, digo, de sofisticação. O prazo pra terminar a lição era marcado num relógio de cozinha. Ele tinha meia hora, tempo mais do que suficiente para a quantidade de tarefa a fazer. Tic, tac, tic, tac... Trrrrriiiiiimmmm. A lição tinha de estar pronta antes do trim. Acho que ele nunca se deu conta da quantidade de vezes que eu atrasei furtivamente aquele relógio. As meias horas às vezes duravam noventa minutos. Nem Einstein conseguiria explicar a relatividade daqueles tempos de lição. Sou mãe e não madrasta! Apesar de não parecer, confesso.

Voltamos ao Brasil e o esquema das etiquetas continuou. Devia ser uma verdadeira tortura chinesa aquilo porque um dia ele implorou:

- Eu me rendo, eu me rendo! Eu faço as lições sem reclamar, mas, por favor, pare com as etiquetas!

Eu concordei, vejam como sou magnânima. Nada a ver com minha preguiça de preparar a tal tabela, lembrar das etiquetas, imagine! Abandonamos, aliviados, as etiquetas coloridas.

Se ele passou a fazer as lições civilizadamente? Claro que não! Continuamos as brigas diárias e, nesse ponto, ele sofisticou a argumentação dizendo:

- A Ana Luíza não tem de fazer lição, então eu também não tenho!

- Ela é quatro anos mais nova do que você! Aos três anos você também não tinha de fazer lição. E eu não tinha de controlar lição, ai que saudades... – Esse finalzinho eu só pensei, é claro!

Enfim, entre lágrimas e ranger de dentes de ambas as partes, as tais das lições iam saindo meio alquebradas.

O grande problema é que somos, Felipe e eu, além de preguiçosos, também perfeccionistas. Essa genética é de matar. E essa combinação, de enlouquecer! Entre a vontade de não fazer nada e a chamada de atenção da professora no dia seguinte pelo trabalho não feito ou, pior, mal feito, o que escolher? Oh, céus!

Ele começou a perguntar:

- Até quantos anos eu vou ter que ir pra escola?

- Olha Fê, não quero te desanimar, mas eu, por exemplo, quase quarentona, ainda vou pra escola...

Nunca vi dois olhos tão desalentados na minha vida.

- ... mas tem gente que só estuda até os 18 anos!

Uma centelha de esperança brilhou para logo em seguida se apagar. Ele tinha feito a lição de matemática naquele dia: dos 8 aos 18 anos seriam dez anos. Uma eternidade!!!

Observava, indignado, a irmã naquela moleza de vida pré-escolar. Nada de lições para fazer.

Nessa época, eu já tinha abandonado completamente a tarefa de fiscalizar e orientar lições e passado a bola para o Vidal. Se a coisa continuasse comigo um de nós acabaria inexoravelmente num hospital. Psiquiátrico. O Vidal assumiu brilhantemente a tarefa que eu era incapaz de conduzir.

Até que um dia abri a mochila da Ana Luíza e exclamei:

- Olha, a Ana Luíza agora tem lição pra fazer.

Dentro da minha cabeça a seqüência de pensamentos já começou a se formar: ela é tão novinha. Primeira série ainda demora. Que absurda essa responsabilidade já tão cedo!

O Felipe estava por perto e vibrou:

- Ah ha! Agora ela vai ver o que é bom! - esfregava as mãos com um brilho insano no olhar.

Peguei aquela folha cheia de linhas tracejadas, as quais ela devia seguir com um giz de cera e, ombros encurvados diante do filme cuja reprise eu já antecipava, fui atrás dela.

O Felipe veio junto dando risadinhas maléficas. Queria estar presente no tão sonhado momento em que a irmã se juntaria a ele no campo de concentração das tarefas escolares.

Ela estava na sala, entretida com suas bonecas. Eu cheguei e, num fio de voz, disse:

- Zizá, deixa essas bonecas e venha aqui. Você tem lição pra fazer.

O Felipe acrescentou:

- Agora você vai ver só como é chato ter de fazer lição!

Ela olhou pra mim. Olhou pro Felipe. Olhou pra folha na minha mão. Arregalou os olhos. Levantou e gritou:

- OBAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Saiu correndo e sentou na cadeira diante da mesinha onde eu, perplexa, coloquei a tal folha. O Felipe não conseguia juntar o queixo do chão. Ficou catatônico. Arrasado.

Expliquei o que ela tinha de fazer, ela fez, terminou e falou:

- Quero mais!

E o Felipe ainda ali, parado, incrédulo.

Disse que era só aquilo e ela começou um choro convulsivo porque queria mais lição pra fazer. Pensei: “Essa não!” Sugeri que ela viesse dividir a rede comigo e com o Felipe que, a essas alturas, já estava deitado no meu colo, ganhando um cafuné. Tem certas decepções na vida que só cafuné de mãe curam. Mesmo que a mãe seja torturadora.

Depois desse dia e depois da infinita paciência do Vidal, o Felipe se resignou e se rendeu às lições.

O ano escolar acabou de recomeçar e hoje reina a paz no lar dos Martins. As lições são feitas sem lágrimas. A Ana Luíza ainda não tem lições diárias, mas eu providenciei umas revistinhas de atividades pra ela se acalmar. Ao que parece, ela não entrou na linha sucessória da minha preguiça.

Eu me limito a perguntar, do fundo da minha rede:

- Fê, tem lição hoje?

- Já fiz! Tem um espacinho pra mim aí nessa rede com você?

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domingo, 16 de março de 2008

Salve-se quem puder

Tirando a casa da nossa avó, todo o resto no mundo se renova. Mesmo o que tem tradição secular, mais dia, menos dia, acaba passando por uma reforminha.

Eu, pobre mortal pecadora, já estava acostumada aos motivos que me dariam um bilhete de primeira classe sem escalas para o inferno: os velhos e conhecidos sete pecados capitais. Gula, luxúria, avareza, ira, soberba, vaidade, preguiça. Só de ler essa lista eu vejo que não tenho a menor chance de salvação. Fui criada nos preceitos da doutrina cristã, que admiro bastante. Mas o Vaticano... definitivamente, ele não me quer no seu rebanho.

Pra mim, não adianta nem tentar escapar do caldeirão de Lúcifer. Olha só o primeiro pecado da lista: a gula. Uma das coisas que mais me dá prazer na vida é cozinhar. Escolher as receitas, sair para comprar os ingredientes, preparar tudo e depois servir aos outros e a mim mesma em sessões de puro prazer descarado e culpado. Inchar minha vaidade com os elogios que ouço na maioria das vezes, felizmente. Claro que uns acidentes de percurso acontecem de vez em quando. Nessas ocasiões, descarrego toda a minha ira contra o forno desregulado ou minha falta de atenção, mas as pizzarias que entregam em casa servem pra que?

A verdade é que nem sei quantas vezes sucumbi diante de uma bela massa cheia queijo derretido, acompanhada de um bom vinho tinto. Ou então diante de uma mesa de café colonial coberta de bolos, pães, tortas, bolachinhas, frios, chás, sucos, geléias... Quem é que consegue resistir? Qualquer um se joga no chão, agarrado aos pés da mesa gritando “Podem me levar pra Satanás, eu não me importo! Mas depois do lanche...”

Não preciso nem continuar com os outros pecados: luxúria? Hummmmm. Preguiça?! É meu sobrenome! Para a Igreja Católica, eu sou uma ovelha irremediavelmente perdida. Diante da impossibilidade de chegar ao paraíso e fazer companhia aos puros de coração e fortes de espírito que conseguem se manter no caminho da luz, e considerando que resistir a esses pecados é muito difícil mesmo, adotei a prática “jaque” que consiste no seguinte: já que eu fraquejo na gula, então não vou mais me preocupar com o resto e vamos aproveitar a vida! Salvem os hedonistas!!!

Eu acreditava que o céu devia ser um lugar com muito espaço livre, imaginando que são poucas as pessoas que conseguem passar ilesas pelos sete pecados capitais. Mas li uma notícia semana passada que me mostrou que eu estava errada! A Igreja Católica acabou de dar uma repaginada nos pecados e lançou uma novíssima lista! Fiquei animada pensando que os antigos tinham caído em desuso, mas não! A lista atual veio para SOMAR novos pecados àqueles que já me atormentavam a consciência. Acho que estava acontecendo algum problema de superpopulação no céu e foram necessárias medidas drásticas para regular a entrada de novos membros.

De qualquer forma, me enchi de esperanças. Quem sabe eu não sairia dos últimos lugares na fila de pecadoras? Podia ser que os novos pecados não me pegassem. Fui correndo ver a tal lista pra ver se conseguia aplacar minha consciência. São seis novos pecados, chamados “sociais”. A idéia é interessante. Explora o fato de que o homem é responsável também pelo que faz aos outros homens em grande escala e não só ali, no miudinho, tipo explodir de raiva com uma fechada no trânsito ou gastar o dinheiro do leite das crianças no salão de beleza. Confesso que enquanto lia isso ia ficando cada vez mais animada. Meus pecadinhos são quase todos inocentes, não vão muito longe, atingem poucas pessoas ao meu redor. Achei que, enfim, eu teria uma chance ínfima, quase raquítica, de salvação!

Mas depois de ler a lista e refletir um pouco, vi morrerem secas e esturricadas minhas esperanças...

Os novos pecados são: fazer modificação genética, poluir o meio ambiente, causar injustiça social, causar pobreza, tornar-se extremamente rico, usar drogas.

Juro que avaliei cuidadosamente um por um. As conclusões foram desanimadoras...

Fazer modificação genética. Eu não sou bióloga, nem agrônoma, nem química, na verdade, passo longe de qualquer coisa que lembre um tubo de ensaio. Mas nem por isso me senti menos pecadora... Tive um câncer, que nada mais é do que um grupo de células mutantes que se reproduzem! Fiz modificações genéticas em mim mesma! E o pior! Como tenho filhos, é possível que tenha transmitido essa característica aos dois, que se tiverem filhos podem transmitir aos netos, bisnetos e assim per omnia saecula seculorum, amém. Sem chance! Se eu tivesse tido o câncer antes de ter filhos, ainda tinha uma possibilidade de evitar espalhar esse pecado por aí. Agora já é meio tarde... Foi só o primeiro pecado da lista e eu não consegui me ver fora da fila dos pecadores. E a continuação não foi mais promissora...

Poluir o meio ambiente. Irremediavelmente perdida! Do paraíso não vou ver nem as plaquinhas de indicação do caminho! Vejam bem, agora carrego dentro de mim uma prótese de silicone. Não sou mais biodegradável! Quanto tempo demora pra se desintegrar uma prótese de silicone? Se um saco plástico leva 200 anos pra se decompor, quanto tempo eu mesma não vou ficar poluindo o ambiente depois que passar desta para melhor?! E nem cremação adianta, já pensei nisso também. Silicone queimado deve poluir o ar, com certeza. Além de não sair da fila, desconfio que fui jogada ainda mais para o fim dela...

Os próximos três pecados devem ser analisados em conjunto, pois pra mim um leva ao outro. O primeiro é tornar-se extremamente rico. Como não dá pra todo mundo ser extremamente rico, uma única criatura extremamente rica na face da terra significa um bom tanto de gente na miséria. Portanto, a chance de quem se torna extremamente rico causar pobreza, é praticamente certa. E num lugar onde alguns têm muito e muitos não têm nada, existe injustiça social. Batata! Digamos que nessa parte eu achei que podia respirar um pouco mais aliviada porque, se conseguisse escapar do primeiro deles, ou seja, ser extremamente rica, escaparia dos demais também. Ilusão. Pura ilusão.

Qual é o conceito de “extremamente rico”? Qual é a moedinha que, ao cair no meu cofrinho, vai me transformar em extremamente rica? E mais, quem é que vai avaliar isso pra dar o veredicto? Se a coisa for feita por comparação eu estou ralada! É bastante evidente que comparada a mega-investidores, jogadores de futebol, artistas de cinema, alguns políticos e por aí vai, eu estou a anos-luz de ser considerada extremamente rica. Mas, basta eu ligar a televisão e ver um documentário sobre tribos na África, ou sobre algumas cidades no nordeste, imagens de favelas no Rio de Janeiro ou em São Paulo ou, mesmo sem televisão, é só eu dar uma voltinha pelo centro da cidade e ver gente que dorme na rua e percebo que minhas possibilidades de salvação são esquálidas e minúsculas. Quando a gente joga uma pedrinha num lago vão aparecendo círculos na água cada vez mais afastados uns dos outros, não? Da África até os sem-teto da minha cidade, a dura realidade da diferença abissal entre a condição de milhares de pessoas pelo mundo e a minha foi descrevendo os círculos como os da pedrinha na água, mas de fora pra dentro, até chegarem e se fecharem sobre mim, pobre pedrinha pecadora atirada no fundo do lodo enquanto aguarda as chamas eternas. A sentença sobre a minha condenação já está sendo escrita no supremo tribunal divino, sem chance de apelação.

Mas ainda faltava um pecado a analisar. Quem sabe? Uma única chance de não sair completamente desmoralizada dessa avaliação. Vamos ver: usar drogas. Depois de oito sessões de quimioterapia falar em usar drogas pra mim é até piada. Mas considerei que drogas com prescrição médica seriam uma espécie de “atenuante” nas avaliações do tribunal divino. Eles deviam estar falando de drogas alucinógenas, que dão barato, aquelas coisas. Que alívio! Pelo menos um!!! Na minha ficha policial dos arquivos de S. Pedro não consta uma única experiência com drogas. A não ser que... Álcool também é considerado droga? Tipo assim, tomar uns pileques, dar uns vexames, dançar a macarena em cima de uma mesa de bar com uma gravata amarrada na cabeça? É, meu povo, não tem jeito mesmo. Meu lugar é, definitivamente, ao lado do Coiso-Ruim, do Cramulhão, do Chifrudo. Se por um lado tenho o consolo de pensar que não vou estar sozinha na casa do Tinhoso, por outro, tenho pavor de multidões e detesto calor. Que azar!

Não é de desanimar? O céu, definitivamente, não é um lugar feito para seres humanos! As metas a serem atingidas pra chegar lá estão além das nossas possibilidades, a Igreja Católica acabou de mostrar isso. O pessoal do Vaticano ocupará sozinho o paraíso. Ficaremos todos os outros, reles mortais pecadores, na companhia de Belzebu, sem orientação espiritual, nem nada.

Pensando bem... Acabei de me lembrar de uma notícia que ouvi no ano passado sobre quanto o Vaticano gastou nas últimas férias de verão do Papa Bento XVI. A módica quantia de um milhão de Euros. Só isso. Um milhão de Euros para custear as despesas do Papa e da sua comitiva durante o merecido descanso nos meses de verão.

Um milhão de Euros é bastante dinheiro, não? Acho que dava pra financiar uma boa pesquisa que encontrasse alternativas à manipulação genética. Ou, quem sabe, poderia ajudar num projeto de despoluição de um rio, ou de reflorestamento, sei lá. Pensando bem, um milhão de Euros aplicados numa tribo de algum país da África daria pra diminuir um pouco a diferença social, não daria? E quantas pessoas será que poderiam ser mantidas num programa de desintoxicação e recuperação de drogas com um milhão de Euros?

Acabei de ficar mais animadinha! Iremos todos para o inferno, com certeza. Mas já não estaremos sozinhos. Ufa!

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sexta-feira, 7 de março de 2008

Sobe ou desce?

Será que George Orwell, quando escreveu 1984, foi um grande visionário? Ou será que deu a idéia pela qual o mundo fofoqueiro e indiscreto em que vivemos tanto ansiava? Foi no seu romance que apareceu o “Grande Irmão”, o hoje mundialmente famoso “Big Brother”. Ficamos sabendo do personagem do comandante onipresente nas vidas de todos pelas teletelas espalhadas em cada casa, cada centímetro de rua, cada canto de edifício público ou privado e a humanidade se transformou para sempre.

Quem não ouviu pelo menos falar da gaiola dourada artificial do reality show da TV que pegou emprestado o nome do personagem de Orwell? Aquele mundinho restrito e de mentira onde pessoas ficam em observação como ratinhos num laboratório: vamos colocar machos e fêmeas num mesmo ambiente, hormônios em fúria, e vamos ver o que acontece? Injeta um pouco de cerveja. Tira a comida. Acene com a recompensa da glória e da fama e vamos espiar à vontade. Realmente, um prato cheio para os sociólogos, antropólogos e psicólogos de plantão. Formados ou não... A ética médica não diz que é ilegal fazer experiências com humanos? Mundo doido e cheio de contradições esse em que vivemos...

Só que esse programa de TV é um grande faz-de-conta, não dura mais do que a eternidade de um verão. Anima conversas de salão, filas de pontos de ônibus e de bancos, situações em que só nosso arsenal de perguntas e respostas pré-formatadas sobre uma das maiores especialidades da raça humana, a meteorologia, não preenchem completamente o vazio das conversas vazias: Será que chove hoje? Calorão, né? Que frio! Ufa! Eis que agora podemos também falar da vida alheia sem medo de parecermos fofoqueiros! Autorização para espionar, para escutar atrás da porta, para olhar pelo buraco da fechadura. E para comentar depois!

Só que andei pensando e percebi, chocada, que eu mesma estou vivendo parte do enredo de 1984! Eu e todas as pessoas que vivem nas grandes cidades hoje em dia. Nós já vivemos sob o olhar constante e vigilante das teletelas do “Grande Irmão”. Estamos num Big Brother compulsório e nem tem prêmio de um milhão no final!!!

Já ando quase precisando de uma cirurgia no maxilar de tanto obedecer às plaquinhas do tipo “Sorria! Você está sendo filmado.” que vejo a torto e a direito todos os dias. Talvez essas plaquinhas tenham tornado as pessoas mais simpáticas, afinal estão sempre sorrindo, mas é um simpatia tão falsa quanto a vidinha na gaiola dourada... Entro em edifícios comerciais, lojas, condomínios e vejo a mim mesma nos monitores de TV sem parar. A grande sacanagem é que a TV engorda a gente pra caramba! E, além do mais, não estou recebendo nenhum cachê por ceder minha imagem desse jeito. Que injustiça! Onde está o meu agente que não resolve essa situação?

Nas estradas e avenidas está escrito “rodovia monitorada por radares”, na minha querida Rua XV de Novembro que percorro de norte a sul vejo os constantes avisos: “área de segurança monitorada por câmeras”. Pra todo lado que eu olho eles estão lá, onipresentes, os olhos que tudo vêem.

Vocês sabem quantas vezes uma pessoa é capturada em imagem por dia na cidade de Londres? Em torno de 300 vezes! E esse dado é de 2002, o que me leva a crer que de lá pra cá a coisa deve ter ficado ainda mais grave, é uma loucura!

Tudo bem, é uma questão de segurança. É verdade que os assaltos na Rua XV diminuíram e que eu posso subir e descer seu calçadão com meus fonezinhos de ouvido ou falando no celular, os pés no chão e a cabeça nas nuvens, sem medo. Mas e as ruas que não têm câmeras? Vamos nos transformar em Londres? Tudo bem se vierem junto o Tâmisa, o Big Ben e a Tower Bridge. O príncipe Harry não seria uma má idéia também...

Bem, não sei vocês, mas podem me filmar, eu não tenho nada a esconder. Quer dizer, quase nada. Na verdade, umas coisinhas mínimas que nem dariam manchete de jornal. Então, aceito e convivo bem com “O Olho”. Já estou até pensando nuns truques de maquiagem pra ele, rímel, delineador, sombra. Já somos amigos.

Mas tem um lugar em que eu não suporto as tais câmeras: elevador! Colocar câmera no elevador pra mim é a mesma coisa que colocar câmera no banheiro!!! Onde já se viu? E mais: pra quê? Tem câmera por tudo, a gente vê quem entra e quem sai do elevador pelas câmeras do corredor, da garagem, das escadas... Pra que câmera dentro do elevador? Elevador não dá pra seqüestrar, não tem como um ladrão entrar, render a ascensorista e dizer: ”Desvie o curso e leve esse elevador direto ao cofre do banco!” Na verdade, nem ascensorista existe mais! A não ser no Edifício Asa em Curitiba. Todo mês quando viajo nas asas dos elevadores do Edifício Asa me espanto com essa atividade profissional que resiste bravamente aos tempos modernos...

Decididamente, câmeras em elevadores me revoltam! E estou ainda coletando dados para uma pesquisa, mas desconfio que as câmeras são colocadas praticamente só nos elevadores que têm espelhos! Isso foi idéia de jerico de algum voyeur, só pode! Em elevador com espelho quem é que resiste àquela olhadinha pra ajeitar o visual? Sempre levantei atrasada e o espelho do elevador foi a extensão natural daquele do meu banheiro. No exato tempo de oito andares abaixo eu entrava de cara lavada e saía de lápis, batom e rímel. Daria até pra publicar um “antes” e “depois” se naquela época existissem as tais câmeras. Hoje, infelizmente, isso não é mais possível. A quantidade de maquiagem que sou obrigada a usar pra disfarçar os sinais do tempo e das quimios me obrigaria a morar no centésimo décimo andar! Tive de me render e ajustar meu despertador.

Mas não é só maquiagem... Tem aquela inspeção básica na cara pra ver se não tem um cravo mais saliente, uma espinha impertinente. Tem a olhadinha na bunda pra ver se está tudo em cima, ou conferir que continua embaixo, fazer o que? Uma verificada nos dentes pra ter certeza de que o brócolis ou o feijão do almoço corrido sem tempo pra escovar os dentes depois não estão lá, querendo ter eles também seus 15 minutos de fama diante das câmeras. Isso sem falar na ajeitada no sutiã, na calcinha...

E por falar em calcinha, o que dizer dos namoros furtivos, dos beijos roubados, das carícias ousadas? Impossíveis sob o olhar vigilante e indiscreto do Grande Irmão, encarnado e devidamente representado pelos porteiros! Os consultórios dos psicólogos devem estar lotados de pessoas que não têm mais a menor chance de realizar as fantasias de uma namoradinha no elevador. A eles eu digo: procurem elevadores sem espelho. Meio sem graça, eu sei, mas são os únicos ainda com chance de não terem câmeras.

Definitivamente, câmera no elevador é um absurdo! Vamos às ruas, vamos ao protesto!

Elevador! Cego! Jamais será esquecido!
Um, dois, três. Quatro, cinco mil! Queremos ter de volta o anonimato em elevadores do Brasil!


E precisamos ser rápidos! Elevadores não são mais cegos, mas ainda são surdos e mudos! Já podem “ver” o que fazemos no íntimo de suas entranhas, mas ainda não podem escutar. Lá no livro do George Orwell as tais teletelas viam E escutavam! Já pensaram? Parem o elevador desse mundo de elevadores vigiados que eu quero descer! Sei lá a que andar ele vai chegar, mas não quero que continuem a me vigiar. Tenho meus pudores, ora bolas!

Versão para impressão

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Alguns recados...

Em primeiro lugar, quero agradecer publicamente e em bloco a todos os comentários aqui no blog, mas também aos emails, scraps no Orkut, mensagens no MSN e mesmo recadinhos ao vivo e a cores que tenho recebido de quem acompanha ou passa por aqui de vez em quando! Realmente escrever essas coisas é uma atividade da qual eu gosto muito e que pretendo continuar enquanto tiver coisas a dizer! E olhem que sou muito faladeira!!!

Se não respondo a tudo na hora, às vezes nem respondo, é porque sou lerdinha e atrapalhada mesmo. Ou respondo mensagens ou escrevo outros posts. Prefiro os posts, vocês não?

Portanto, não é pouco caso, é só pouco tempo mesmo! Mas leio tudo, adoro e guardo com carinho!

Em segundo lugar, semana que vem é a última quimio! Uhuuuuu!!!!
Provavelmente estarei envolvida em batalhas ferrenhas contra os torturadores e não vou escrever nada nos próximos 10 dias pelo menos... Tudo bem. Será a última ausência por conta disso!

sábado, 1 de março de 2008

Novidades

Há tempos eu queria encontrar uma forma simples de imprimir esses textos do blog porque sei de pessoas que acompanham, mas que não gostam de ler na tela do micro e sempre imprimem. Novidade! A partir de hoje os textos publicados no blog existirão também em versão pra impressão! Não é chique demais isso?

Funciona assim: no fim de cada texto estará escrito Versão para impressão. Ao clicar o link, aparecerá o seguinte diálogo:


Clique Abrir para abrir o arquivo diretamente e imprimir, salvar, ler na tela, etc. Clique Salvar para somente gravar o arquivo no computador.

Para poder ler os arquivos que vou deixar aqui vai ser necessário ter o programa Adobe Reader, que é gratuito e pode ser baixado na internet. Eu indico aqui um link de página em português, mas vocês podem usar a página original da Adobe, se desejarem. Eu sei, nada é muito simples mesmo... Mas isso só tem de ser feito uma vez.

Todos os textos publicados aqui até hoje já possuem também uma versão para impressão, vejam como me empenhei!

Nos últimos dias me dediquei à tarefa de ajeitar tudo isso, o que deu um certo trabalhinho e, portanto, tirou o tempo de escrever uma nova crônica.

Só que, vasculhando meus guardados digitais, encontrei um conto que escrevi em 2004, chamado O Tédio. Nessa época eu participei meio "de penetra" num concurso literário que um grupo de pessoas que gostam de literatura promoveu. Era um grupo fechado, de amigos, e eles já tinham feito concursos desse tipo antes. Naquela ocasião o Fábio, um amigo nosso, que também fazia parte desse grupo, me convidou pra participar do concurso que consistia no seguinte: a Rubiane (uma das integrantes) escreveu um conto chamado O Jogo, o qual terminava com uma palavra - OBRIGADO. O que os participantes do concurso tinham de fazer era dar uma explicação para essa palavra, de acordo com o texto. Obviamente não existiam respostas certas ou erradas, o que mandava era a criatividade de cada um. Como resposta, escrevi o conto O Tédio. A própria Rubiane foi quem escolheu a melhor resposta entre as que foram enviadas.

Ainda não falei com a Rubiane, mas acredito que ela não vai se opor (espero!)... Para poder publicar meu conto, preciso também publicar o dela, senão ele não faz tanto sentido. :-)

Como são textos um pouco longos, vai somente a versão para impressão de cada um:

O Jogo - por Rubiane de Lima
O Tédio - por mim mesma

Quem ganhou o concurso foi um dos participantes do grupo cujo nome não lembro agora. Vou tentar recontactar todos pra ver se eles querem colocar aqui os seus textos também.

Esse foi o primeiro conto que escrevi. E quase o único, para falar a verdade. Depois dele só escrevi a história da Quiltéria, uma quilteira. Esse texto está no nosso antigo blog e também espalhado em alguns blogs de amigas quilteiras, além de publicado na revista virtual PatchStop. Mas outros contos virão. Novas histórias da Quiltéria estão para chegar! Aguardem!