segunda-feira, 21 de abril de 2008

Desesperada... sou eu assim sem você!

Tem coisas que a gente precisa perder para só então dar valor. Elas estão sempre ali, mudinhas, quase invisíveis, fazendo parte da nossa vida, sem que lhes prestemos qualquer atenção ou façamos qualquer elogio. Até que, um belo dia, elas se revoltam contra essa nossa ingratidão e nos abandonam. Aí é que nos damos conta da imensa importância que tinham na nossa vida.

Quero deixar aqui minha declaração de amor, junto com insistentes pedidos de Volte, por favor! Minha vida não é mais a mesma desde que você partiu! ao meu querido forno de microondas...

Na última sexta-feira, sem mais nem menos, sem qualquer aviso prévio, ele simplesmente parou de funcionar.

Parênteses.

Tenho uma grande amiga, Giuse, e nos acontecem coisas, no mínimo, intrigantes. Umas coincidências bizarras... Ela estava aqui em casa quando meu amado forno de microondas exalou seu último suspiro e, quando chegou em casa, constatou que seu próprio forno tinha, aparentemente, também passado desta para melhor. No caso dela, o forno voltou a funcionar. Deve ter sido só um ritual de solidariedade entre fornos, sei lá.

Fecha parênteses.

Meu forno deu uma ressuscitada no sábado de manhã, dando a impressão de que tudo não tinha passado de uma espécie de catalepsia, como disse a Giuse a respeito de seu próprio forno, mas logo em seguida, fim! Sinais vitais a zero. Nada mais a fazer...

Claro que isso jamais teria acontecido numa segunda-feira com toda uma semana de comércio aberto pela frente. Não! Tinha de ser em véspera de fim de semana, com feriado na segunda, e ainda com requintes de crueldade, como dar uma funcionadinha no sábado de manhã só pra eu não me adiantar e aproveitar as lojas de assistência técnica abertas até o meio-dia. Quanta ingratidão depois de tantos anos de convívio!

Tudo bem, tudo bem! Você já fez a sua ceninha, já me provou que eu não consigo viver sem você, agora volte, por favor!!!

É incrível a falta que ele me faz. Ainda no sábado à noite eu fui preparar um simples café-com-leite. Medi o leite na xícara, coloquei numa panelinha e liguei o fogão. Primeiro problema: quanto tempo deixar ligado? Eu já tenho calculados os tempos de aquecimento do leite para cada um aqui de casa. Mas não faço a mínima idéia de quanto tempo deixar o gás ligado! Quando começaram a se formar bolhinhas nas laterais da panela, desliguei. Verti o leite na xícara, coloquei adoçante, café solúvel e, no primeiro gole... blarghhhh! Frio! Volta o leite para a panelinha. Não sem pingar no fogão, escorrer pela lateral da xícara e sujar o tampo da pia. E mais! Na segunda passagem da panelinha pelo fogo, o leite anterior começou a queimar, ressecar e grudar. Lavar panela de leite grudado está catalogado entre os grandes suplícios da lavagem de louça, comparado a lavar panela de arroz e travessas de assados que foram e voltaram ao forno diversas vezes. Vislumbrei meu futuro tendo de lavar panelinhas de leite uma ou duas vezes por dia, eu, que odeio, deploro, abomino lavar louça, e imediatamente me atirei aos pés do meu microondas chorando e bradando: Por que você foi fazer isso comigo?

E olhem que resisti à tentação de sair de perto da chama acesa. Invariavelmente deixo o leite ferver e derramar e isso não aconteceu dessa vez, o que significa que não tive de também limpar o fogão. Existem palavras mais sábias do que aquelas do ditado que diz Nada é tão ruim que não possa piorar?

E não acabou por aí!

Na hora de fazer o almoço senti novamente falta do meu forninho. Precisava de um mísero copinho de água quente. Só pra dissolver cubinhos de tempero. Mas nada de microondas. Peguei chaleira (quanto de água, meu Deus?), liguei o fogo, esqueci a chaleira ligada, a água secou, comecei tudo de novo, ai... por que não tem chaleira que faz biiiiip quando termina? Mas que coisa!

No dia seguinte, decidi nem fazer comida. Só esquentar o que já estava pronto. Só que, esquentar sem forno de microondas significa tirar a comida dos potinhos em que estavam na geladeira e colocar cada item em uma panela, já que potinhos de plástico não vão diretamente ao fogo. Além disso, que quantidade esquentar? Sabe-se lá quanto é a fome de cada um, então esquenta tudo de uma vez. Hábitos automatizados vão fazer com que nem se pense nos restos, portanto, os potinhos originais terão ido parar na pia e já estarão cheios de água, o que vai fazer com que novos potinhos tenham de ser utilizados. E, no caso da comida não totalmente consumida, essa seqüência do esquenta-esfria vai ressecar o molho e deixar tudo horrível.

Ao final de uma singela operação de esquentar uma refeição já pronta, sem o uso civilizador do microondas em que a comida fria vai parar diretamente nos pratos na quantidade certa, a pia da cozinha estará transbordando de potinhos plásticos acompanhados de suas respectivas tampas, diferentes panelas usadas para aquecer cada item individualmente, e também dos pratos, talheres e copos que foram utilizados. “O horror! O horror!” Uma cozinha assim é a real visão desesperadora e não aquela que teve o Sr. Kurtz, personagem de Joseph Conrad no romance O Coração das Trevas, que proferiu essas palavras logo antes de morrer doente, ferido, num barco, no interior de uma floresta da África, cheia de bichos estranhos e atacados por grupos hostis. Se ele tivesse tido tempo de ver uma cozinha imunda sem que uma refeição tenha sido preparada do início ao fim, aí sim saberia o que é o verdadeiro horror!

Não pude deixar de imaginar uma situação ainda pior... As incontáveis madrugadas enquanto meus filhos eram bebês em que tive de levantar para fazer mamadeira. E se eu não tivesse microondas naquela época? Não teria chegado viva até aqui sem um forno de microondas, isso é um fato mais do que evidente!

Engana-se quem pensa que um microondas é praticamente inútil porque serve para esquentar. No da frase anterior estão embutidos momentos preciosos de sono perdido na preparação de mamadeiras noturnas, muita louça suja, fogão imundo, horas diante da pia transbordante, comida queimada porque nos distraímos e não prestamos atenção ao tempo, leite derramado e tantos outros cenários ainda mais horripilantes.

Aquela euforia inicial de fazer comida em microondas foi fogo de palha. Evidentemente ele não serve para cozinhar. Uma pipoquinha de vez em quando, um brigadeiro às vezes, no máximo, um arroz. Já ouvi falar em experiências bem sucedidas com arroz. E não vai muito além disso. Quem quis justificar a existência do microondas pela culinária foi o povinho que colocou aquele quando falou que microondas serve para esquentar. É só isso mesmo e é MUITO!

Há quem lembre que microondas também serve pra descongelar, mas tenho de reconhecer que ele não é lá muito eficiente nessa tarefa. Dá uma ajuda, mas não mais do que isso.

Inaugurando a série de textos Grandes inventos da humanidade venho a público declarar meu amor e total devoção a você, meu querido e amado forno de microondas. Por favor, volte! Eu prometo agrados diários, produtos de limpeza específicos, uma gratidão maior, bem maior, do que a que eu tenho pelo meu forno a gás ou pelo meu forno elétrico.

Só não posso deixar que os outros fiquem sabendo disso. Se mais algum eletrodoméstico resolver se rebelar eu não sei o que será de mim!

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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um Engov antes, outro depois e uma faxina no meio

Recentemente recordei por aqui minhas aventuras como dona de casa. Depois daquele dia andei sentindo uns incômodos, um certo peso na consciência. Tudo porque, ao voltar a viver em terras verde-amarelas, passei a ter novamente uma diarista. Fim da rotina diária dos serviços domésticos! Senti que abandonei a classe, me achei meio pelega, sei lá.

Mas não posso esquecer que vivi alguns anos essa rotina tão cansativa e pouco valorizada. Não é à toa que às vezes donas de casa são representadas nos filmes e novelas como malucas. Qualquer um que tenha de repetir o mesmo trabalho por dias sem fim, sem final de semana, sem férias, sem descanso e praticamente sem reconhecimento, enlouqueceria. Confesso que eu mesma estive à beira da insanidade algumas vezes.

Em conversa com um amigo que tem também vivido os tormentos da vida exclusivamente doméstica identifiquei grandes semelhanças entre um dos mitos gregos e a faina do lar. A história de Prometeu Acorrentado. Vou contar a história aqui.

Prometeu era um deus meio vidente, parente de Zeus. Só que, ao contrário de outros deuses, tinha lá suas diferenças com o todo poderoso. Um dia, talvez numa balada mais pesada, tenha tomado uns goles de néctar a mais e, sabem como é, a língua ficou solta e Prometeu previu que Zeus teria um filho que acabaria por destronar o pai. Deu com a língua nos dentes e o chefão, que não era flor que se cheire, um tremento de um safado que vivia pulando as nuvens do monte Olimpo para dar suas escapadas, sentiu que a coisa realmente podia acontecer e ficou cabreiro. Passou a fazer marcação cerrada sobre o pobre do Prometeu.

Esse, que era todo cheio de coragem e não estava nem aí pros ataques de caspa do big boss, decidiu pregar uma peça em Zeus. Pegou um boi e o dividiu em duas partes. Uma delas era a carne. A outra era só o esqueleto, coberto da pele com gordura embaixo para dar um enchimento.

Prometeu mostrou as duas partes a Zeus, provavelmente dizendo “Que bobagem a gente ficar com essas briguinhas... Olha aí, trouxe um presentinho pra gente ficar de bem. Vou até te deixar escolher primeiro. Fique com uma dessas partes, a outra vou dar aos humanos esses reles mortais ignorantes.”

Zeus, todo afoito, quis ficar com o melhor pedaço pra ele, o egoísta. Não teve dúvida e escolheu o esqueleto coberto de peles, achando que estava levando a melhor. Quando viu que tinha caído no conto do vidente, o supremo ficou irado até não poder mais! Sobrou raio pra todo lado tamanha era a fúria de Zeus. Como represália, decidiu negar à humanidade inteira o fogo do conhecimento: “Vocês ficaram com a carne, né? Pois vão ser tão burrinhos que nem vão saber o que fazer com ela! Passa já esse fogo pra cá!”

Prometeu ficou indignado! O que é que os coitados dos humanos tinham a ver com a briguinha de família dos dois? Além disso, deve ter batido o maior peso na consciência porque ele aproveitou um descuido de Zeus e roubou o fogo para dá-lo à humanidade, que não só aprendeu a cozinhar, como também a construir casas e, daquele boi, inventou o churrasco, a churrascaria, o espeto corrido e o buffet por kilo.

Aí a coisa fedeu de vez! Zeus ficou maluco! Trovejou, esbravejou e, como todo poderoso chefão que se preze e que só dá ordens mas não suja as mãos, chamou Hermes, seu mensageiro, e ordenou:

- Manda já o Hefesto acabar com a raça desse Prometeu. Quero ver esse safado comendo grama pela raiz, com a boca cheia de formiga, e que isso dê um azia danada nele!

Hermes deve ter engolido em seco antes de dizer:

- Mas chefia, Prometeu é um deus, portanto, imortal...

Pois é! Nem mesmo o todo poderoso em pessoa podia matar um deus! Que coisa! O que fazer? Foi aí que ele teve uma idéia cruel demais. Ainda sentindo na boca o gosto amargo de fel pelas tantas que Prometeu tinha aprontado, Zeus chamou Hefesto e vociferou:

- Pegue esse abusado desse Prometeu e acorrente o larápio a uns rochedos no alto daquele penhasco. Faça o favor de inventar uma corrente que não se rompa de jeito nenhum!

E foi o que Hefesto fez. O infeliz do Prometeu ficou lá, acorrentado à beira do precipício. E vocês pensam que o castigo era só esse? De jeito nenhum! Todos os dias vinha uma águia que com um bico bem fininho ia bicando, bicando, bicando a barriga do Prometeu até abrir completamente e expor o fígado. Não contente com isso, a águia comia o fígado inteiro. Imaginem o tormento! E isso não era tudo! Durante a noite crescia um novo fígado e a pele se fechava. No dia seguinte, isso mesmo: voltava a águia e começava tudo outra vez. E Zeus lá, dando risada.

Já notaram a semelhança com a pobre dona de casa? Incapaz de fugir, como se estivesse acorrentada, a Rainha do Lar é obrigada a repetir infinitamente o mesmo ritual: limpa, arruma, cozinha, organiza. No dia seguinte? Limpa, arruma, cozinha, organiza. Sábado, domingo, feriado? Limpa, arruma, cozinha, organiza, muitas vezes mais do que nos outros dias em que a galera está fora de casa no trabalho ou na escola. Grande vantagem a de ser rainha! A mesma vantagen de ser deus, portanto, imortal, como no caso do Prometeu...

Só que o Prometeu tinha sacaneado Zeus, né? O que será que as mulheres fizeram pra merecer tal castigo?

Vou até fazer um reconhecimento aqui. De uns anos pra cá a macharada começou a colaborar um pouco mais nas lides domésticas. Só um pouco. Mas bem pouco mesmo! E, de qualquer forma, alguém, homem ou mulher, vai ter de fazer o serviço da casa, que, no dia seguinte, terá de ser refeito. E assim, ad eternum.

No caso do Prometeu, o titã Oceano e mais alguns outros deuses se revoltaram com a crueldade do castigo e foram interceder em favor do miserável junto a Zeus. O poderoso não gostou muito, fez umas caras feias, mas pra não perder o eleitorado e depois de alguns séculos, decidiu dar uma chance ao jovem insolente e permitiu que Hércules matasse a águia e o liberasse do castigo.

Quem será que vai tomar as dores (de fígado) das donas de casa? Alguém se habilita?

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Mais informações sobre o mito de Prometeu.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Phelicidade começa com P?

É com extrema satisfação que tenho visto o ponteirinho da minha balança marchando decidido para a esquerda, portanto, em direção ao nirvana e não mais para a direita, ou seja, para o ostracismo.

Claro que isso não está acontecendo por milagre ou mágica, mas sim por esforços conjuntos entre medicina, indústria farmacêutica e esta mesma criatura que vos fala. Depois de anos experimentando tudo o que é dieta maluca, capitulei. Passei à fase da dieta nenhuma. Achei que somente a força do meu pensamento conseguiria segurar o ponteiro da balança. Esqueci que no momento da distribuição das graças divinas eu provavelmente deixei de entrar na fila do item “força” e, se minha força física beira o ridículo, é provável que minha força do pensamento tenha capacidades igualmente pífias. Na queda-de-braço entre ela e a balança, deu a balança de lavada! Eu via números cada vez mais obscenos por ali. Foi então que me rendi às evidências: para emagrecer não existe milagre, é dieta, exercício e acabou. Um hipotireoidismo descoberto há quase dois anos também explicava um pouco os (vários) kilinhos a mais e, nesse caso, é médico e remédio pra botar o metabolismo novamente em dia. OK, OK, vocês venceram! Comprimidinhos e nada de batata frita!

Agora, depois de um ano de tratamento e de esforços de resistência, começo a colher os frutos e eles são todos diet e light.

Mas os anos em que ostentei um desagradável invólucro adiposo me mostraram o quanto nosso mundo é injusto e cruel com quem está fora dos limites arbitrariamente impostos.

Não foram poucos os momentos em que tive a certeza de que tinha nascido na época errada! Certamente minha função nesse mundo era a de ser manequim e modelo, não da Vogue ou coisa do tipo, mas dos pintores barrocos. Era nos museus e não nas bancas de revista que eu encontrava, enfim, a identificação. Aqueles corpos nus, em cujas bundas abundavam curvas e celulites... Era ali que eu deveria estar! Foi um erro de cálculo de tempo de aterrissagem essa minha vinda no século XXI! Flanava pelos museus admirando minhas companheiras de profissão, elas sim, nascidas no tempo certo. Um dia até convidei meu cunhado a admirar uma obra-prima do que seria hoje um verdadeiro exemplo de “inclusão estética”. Três moçoilas em pleno viço das formas numa floresta. Lindo!

As Três Graças, Peter Paul Rubens,
1639 Óleo sobre tela, 221 x 181 cm
Museo del Prado, Madrid


- Como é o nome desse quadro? – ele perguntou.

- As Três Graças, do Rubens –disse, ainda embevecida pela imagem.

- As três DESgraças, você quer dizer!

PAF! Voltei à realidade do século XXI. Oh! Mundo cruel!

E não adianta negar, nem tentar pôr panos quentes pra ver se derrete alguma gordura localizada: o mundo rejeita as fofinhas e faz questão de deixar isso bem claro!

Meu primeiro contato com essa dura situação veio quando a coisa nem tinha, ainda, descambado de vez. Vi uma calça jeans numa vitrine:

- Oi, eu queria uma calça daquelas, por favor.

- Que número? – estranhei o olhar desconfiado da vendedora.

- 44.

- Aqui nós só trabalhamos com manequim até 42 – ela falou me olhando de cima embaixo e dando dois passos para trás como se quadris largos fosse doença contagiosa!

E olhe que eu ainda estava na época do manequim 44! A coisa piorou horrivelmente nos anos seguintes.

Nem mesmo ouvir um boato de que Marilyn Monroe, se vivesse hoje em dia, usaria manequim 46 me deixou mais feliz. Isso mesmo! Marilyn Monroe. Aquela das saias esvoaçantes e dos parabéns pra você gemidos para toda a posteridade no dia do aniversário do Presidente Kennedy. Se ela vivesse hoje em dia teria de, como fiz tantas vezes, ir buscar no fundo das lojas de roupas alguma coisa para cobrir o corpo.

Vocês já notaram o que acontece naquelas grandes lojas de roupas com nomes formados de letrinhas ou com nome de marca de tinta de parede? Logo na entrada estão as roupas para os seres do sexo feminino cujos números associados sejam mínimos tanto em idade quanto em peso. As senhôras ou aquelas que têm muitos centímetros quadrados de pele a serem cobertos vão precisar andar um pouco mais. Mulheres que já não têm mais de se preocupar com espinhas, mas que, em compensação, estão às voltas com os fios de cabelo branco ou em luta com a balança, são levadas cada vez mais para o interior da loja.

E existe um milagre que nem Nossa Senhora de Fátima explicaria! Vamos imaginar que uma criatura de bem mais de 18 anos precise de uma calça tamanho 44, por exemplo. Nem na hipótese remotíssima de encontrar dando sopa (ainda que light) na entrada da loja uma calça 44 esse pobre ser deve se animar a marchar com ela para o provador. Uma calça 44 destinada a uma moça de 18 anos vai ser muito menor do que uma calça 44 destinada a uma mulher de 38! Eu só gostaria de poder bater um papo com o Pitágoras. Mesmo falando grego, quem sabe ele poderia usar aquele famoso teorema pra me explicar porque existe diferença entre calças de mesmo manequim, dentro da mesma loja, ao mesmo tempo, só porque uma está pendurada na porta e a outra, no fundo!

Aliás, quanto maiores forem os números ligados a uma mulher em idade ou peso, mais no fundo da loja estarão as roupas que ela vai poder sonhar em, talvez, quem sabe, num golpe de sorte, respirando bem fundo e contando que o tecido vai lacear, comprar. Que inversão de valores vivemos! Hoje em dia não é o número do saldo da conta bancária quem diz se alguém pode ou não comprar uma roupa, mas sim, o número que aparece na balança ou no RG!

Essa constatação eu fiz quando morava na França. Entre as curiosidades que as pessoas têm sobre o país está uma rede de lojas chamada Galeries Lafayette. Na verdade, a loja é formada por um conjunto de lojas. Marcas chiquérrimas e carérrimas. Várias vezes fui “levar meus olhos para passear” por lá, já que comprar, nem pensar! O limite do meu cartão de crédito estava a muitos zeros de distância de suportar uma fatura deles. Mas o que me deixou extremamente arrasada foi perceber que nem se eu pudesse ou quisesse poderia comprar uma peça de roupa sequer nas Galeries Lafayette! O tamanho do meu manequim simplesmente me excluía do rol das possíveis clientes. Eu podia chegar com cinco mil, dez mil Euros em notas de 100, amassadinhas nas minhas mãos, despejar tudo no balcão diante da vendedora e chorar meu desespero:

- Olha aqui! Eu pago! Mas eu duvido que você ache uma única peça de roupa nessas lojas que me sirva!

E ela, tão desesperada quanto eu, embora não exatamente pelos mesmos motivos, as pupilas refletindo somente os cifrões das minhas notas, diria:

- Que é isso! Olha só, a gente recebeu uma coleção de echarpes que é a sua cara!

Essa é a cruel rotina das cheinhas. O mundo da moda lhes é proibido. Independente da condição financeira, mesmo com dinheiro na mão, tudo o que elas têm o direito de comprar em lojas chiques são meias soquete e echarpes. E fim!

Na verdade, cheinha com muito dinheiro é uma coisa que quase não existe. Roupas para o tamanho G (o real e não o das grifes famosas) existirão nas lojas populares. Tirando as classes A e, talvez, a B, as classes das outras 24 letras do alfabeto não têm dinheiro para pagar tratamentos, academia, cremes, cirurgias e por aí vai. Se a natureza não foi generosa na falta de curvas, as únicas chances de ser magra são nascer em berço de ouro ou conquistar uma cama de ouro seja por trabalho, casamento, mega sena ou mandinga! Será magra aquela que puder pagar (e caro!) por isso.

E não adianta esbravejar! Já perdi a conta da quantidade de e-mails, mensagens, reportagens e sites em que li textos de mulheres tão indignadas quanto eu estou agora, nos quais elas soltam o verbo contra essa ditadura da magreza em que vivemos! Todo mundo é contra, acha absurdo, esperneia, se revolta. Mas, ô classe desunida, na primeira oportunidade que aparece a gordinha dá um jeito de sair do time das roliças. Encontra mais do que depressa uma forma de achar roupas na área intermediária das lojas e não lá no fundo, ao lado da saída de emergência. Eu mesma faço isso! Comecei o texto dizendo o quanto estava feliz por ter despido, mesmo que lentamente e ainda não completamente, o casaco sabor bacon que idade, gravidez, tireóide cansada, vida sedentária e muitas pizzas se encarregaram de me cobrir.

A gente até diz no tom mais politicamente correto possível: “Veja bem, é uma questão de saúde e não só estética...” Sei! A verdade verdadeira, nua, crua, sarada e esquelética é que não sai da nossa cabeça, como um mantra maligno, a frase mais cruel que já tive a oportunidade de ler num outdoor: Felicidade é entrar num vestido P.

Já que o P do vestido é inatingível a gente acaba partindo para outros Ps: primeiro o de pizza, depois, o de Prozac!

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