Mostrando postagens com marcador Papo sério. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Papo sério. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Fale pelo seu travesseiro!

Imagine a seguinte situação: um grupo de moradores de um edifício contrata uma pessoa para representá-los nas reuniões de condomínio. Um emprego temporário, de tempos em tempos esses moradores decidem se o representante continua ou é substituído por outro. O salário dessa pessoa é pago, evidentemente, pelo grupo de moradores que o escolheu. 

O representante cumpre seu papel, isto é, comparece a quase todas as reuniões de condomínio. Mas, fora delas, age como se tivesse poderes especiais. Um dia, sai para jantar com amigos, bebe além da conta e volta para casa dirigindo a uma velocidade absurda. Acaba por causar um acidente em que duas pessoas morrem. Aparentemente, para todos os que quiseram chamá-lo à razão, tentando impedi-lo de dirigir sem ter condições para isso, ou então no hospital em que foi atendido depois do acidente, ele fez questão de lembrar que: Eu sou um representante, você está me entendendo? Um representante nas reuniões de condomínio! Como se isso fosse algo de muito especial ou condição suficiente para que ele estivesse acima de qualquer lei, de qualquer limite. 

O grupo de moradores que o escolheu está, obviamente, chocado. Mas está ainda mais chocado por descobrir que realmente esse simples representante tem prerrogativas que eles, os que os escolheram, não tem! Ele tem direito a tratamentos especiais e aqueles moradores do condomínio que o escolheram vão ter de lutar muito, e quando eu digo muito, quero dizer muito mesmo, para que esse cidadão seja julgado a fim de que a lei decida se a sua conduta merece punição e que tipo de punição será essa.

Parece um cenário surreal? Eu também acho! Mas é exatamente isso que está acontecendo nesse momento na cidade de Curitiba. Um deputado estadual causou um acidente no qual morreram dois rapazes. Não serei eu a pessoa que o julgará por esse ato, isso cabe à justiça. Mas a sociedade curitibana, em especial as famílias desses dois jovens, terá de lutar muito, com todas as suas forças, a fim de conseguir que essa pessoa, cuja função social é somente a de representar temporariamente os moradores do estado do Paraná na Assembléia Legislativa, seja levado a julgamento. Um julgamento verdadeiro e não um simulacro.

Eu não quero comentar tudo o que se disse até o momento sobre o caso. Verificar a veracidade ou não desses depoimentos que afirmam que ele estava bêbado, que destratou e agrediu enfermeiras, que não se deixou convencer pelas pessoas que o viram sair do restaurante de que ele não tinha condições para dirigir, que os ferimentos que ele teve foram superficiais então seu estado de coma foi induzido para que ele não tivesse de dar declarações, que testemunhas foram ameaçadas, que provas sumiram para reaparecer quando o caso tomou proporções maiores e tantos outros detalhes escabrosos. Isso cabe ao poder judiciário. 

Quero comentar somente o fato: um carro foi cortado ao meio quando foi atingido por outro que vinha no mesmo sentido e isso causou a morte de dois rapazes.

Vale lembrar a lei da Física que diz que objetos que colidem em sentidos opostos tem suas velocidades somadas, mas quando colidem no mesmo sentido, tem suas velocidades diminuídas uma da outra. Acho que um exemplo concreto vai deixar bem claro aonde estou querendo chegar.

Se dois carros batem de frente, um deles a uma velocidade de 50Km por hora e o outro a uma velocidade de 70Km por hora, isso causará um dano equivalente àquele que aconteceria se um dos carros estivesse parado e o outro o atingisse a uma velocidade de 120Km por hora, ou seja, a soma das duas velocidades. 

Porém, se os mesmos carros colidem, exatamente com as mesmas velocidades, mas estando os dois no mesmo sentido, os danos seriam os mesmos que aconteceriam se um dos carros estivesse parado e o outro o atingisse a uma velocidade de 20Km por hora, ou seja, a diferença entre as duas velocidades.

Quem afirma isso é a Física, não é nenhuma lei jurídica.

No caso desse acidente, os dois carros estavam no mesmo sentido. O carro do deputado vinha atrás daquele dos rapazes. Era uma via rápida, domingo à noite, mas vamos imaginar que os rapazes estavam andando dentro da velocidade máxima permitida por lei nas cidades, ou seja, 60Km por hora. Qual deveria ser a velocidade do carro do deputado para que, atingindo o veículo dos rapazes por trás, e descontando a velocidade deste, aqui imaginada a 60Km por hora, ele ainda fosse capaz de cortar esse carro ao meio?! 

Isso é um FATO comprovado pelas imagens do que restou do carro dos rapazes. Eu não estou fazendo suposições, nem acusações, nem qualquer tipo de comentário apaixonado ou parcial. Estou simplesmente aplicando uma lei da Física para formular a seguinte pergunta: qual velocidade seria capaz de cortar um carro ao meio? 

Em seguida, quero saber: o que deve acontecer a uma pessoa que dirige nessa velocidade e causa a morte de duas outras pessoas?

Portanto, um cidadão, uma pessoa como qualquer outra que existe sobre a face da terra, entrou no seu carro num domingo à noite e dirigiu a uma velocidade capaz de cortar ao meio um carro, independente deste carro estar em movimento ou parado diante dele. O que eu penso é que essa pessoa tem OBRIGATORIAMENTE de responder pela sua conduta!

Mas acontece que essa pessoa trabalha e trabalhos tem títulos, descrições, uma simples palavra que os identifica: advogado, empregada doméstica, pintor, lavadeira, encanador, professor, médico, pedreiro, deputado... Qualquer palavra dessas que sirva para descrever uma simples ocupação profissional não é motivo suficiente para livrar uma pessoa da responsabilidade de justificar suas ações, menos, a palavra deputado. Junte-se a essas algumas outras, também meros descritores de ocupações funcionais: vereador, prefeito, governador, presidente, senador, desembargador... Ao que parece, trabalhar sob essas descrições torna essas pessoas seres humanos diferentes. Com super poderes. Pena que esses super poderes não servem para proteger a humanidade, mas somente a si mesmos e aos seus escolhidos.

Vamos tirar o véu de glamour, celebridade ou importância dessas pessoas. Vereadores, deputados, senadores não são mais do que representantes, simples prepostos em reuniões de condomínio, ou seja, do lugar em que vivemos. Pode ser o condomínio-cidade, o condomínio-estado ou o condomínio-país. Eles não são mais do que meros representantes temporários. Prefeitos, governadores e presidentes não são mais do que síndicos. Eles não são especiais, também não tem super poderes, nem podem mais do que os outros. A síndica do edifício em que eu moro não tem o direito de fazer aquilo que os outros moradores também não tem, só porque é síndica. E ela não faz! Não faz porque é séria e responsável, mas poderia não fazer só porque é consciente da sua função, da sua transietoriedade e do fato de que será destituída desse cargo se o fizer. É um cargo! Uma ocupação profissional. 

Ser vereador, deputado, prefeito e por aí vai, até chegar a presidente da república é ser apenas trabalhador público por tempo limitado. E não estou dizendo funcionário público que teve de passar por concurso. Estou falando de ser operário cuja função é representar a sociedade nas decisões que são tomadas a fim de organizar a vida nos espaços que ocupamos. Ser operário que organiza a vida pública não significa possuir um símbolo divino, uma capacidade espetacular, única ou exclusiva que o torne um ser especial.

A família de um dos jovens que morreu nesse acidente está promovendo uma série de eventos para conseguir que esse deputado vá a julgamento. Essa família está levando adiante uma guerra para conseguir somente que o deputado seja considerado o que ele já é: uma simples pessoa, como qualquer outra pessoa sobre a face da terra. 

Assisti a uma entrevista da mãe desse jovem em que ela disse uma frase que me atingiu diretamente: o seu travesseiro não falará por você. De nada adianta ficar indignado, comentar o assunto no trabalho, no ônibus, na rua, na padaria. De nada adianta ler os jornais, ficar informado sobre tudo. O que adianta, o que resolve, o que faz o mundo girar é a atitude. É se manifestar, é falar, é participar das passeatas, dos movimentos. É passar a mensagem adiante, é reunir-se em associações.

Essa família está promovendo uma manifestação que acontecerá neste sábado, 30 de maio, às 10h30, no calçadão da rua XV de Novembro (Av. Luiz Xavier) esquina com a praça Osório. No local onde fica a nossa famosa Boca Maldita. Pois que essa boca seja bendita no próximo sábado! Que ela esteja repleta de dentes e línguas, e que esse dentes e línguas gritem toda a indignação que sentem. Que essas bocas saiam de suas casas e que compareçam. Todas as que puderem e que tiverem condições de ir. As que não puderem, que instiguem outras bocas a comparecer e a gritar juntas que nós não somos o brasileiro típico, que não age, que não fala, que não se posiciona, que não faz nada. Não somos o povo que não se revolta, que não exige seus direitos, que não faz mudar sua própria sociedade.

Assisti a um filme esta semana (O Leitor) em que um dos personagens diz: nossa justiça não se rege pelo que é certo ou errado, ela se rege pela lei.

Se nossas leis beneficiarem àqueles que são culpados, então lutaremos para mudar as leis! Mas, para isso, é preciso ficar evidente que a lei foi aplicada e que não foi capaz de fazer justiça. E isso não se faz por mágica, nem independentemente da ação dos cidadãos. Tudo por conta de mais uma lei da Física, dessa vez, a da inércia: um corpo manterá seu estado a não ser que uma força lhe seja aplicada

Se ele estiver parado, parado ficará até que algo ou alguém lhe dê o impulso para que entre em movimento. 

Se estiver em movimento, em movimento permanecerá até que algo ou alguém lhe imponha o obstáculo que o fará parar.

Não quero que a inércia nos deixe parados nesse caso. Não me canso de pensar e de fazer uma suposição: e se no lugar de jovens cujas famílias têm essa coragem, essa capacidade de mobilização e de luta, o deputado tivesse atingido um carro com pessoas cuja família não tivesse esses recursos? O que aconteceria? Será que tomaríamos conhecimento desse fato, simplesmente absurdo, que ocorreu? 

Precisamos aproveitar que o destino impingiu essa dor dilacerante a uma família que tem a força e a coragem que eu mesma talvez não tivesse. Eles lideram, eles se movimentaram, eles saíram da inércia. Mas sozinhos eles podem muito pouco. Como disse a mãe do Rafael, nossos travesseiros não farão nada por nós tudo por conta de outras leis, dessa vez, da ordem da Biologia: eles não tem vida. Eu tenho. Você tem. Rafael e Carlos, infelizmente, não tem mais.  

Peço a todos que puderem estar presentes a esta manifestação, que estejam. É pouco, mas é um começo de alguma coisa. E sentiremos que estamos fazendo a diferença nesse mundo.


domingo, 11 de janeiro de 2009

É melhor se incluir dentro dessa... E rápido!

O que mais tenho ouvido ultimamente é: minha vida está uma correria, não dá tempo pra nada! É verdade que o tempo sempre foi o assunto preferido para os momentos em que o tal do assunto falta, mas aos poucos vamos substituindo o tempo-clima pelo tempo-relógio. Acho que é uma forma inconsciente de dar uma de avestruz. Estamos evitando assuntos, digamos, naturais.

Esses dias um colega contava sua rotina das segundas-feiras quando o trabalho o obriga a ir de um extremo a outro da cidade, fazendo com que ele gaste quase cinco horas de transporte público nessa corrida. Muito espantado, alguém lhe perguntou:

- E você ainda encontra tempo para almoçar?

- Não! Faço fotossíntese!

É, minha gente, a situação é grave! Mas triste mesmo é ver que corremos tanto de um lado para o outro que não tem sobrado tempo para ver o que está acontecendo ao nosso redor. Nosso mundo está em perigo de morte e nem será súbita. É uma morte anunciada mas, como avestruzes, escondemos a cabeça num buraco no chão. Talvez só venhamos a reconhecer o problema quando esse buraco ficar tão insuportavelmente mal-cheiroso de tanto lixo acumulado que sejamos obrigados a levantar a cabeça para respirar ar puro. Nesse momento descobriremos, chocados, que ele não existe mais e que a água limpa para, pelo menos, lavar a cara e ficar livre desse cheiro... cadê? Desapareceu! Que horror! Quem foi que deixou a situação chegar a esse extremo? A resposta na qual não tivemos tempo para pensar a respeito será: NÓS!

Eu me divirto quando ouço:

O brasileiro é um povo mal-educado!

As pessoas estão preocupadas só com si mesmas e nem ligam para o que pode acontecer com os outros.

E, a melhor de todas:

O ser humano vive o presente sem se preocupar com o futuro!

Não é demais? Quem diz isso, pasmem, é brasileiro, logo, uma pessoa, ou seja, um ser humano! Se as sábias palavras partissem de um ET verdinho, tudo bem! Mas é engraçado como tem gente que diz “as pessoas”, colocando a si mesmo fora desse grupo! A grande verdade é que no grupo chamado genericamente de seres humanos estão incluídos todos, até mesmo, vejam que incrível, quem fala!

Portanto, a responsabilidade pelo estado terminal em que o mundo poderá se encontrar em não muito tempo é de CADA UM! Cada um dos seres humanos, cada uma das pessoas sejam elas brasileiras, australianas, americanas, africanas, européias, asiáticas e, se bobear, até mesmo marcianas! Baixou por aqui, danou-se, vai entrar na dança e ter de ajudar também! Fugir do assunto, partir para uma atitude do tipo “me inclua fora dessa” e se fingir de paisagem, não dá!

Chegará o momento em que não diremos mais “Que chuva, não?”, mas sim “Essa chuva ácida está insuportável!” Em vez de “Que calor!”, diremos “O superaquecimento hoje está demais!” Por isso substituímos o tempo-clima pelo tempo-relógio nas conversas sem assunto. É uma espécie de desculpa antecipada pela falta de consciência e engajamento e que, de quebra, evita dizer exatamente o que se pensa. O script completo é:

Corro de um lado para o outro e não tenho tempo de cuidar deste mundo. Não faço a minha parte, não consigo pensar em reciclagem, não dá tempo! E trabalho tanto, estou sempre tão cansado... Eu mereço o conforto que o meu dinheiro consegue comprar, mesmo que esse conforto signifique mais lixo, menos água, mais poluição, menos vida! Meu dinheiro comprará a água tratada, o ar filtrado, a comida industrializada e, além disso, eu pago a taxa de coleta de lixo, ora bolas!

E aí eu me permito interromper esse surto megalo-egoísta-egocêntrico para perguntar: E você já imaginou para onde vai esse lixo?

Sei lá! Isso é problema do governo (todo constituído por habitantes de Júpiter, é claro, eleito por aqueles cujos títulos eleitorais foram expedido na Lua, ou seja, os lunáticos), das empresas (cujos donos e funcionários vieram de Saturno) das ONGs (esses, então, vieram de Krypton, são todos parentes do Super-Homem e cheios de superpoderes) e não meu!

Sinto informar, cara-pálida (que logo deixará de ser pálida por conta dos raios UV), mas esse problema é seu TAMBÉM!

Qualquer atitude, por mínima que seja, ajuda. Para melhorar ou para piorar.

Somos mais de seis bilhões de humanos na face da Terra. Seis bilhões de atitudes, por mínimas que sejam, fazem uma coisa grande, não? Se seis bilhões de pessoas recusarem UMA sacola plástica por semana teremos seis bilhões de sacolas plásticas a menos no lixo.

Só que o contrário, infelizmente, também é verdadeiro. Seis bilhões de pessoas que, em nome do conforto, usem o carro para andar as longínquas três quadras até o supermercado deixarão seis bilhões de vezes mais gases tóxicos no ar.

Em pouco tempo o meu colega, ainda que ecologicamente correto por usar transporte público, não poderá nem mesmo fazer fotossíntese, o coitado!

Quando esse dia chegar, quem sabe tenhamos tempo para tentar salvar o que ainda restar. Ou, com sorte, conseguiremos encontrar a base de lançamento que nos mandará de volta ao planeta do qual viemos.

Versão para impressão

domingo, 23 de novembro de 2008

Todos podemos!

Assisti ontem a um filme no Canal Futura chamado De repente, Gina. É um filme excelente e realmente faz pensar.

Pensar, principalmente, que a correria que vivemos não pode ser desculpa para não fazer nada contra o seguinte fato: milhares de pessoas no mundo morrem de fome a cada dia.

Em 2000 a Reunião de Cúpula das Nações Unidas assinou um acordo chamado Declaração do Milênio no qual estão estabelecidas as Metas de Desenvolvimento para o Milênio. São oito metas, realmente objetivas, isto é, nada de demagogias. O que eles propõem é possível de ser alcançado. A primeira delas é reduzir pela metade, até o ano de 2015, o número de pessoas que morre de fome no mundo.

Qualquer um pode colaborar. Qualquer atitude conta. Divulgar num blog, por exemplo. É pouco, mas espalha a notícia.

Por isso incluí por aqui um link para a página oficial do projeto (está em inglês). E foi com orgulho que pesquisando o site vi que é citado o programa Fome Zero do Brasil para descrever o que já foi feito até agora para atingir esse objetivo.

De 2000 a 2015 são 15 anos. Passamos pouco da metade do tempo, o que significa que podemos ainda fazer muita coisa! Não direi aqui o que eu pretendo fazer a respeito. Não estamos numa competição para ver quem faz mais ou melhor. O que espero com esse post é divulgar, lançar a idéia. Depois, cada um vai atuando do seu modo, na medida das suas possibilidades, como um exército de formiguinhas anônimas. A notícia que quero ler em 2015 é aquela que dirá que outras metas foram estabelecidas para 2030. Isso vai significar que aquelas de 2000 terão sido atingidas!

O filme será repetido no Canal Futura hoje às 22h00. Eu recomendo!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Aviso aos navegantes

Sabem do que senti saudade agora? Daquelas fotos nos livros da terceira série que mostravam umas espumas nojentas nas águas de um rio, com peixinhos boiando, todos mortinhos da Silva. Quem estranhou minha nostalgia esquisita não assistiu ainda ao filme Wall-e.

As crianças de hoje em dia têm muito mais motivos para ter pesadelos apocalípticos do que eu na mesma idade. Sim! Wall-e é um desenho animado, em teoria, diversão infantil. Mas tem muito adulto que deveria assistir. Longe de mim fazer propaganda consumista, mas é que esse filme mostra um futuro que esses dias eu vislumbrei... possível.

Também não tenho a intenção de estragar a história, mas é preciso falar um pouco do enredo.

Wall-e é um robô cuja função é compactar lixo em pequenos tijolos, empilhando-os depois. Super prático e organizado! O grande problema é que Wall-e está, literalmente, sozinho no mundo! Os humanos abandonaram a Terra e vivem em órbita a bordo de estações espaciais. Wall-e anda por uma cidade com imensos arranha-céus e, quando se vê de perto, percebe-se que esses edifícios são na verdade imensas pilhas dos tais tijolos de lixo compactado. Outros robozinhos como Wall-e estão caídos aqui e ali. Só ele sobreviveu porque, devido a algum erro de programação, tem a capacidade de consertar a si mesmo trocando suas próprias peças defeituosas pelas de outros robôs inutilizados. Além disso, como todo bom filme de robôs que respeite a memória de Isaac Asimov, criador das leis da robótica, Wall-e é dotado de sentimento. Coleciona carinhosamente cacarecos que vai juntando nas montanhas de lixo e tem surtos românticos assistindo a velhos musicais... Chega! Não digo mais nada, não conto que o assassino é o mordomo, nem sob ameaça de ser enterrada viva!

Mas a verdade é que ando me sentindo ameaçada. Era uma sensação meio vaga lá pela terceira série, mas vem crescendo com os anos a ponto de ter-se transformado quase numa obsessão: seremos sufocados pelo próprio lixo que produzimos! E o último a abandonar o planeta, se conseguir fazer isso, nem vai precisar apagar a luz. Ela já não existirá mais por falta de recursos para produzi-la! Quimérico? Considerando que a Quimera é um monstro mitológico com corpo e cabeça de leão, além de outras duas cabeças: uma de cabra e outra de dragão, mais um rabo de serpente e que solta fogo pelas narinas, acho até que ela pode ser considerada mansa como um cordeirinho diante do imenso monstro negro e fedorento de lixo que atualmente assombra meus pesadelos.

Semana passada fiz uma organização no quartinho de despejo aqui de casa. Vocês sabem como é, de vez em quando temos de colocar as coisas em ordem, jogar fora o que não é mais útil, guardar o que achamos que será útil um dia, mas que só voltaremos a ver na próxima organização, e assim por diante. Quando acabei, nem mesmo o prazer de ver tudo arrumadinho como os tijolos de lixo do Wall-e conseguiu diminuir meu terror em perceber a quantidade de sacolas plásticas que acumulei em casa em tão pouco tempo. Isso me espantou porque há pelo menos um ano evito o máximo que posso as sacolas plásticas. Carrego uma sacolinha de tecido dobrada na bolsa e vou colocando ali o que compro. Dá para dizer que consigo recusar 90% das sacolas que me oferecem porque, quando esqueço a sacolinha de tecido, o que acontece com uma certa freqüência, devo confessar, aceito a primeira sacola e vou colocando ali o que compro em seguida. Ao supermercado é comum eu levar um carrinho de feira ou sacolas reutilizáveis. Então, como pude juntar aquela quantidade impossível de sacolas plásticas?

Meu desespero foi ainda maior por conta de um texto que li num e-mail desses que rodam o mundo pela Internet em pacotes, pelo menos esses, ciberdegradáveis. Foi uma reflexão, um exercício de lógica muito simples, do estilo como não pensei nisso antes?

Em termos bem genéricos, as primeiras pesquisas que levaram ao desenvolvimento do plástico começaram ali por meados do século XIX. Hoje são inúmeros os tipos de plástico existentes e o tempo que eles levam pra se desintegrarem por completo varia de algumas décadas até infinitos milhares de anos. Vamos considerar uma média bem otimista de 200 anos para a maioria dos plásticos. Considerando que ainda estamos no início do século XXI, de meados do século XIX até hoje passaram-se uns 150 anos. Estão percebendo aonde eu quero chegar? Tirando uma pequena parcela que tenha sido reciclada, quase todo o plástico produzido desde o início até hoje ainda está por aí! Não é assustador? Tenho a impressão de que as pessoas pensam que caminhões de lixo são como cartolas de mágico que fazem desaparecer as coisas. Basta ser educadinho e não jogar lixo nas ruas e pronto! Fim do problema. Mas essa não é a verdade! O civilizado latão de lixo é só o início de um gigantesco problema. Vocês também estão sentindo, como eu, a montanha de detritos crescendo ao nosso redor?

Nem sei mais se foi bom ou ruim refletir sobre isso porque agora olho para este copo de plástico no qual acabei de tomar um suco de mamão como se ele fosse um inimigo prestes a pular na minha garganta e me asfixiar em segundos! O canudinho entrará pelas minhas narinas e a bandeja em plástico rígido golpeará minha cabeça até que perderei os sentidos nesta cadeira cujo assento é feito de uma imitação plástica de palha, sob o guarda-sol cuja cobertura é feita de uma imitação plástica de tecido e... Ei! Preciso interromper meu delírio histérico-ecológico para perguntar a alguém por que diabos poliméricos é necessário esse guarda-sol se estou dentro de um shopping center coberto?

Olho para as mesas ao meu redor. As pessoas comem despreocupadamente enquanto eu, em verdadeiro surto bioparanóico, estou imaginando um motim iniciado pelos porta-guardanapos, todos de acrílico, os quais, a um sinal previamente combinado comandarão o levante dos talheres plásticos que voarão descoordenados, atraindo das carteiras todos os cartões, sejam eles de crédito, de débito, de planos de saúde, de locadoras ou de lojas, mas todos com uma coisa em comum, ou seja, feitos de plástico! Tais cartões partirão em violenta revoada, abrirão e farão com que os imensos cestos de lixo vomitem os restos imortais de milhares de refeições fast food que de fast só têm mesmo a decomposição da food.

Aliás, experiência interessante a ser realizada: entrar no MacDonald’s e comprar um lanche da promoção. Em seguida separar cuidadosamente o conteúdo da bandeja em dois grupos. De um lado o que é comida e que vai, em pouco mais de 24 horas, se transformar em... bem, vocês sabem no que a comida se transforma! De outro, todos os papéis e plásticos resultantes dessa saudável refeição: a caixinha do sanduíche, a embalagem da batatinha, os saquinhos plásticos que guardam os dois guardanapos de papel, os próprios guardanapos, o canudinho acompanhado do papel que o embala individualmente, os saquinhos que guardam porções igualmente individuais de temperos nem sempre consumidas, mas sempre jogadas fora e, no caso de uma refeição infantil, também aquele brinquedinho, na grande maioria das vezes inútil e muito menos interessante do que parecia na propaganda, às vezes com luzinhas coloridas, portanto, contendo pilhas altamente tóxicas quando jogadas no lixo. Em resumo, tudo aquilo que vai demorar pouco menos de 24... séculos até ser consumido totalmente!

A competição na corrida da desintegração é injusta! Aquela comida vai rapidamente virar um mísero cocô e, assim mesmo, nem toda ela terá esse nobre destino já que boa parte vai se alojar na cintura do comensal, enquanto aquele lixo vai se instalar confortavelmente em algum aterro sanitário per omnia seculum seculorum. Um dia esse aterro ultrapassará, em altura, o Everest!

Quando esse dia chegar, teremos novos e interessantes esportes radicais, quiçá participantes dos Jogos Olímpicos. Escalaremos picos de montanhas de garrafas PET, faremos rafting em mal-cheirosas corredeiras de chorume, praticaremos rapel em falésias de velhos eletrodomésticos amontoados e executaremos emocionantes saltos de bungee jump nos cânions formados de pneus empilhados. Evidentemente precisaremos de máscaras de gás para evitarmos os exames anti-dopping contra os vapores alucinógenos que aspiraremos em ambientes tão bucólicos.

Nem Stephen King, mestre das histórias de horror, imaginou cenário igual!

E olhem que estou me concentrando só no lixo que não é biodegradável. Nem estou mencionando o gasto de energia para produzir tudo isso.

É por esse motivo que um filme como Wall-e deveria ser executado repetidas vezes, até a exaustão, em todas as TVs de plasma que substituem rapidamente as antigas e obsoletas TVs de tela plana, produzidas há longínquos dois anos. Essa tralha inútil aguarda lentamente a desintegração daquelas outras TVs, verdadeiros dinossauros tecnológicos, cujas imagens eram produzidas por tubos de raios catódicos.

Falando em tubos, uma vez abri um tubo de pasta de dentes e vi que ele tinha uma minúscula película de papel metalizado que deveria ser retirada. Para que? Evitar contaminação, alguns se apressarão em me explicar. Imediatamente imaginei o que aconteceria nesse mundo ideal e asséptico se a população de um país como a China tivesse também acesso a tubinhos de pasta de dentes com aquela película protetora. Um bilhão de pessoas usando, digamos, um tubinho de pasta de dentes por mês! Vamos esquecer o destino do próprio tubo vazio, e vamos pensar nas 12 bilhões de películas de papel metalizado atiradas displicentemente no lixo que serão acumuladas no prazo de um ano. Será um belo espelho para refletir os raios solares e mandá-los de volta ao espaço evitando, assim, que o último chinês a abandonar a Terra tenha de também apagar a luz do sol!

A cada item descartável de conforto com o qual me deparo, penso: e se todas as pessoas do mundo tivessem acesso ao mesmo conforto? Minha pergunta foi respondida em um programa de TV sobre meio-ambiente a que assisti há alguns anos. Saibam vocês que, para que todas as pessoas do globo tivessem uma vida com os mesmos e civilizados recursos disponíveis nos países do primeiro mundo, seriam necessários SEIS planetas Terra! Como não existem seis planetas Terra nesta minúscula galáxia em que somos condenados a viver, aparentemente é um só mesmo, vamos reconhecer que nosso conforto será responsável pela nossa maior fonte de desconforto num futuro que receio não estar muito distante. Para vivermos todos como no primeiro mundo, descobriremos que este era, na verdade, o último mundo disponível e que nós o teremos assassinado sob uma grossa camada de lixo!

Assustador é verificar que se considerarmos as opções de solução que temos seremos obrigados a decidir entre o ruim, o horrível e o inaceitável!

A humanidade começou pelo inaceitável. Imitando a Criação Divina, inspirou-se no avestruz e decidiu enterrar o lixo, mandando, literalmente, a sujeira para baixo do tapete de água ou de terra que cobre o planeta. Não demorou nem um século para perceber que não daria certo. Como são rápidos os humanos!

Passou, então, a considerar o horrível. Nova inspiração na Criação para implantar uma verdadeira idéia de jerico: mandar o lixo para o espaço! O negócio é que, vejam como é perfeita a Natureza, tudo o que sobe, desce. Chegaria o dia em que teríamos não mais chuvas de meteoritos em forma de românticas estrelas cadentes, mas sim, chuva de detritos. Não existiria guarda-chuva, nem mesmo com cobertura de plástico super rígido, que nos protegesse de uma sapatada na cabeça, quando esse sapato viesse do céu na velocidade da luz!

Chegamos, enfim, à opção pelo ruim. Mais uma vez inspiração na natureza, especificamente nas árvores que transformam gás carbônico em oxigênio, ou seja, fazem reciclagem. Ruim? Ruim sim, Senhores! Eu também me espantei quando ouvi essa opinião pela primeira vez, mas fui rapidamente convencida pelo seguinte argumento: o gasto de energia necessário para reciclar o lixo é tão grande, se não for maior, do que aquele necessário para produzir tal lixo!

Então não há solução possível? Nossa saída será mesmo uma plataforma de lançamento espacial, deixando a Terra para as baratas, teoricamente as únicas a sobreviverem? No filme Wall-e uma simpática baratinha é o único ser vivo a compartilhar com ele a cidade. Não sei vocês, mas para mim baratas só conseguem ser simpáticas em filmes de animação. Mas, no caso do Wall-e, o filme acabou sendo de desanimação com o futuro que nos espera.

Entretanto, acredito que há uma solução que a meu ver ainda deixa ter alguma esperança: não consumir, produzir menos e preservar mais, não criar o lixo que, se não existir, vejam que maravilha, não precisa ser reciclado!

Acabei de me lembrar de um outro terror de infância: a abertura de uma antiga novela chamada Sinal de Alerta, exibida pela Rede Globo nos anos 70. Da trama não tenho qualquer recordação, mas a abertura mostrava um mundo em que todos seriam obrigados a usar máscaras por causa da poluição. Infelizmente os prognósticos hoje são bem piores do que os de 30 anos atrás: não há máscaras que nos ajudarão a respirar se formos obrigados a nadar em um mar de lixo!

A responsabilidade é de todo e qualquer ser humano sobre a face desse planeta que, por enquanto, ainda é de terra e água. É aquela velha ladainha recitada por todas as mães do mundo: se cada um fizer a sua parte... Eu tento fazer a minha com os pequenos gestos que consigo incorporar no meu quotidiano. É peso na consciência, eu sei. Como carrego dentro de mim uma prótese de silicone, estou consciente de que eu mesma não sou mais biodegradável, então tento compensar de alguma forma. Mas é evidente que grandes meios de comunicação conseguem atingir muito mais corações e mentes do que uma simples cidadã como eu, receosa de que logo, logo não conseguirá ficar verde nem mesmo de inveja dos seres que habitarem planetas nos quais ainda será possível viver.

Que outros meios de comunicação tenham iniciativas como a dos roteiristas, produtores e diretores de Wall-e. Eles foram bons, mas ainda não foram perfeitos. Por curiosidade, passei numa loja de brinquedos e vi que até eles, quem diria, sucumbiram ao consumismo e lá estavam os brinquedinhos plásticos com os personagens do filme, acondicionados em embalagens plásticas e à disposição das crianças que brincarão com eles pela eternidade de uma semana, até o lançamento do próximo sucesso de bilheteria com seus novos brinquedinhos plásticos, acondicionados em embalagens plásticas, ...

Por favor, sejamos rápidos! O filme traz uma sugestão de, talvez, quem sabe, um possível final feliz, mas se a coisa continuar como está... Não quero ser pessimista mas acho que nem estação espacial vai conseguir navegar no mar de lixo intergaláctico que gravitará pelo universo!


Versão para impressão