O quê? Estou de volta?! Uhuuu!!!
A vontade de continuar o blog sempre foi imensa, desde que ele foi abandonado. E agora não sei se é uma volta mesmo, ou só um último suspiro antes de morrer, mas hoje, fazendo nada pela Internet, revi um vídeo que foi dos mais legais que assisti esse ano e decidi publicar aqui uma crônica que escrevi alguns meses atrás.
No primeiro semestre participei de uma Oficina de Análise e Criação Literária de Crônicas, sob a orientação da Mônica Berger e o resultado foi que escrevi algumas... crônicas! :-) Aos pouquinhos vou soltando os textos por aqui...
O primeiro que decidi compartilhar tem relação com esse vídeo do Youtube.
O vídeo mostra um pedido de casamento e é o exemplo perfeito do que eu acho que NÃO se deve fazer, mas, vejam que contradição, não consigo assistir sem me emocionar às lágrimas a cada vez. É porque ali naquela elaboração toda estão os amigos, a família, de perto e de longe, e eu senti simplicidade e sentimento verdadeiro naquelas pessoas. Sei lá! Gostei e pronto!
Talvez esses exageros de vez em quando façam bem, só não podem se tornar a regra! Por isso divulgo o vídeo, mas ao mesmo tempo o que penso dessas "super produções", especialmente ligadas a pedidos de casamento (imagine o que o cara vai ter de aprontar para as bodas que virão pela frente: papel, plástico, platina, prata, ouro!!!).
Quem quiser ver o vídeo clique aqui.
Meu humilde texto, pra não acabar o ano (e quem sabe o mundo!) sem dizer minhas últimas palavras, vai na sequência.
É longo, claro! Como os textos de blog NÃO devem ser.
Mas não estamos falando em contradições?
Hein?
Há alguns anos fiz um curso
de fonética e aprendi que a onda sonora vibra num contínuo de frequências, da
mais baixa à mais alta, mas o ouvido humano só consegue reconhecer os sons que
vibram numa frequência intermediária. Imaginando um bolo de chocolate recheado
por uma grossa camada de doce de leite é como se a gente não percebesse a massa
nem cima nem embaixo e sentisse o gosto só do recheio.
Quando alguém fica exposto a
sons muito fortes por muito tempo, seja por trabalhar num local barulhento ou
por ouvir música muito alta com fones de ouvido, por exemplo, o cérebro, para
se proteger, começa a ignorar as frequências mais baixas, gerando uma espécie
de surdez para os sons suaves. Isso
quer dizer que, quanto mais tempo exposto a essa situação, mais surda para os
sons baixos a pessoa vai ficando. Não é que o ouvido deixe de ouvir, é o
cérebro que deixa de registrar, o que significa que só sons muito fortes, cada
vez mais fortes, serão reconhecidos, o resto será ignorado. Como o limite
superior não muda, dá pra imaginar um recheio cada vez mais magrinho naquele
bolo.
Tá, e daí? Deve ser a
pergunta que ronda sua cabeça enquanto lê essas bobagens. Daí que eu acho que
estamos vivendo uma época de perigosa surdez
emocional.
Pra que algum acontecimento
nos emocione ele tem que ser cada vez mais espetacular, grandioso, exagerado.
Estamos tão expostos às mudanças vertiginosas de tecnologias e de
possibilidades, estamos tão habituados a ver limites sendo ultrapassados, que
coisas absolutamente impressionantes há pouquíssimo tempo já não nos causam
qualquer sensação. Mas como precisamos muito de sensações e emoções andamos à
caça delas onde estiverem, daí as montanhas russas cada vez mais rápidas e
violentas, os filmes cada vez menos enredo e mais efeitos especiais, os shows
cada vez mais palco e menos artistas e assim por diante, até chegar às drogas
cada vez mais devastadoras e capazes de dependência praticamente instantânea.
Tenho observado muitas
situações de exemplo dessa espécie de anestesia emocional mas, como isso é uma
crônica e não um romance épico em sete volumes, vou me restringir a comentar
somente duas.
Um tempo atrás descobriram
que um apresentador de programa de reportagens policiais em Manaus estava
encomendando assassinatos. Dessa forma, a equipe dele era sempre a primeira a
chegar ao local do crime e pegava imagens do presunto ainda fresquinho.
Por que ele chegou a esse
verdadeiro absurdo inqualificável? Provavelmente porque tinha atingido todos os
níveis possíveis para provocar emoção nos telespectadores que mostravam sinais
de fastio com as reportagens normais,
dos crimes normais que acabaram se
tornando banais. Os números do IBOPE
simplesmente não subiam, ou pior, desciam! Telespectadores infiéis estavam indo
buscar emoção em programas novos, só porque eram novos, talvez.
O segundo exemplo é bem menos
trágico, mas aconteceu comigo. Eu estava assistindo à apresentação de um circo
de ciganos. Em um dado momento uma moça enrolou as pernas em longas tiras de
tecido que pendiam do alto e se soltou parando um pouco antes de chegar ao
chão, sem usar as mãos. Eu sei, todo mundo já viu isso dezenas de vezes na TV
desde que os acrobatas do Cirque du Soleil inventaram esse número há... sei
lá... milênios? Séculos? Não?! Pouco mais de uma década? Poxa, são mais de dez
anos! Uma eternidade! Como muita gente, também sufoquei um bocejo e pensei:
“Ai, de novo isso? Que tédio!”. E foi então que um raio de luz caiu sobre mim e
provocou uma verdadeira epifania:
COMO ASSIM, QUE TÉDIO?!
Uma pessoa se enrola em panos pendurados a metros de altura,
sem nada mais que a segure a não ser os músculos das coxas, larga-se em queda
livre de cabeça para baixo e para a centímetros do chão! Tudo isso diante dos
meus olhos e só o que eu penso é: “Outra vez? Que tédio?” Esse é um exemplo
típico de surdez, cegueira ou anestesia emocional.
Precisamos de mais, sempre mais. O fabuloso já não nos
satisfaz, os limites do fantástico precisam ser constantemente quebrados e a
uma velocidade cada vez maior. Só que a emoção dura cada vez menos porque logo
é substituída por outra ainda mais forte. E nós, com essa música enfiada nas
nossas orelhas, precisamos de estrondos cada vez mais altos. Estamos ficando
surdos para músicas, nem digo suaves, digo mesmo normais, ou que eram normais
até pouquíssimo tempo.
O susto que tive com minha própria anestesia emocional me
levou no dia seguinte a parar alguns minutos para me extasiar com a refeição
matinal que faria, composta de uma xícara de café com leite e uma fatia de pão
com manteiga.
Fiquei perplexa diante daquela verdadeira maravilha das
conquistas! Eu tinha diante de mim séculos de evolução, de descobertas, de uso
da inteligência, de raciocínios lógicos, de tentativas frustradas e de lampejos
geniais que foram se acumulando ao longo do tempo. Foi preciso perceber que a
frutinha do café devia secar, para depois ser torrada, moída, o pó filtrado em
água quente, então adicionado ao leite e, em alguns casos, ainda se coloca um
pouco de açúcar, que vem de um caule, que é espremido para gerar um suco que é
processado a fim de obter aquele pó. Para o pão foi necessário encontrar a
planta do trigo em certa quantidade, ver que aquelas sementinhas tinham de sair
de dentro de um invólucro de palha que pinica, depois tinham de ser moídas para
virar farinha. Foi fundamental ainda compreender que isso devia ser misturado à
água, ao fermento (que descoberta genial!), ao sal (porque alguém observou o
mar e entendeu como recolhê-lo em quantidade) e que a massa precisava do calor
de um forno (fogo já era dominado, nem falemos disso). Para acabar, algum gênio
descobriu que aquele leite que saía das vaquinhas podia ser separado em gordura
e líquido e que essa gordura, batida, se transformava em manteiga.
Café com leite e pão com manteiga! Que coisa mais
extraordinária! Que grande conquista da humanidade, quanto saber acumulado
diante dos meus olhos todas as manhãs e absolutamente ignorado por mim e pelo
meu tédio emocional!
Isso porque nem parei pra pensar no resto: xícara, garfo,
faca, mesa, cadeira, forno de microondas, etc., etc., etc.
Estamos cercados de maravilhas e simplesmente as ignoramos
diariamente numa busca ansiosa pelo novo, pelo estupendo, pelo sensacional, pelo
nunca antes visto. Só que o nunca antes visto pode estar na frente, ao redor,
em cima e embaixo de nós mesmos o tempo todo. O que não temos mais é cérebro
para ver, nem para reconhecer isso. Estamos ficando surdos e cegos, morreremos
de fome emocional diante de um banquete para centenas de talheres posto bem na
frente dos nossos narizes e olhos insensíveis.
Como tudo, há o lado bom e o lado ruim disso. Ser eternamente
insatisfeito e incompleto foi o que trouxe a humanidade até aqui. É preciso
continuar assim, querendo mais. Só que, diante de algumas situações que tenho observado,
acho que estamos precisando dar uma paradinha nessa ciranda pra contemplar um
pouco, ou novamente, aquilo que já temos,
para saborear vagarosamente as emoções, dando o tempo necessário para que nosso
cérebro as registre. O sinal de alerta deve ser o primeiro bocejo diante de algo
que deveria nos causar um sentimento qualquer e que já não causa mais.
Deixar de cuidar disso pode nos levar a um estado de
ausência de sentidos: cegos, surdos, sem condições de sentir o gosto, o cheiro
ou o toque das emoções que nos rondam sem cessar. As espetaculares são
importantes. Demais! Vamos reservá-las para ocasiões especiais e raras, como
antes tínhamos a roupa de domingo.
Eu não sei você, mas adoro doce de leite e quero que o
recheio do meu bolo seja sempre o mais espesso possível! Uma festa para os
olhos, o nariz, o toque, a boca e os ouvidos: Hummmmmmmmm!