quarta-feira, 25 de junho de 2008

Dona Benta que se cuide

Fim de semestre é dose! Ainda mais para estudantes tardias como eu. Há duas semanas estou envolvida com trabalhos e provas. Além dos médicos, como disse no último post. Sem tempo pra nada muito menos para escrever.

Mas sinto que o cozido está quase no ponto e que há cheiro de férias no ar! E férias combinam com fazer o que se gosta, que no meu caso é muita coisa, entre elas, cozinhar. Ontem mesmo consegui levar ao fogo uma sessão Recordar é viver e fiz uma Tartiflette que ficou pra lá de boa!

Ainda continuo sem tempo para escrever, infelizmente. Os períodos em sala de espera dos médicos são usados agora para fazer trabalhos da faculdade. Fazer o que?

Segue uma segunda sessão Recordar é viver com texto do blog antigo no qual conto minhas aventuras na cozinha. Lá se vão quase quatro anos! Como o tempo passa... E meus talentos culinários, apesar do pouco tempo para praticar, continuam intactos. Minha Tartiflette de ontem não me deixa mentir!

Então, aí vai uma história requentada enquanto não consigo fazer sair do forno uma novinha e quentinha.

Bon appétit!

========

Eu sempre gostei da idéia de cozinhar. Digo que eu sempre gostei da idéia porque não conseguia fazer isso muitas vezes. Vivia comprando livros de receitas para os acepipes que, um dia, eu faria. Pois bem, esse dia chegou e tive de deixar todos os meus livros de receitas no Brasil! Levei um Dona Benta básico, um da Ofélia para os momentos de desespero, mais uma ou outra coisinha e só! Desembarquei na França, terra dos chefs de cuisine, e me vi diante de panelas vazias e estômagos, idem.

Já no primeiro dia preparei uma refeição e até tirei foto pra registrar o momento solene:



Essa cara de felicidade dos dois foi ANTES de comer. Na verdade, aquela comida era horrível (prato pronto de supermercado, dá nisso), o suco era intragável e a salada... Bem, a salada fui eu quem fez desde o começo. Não sei se foi o cansaço, a pressa ou só a minha falta de jeito mesmo, mas na verdade eu acabei colocando detergente de louça na hora de temperar a alface. A cor era a mesma! Claro que percebi a tempo e enxagüei bastante. Tenho certeza de que nunca comemos salada tão limpinha.

Nos dias seguintes fui melhorando as coisas. Comecei a me aventurar em alguns pratos, mas a cozinha do flat não ajudava muito. Tinha poucas panelas, o fogão só tinha duas bocas, o forninho elétrico era minúsculo... Tá! Tá! E eu era totalmente sem jeito! Tenho de confessar.

Sobrevivemos e nos mudamos para um apartamento. Acabaram as minhas desculpas: eu tinha espaço e panelas. Inclusive uma panela de pressão imensa, que eu chamava de caldeirão.

Uma das primeiras coisas que fizemos no novo apê foi instalar TV por satélite por causa dos canais infantis. Minha surpresa foi descobrir, entre os vários canais à disposição, um canal chamado Cuisine TV. Só culinária, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Receitas, dicas, filmes, técnicas, um monte de coisas. Assistia sempre que podia. Fiz cadastro no site e, pouco a pouco, criei coragem para tentar algumas receitas.

Fui me empolgando, já estava quase me achando o máximo. Então minha mãe foi para lá me ajudar no fim da gravidez. Descobri que meu caminho era longo ainda.

Eu até estava cozinhando direitinho. Mas eram só pratos meio diferentes, tudo com receita, em poucas palavras: coisa de principiante. Aquilo de pegar um frango à unha, preparar uma carne de panela, um bom ensopado, isso eu não fazia. Encarei o problema de frente. Aproveitei a visita materna e pedi para que ela escrevesse umas receitinhas básicas. Só o que fosse mais complicado como um arroz temperado, uma carne assada. Ninguém nasce sabendo!

Logo que ela foi embora empunhei a colher de pau, abri a geladeira e vi um repolho pela metade. Decidi que aquele repolho ia marcar o início de uma nova era: faria um cozido! Coisa de cozinheira. Daquelas de lenço na cabeça, avental e chinelo de pano. Uma verdadeira tia Anastácia!

Procurei receita de algum prato com repolho e achei: Potée au chou (algo como cozido de repolho). Perfeito. Meu primeiro problema foi com os ingredientes. Olhei a lista e vi que ia precisar de: carotte, navet, poireau, une botte de céleri entre outras coisas. Tirando a carotte que eu sabia que era cenoura, quanto ao resto, fiquei boiando como folhas de couve numa sopa. Para isso servem os dicionários. Minha lista era composta de, em bom português, cenoura, nabo, alho-poró e um ramo de aipo. Melhorou, não? Só se foi pra vocês porque eu fiquei mais ou menos na mesma! Nunca tinha visto aquelas coisas pela frente (com exceção das cenouras, é claro). Fui ao supermercado mesmo assim. Felizmente eles têm a bondade de colocar o nome das coisas nas gôndolas. Às vezes colocam até a foto do lado. Acho que não sou a única perdida.

Para minha felicidade, cada coisa daquelas da lista estava também na parte de frutas e verduras do mercado com seu nomezinho marcado embaixo. Só não consegui achar os nabos. Fiquei tentando imaginar como seriam nabos. Tenho de confessar: coisas obscenas passaram pela minha cabeça... Achei que o melhor era pedir informações. Tinha uma mocinha arrumando umas bolotas brancas. Cheguei perto dela e falei:

- Por favor, você poderia me dizer se tem nabos hoje? Eu não consegui encontrar.

Ela olhou pra mim com uma cara de não entendi e colocou uma bolota daquelas que estava arrumando na minha mão. Tudo bem, acontece. Dei uma risadinha sem graça, peguei os ditos cujos e me mandei pra casa.

Descasquei tudo, cortei, preparei a cebola espetada com cravos, lavei o ramo de aipo, piquei tudo direitinho, coloquei no meu caldeirão e mandei ver. Ficou tão bom que repeti a dose. De novo um tremendo sucesso! Só teve um probleminha com o ramo de aipo na primeira vez que corrigi na segunda.

O aipo tem uma haste bem grossa e comprida com várias folhas parecidas com uma salsinha gigante na ponta. O negócio é grande mesmo. Uns 40 ou 50 cm de comprimento. Desses, mais da metade é caule, o resto são ramos de folhas. Na segunda vez que fiz o cozido, fiquei pensando que era um pecado jogar aqueles caules fora. Cortei uma parte deles e pus na panela. Ficou bom também. Daí comecei a prestar atenção aos programas da Cuisine TV que faziam receitas com aipo e percebi que tinha me enganado da primeira vez. O que se cozinha são os caules, não as folhas. Basicamente, o que eu fiz foi o seguinte: coloquei no cozido o que era pra jogar fora e joguei fora o que era pra colocar no cozido! Ficou bom mesmo assim, isso é o que importa.

Tive alguns maus momentos, é verdade. Uma vez fiz um pão com peito de frango e estragão. E aquele estragão... estragou tudo! Tinha um erro na receita. Em vez de 5g da erva, estava escrito 50g. Comprei um pacotinho de estragão fresco e vi que o peso era de 11g. Coloquei tudo. Foi mais do que o dobro da dose necessária. Ficou meio forte. Ainda bem que não comprei 5 pacotinhos de estragão! Aí sim teria estragado de vez!

Além disso, tinha o arroz. Ah, o arroz... Esse calo na minha vida.

Os meus problemas com o arroz eram os seguintes: ou eu deixava queimar, ou ficava uma papa, ou ficava sem sal, ou tudo isso ao mesmo tempo! Além do que, lavar panela de arroz é uma coisa abominável!

Uma vez foi um casal jantar em casa e fiz Feijão Mexicano, cujo acompanhamento é arroz. Cozinhei uma medida e achei que era pouco. Fiz mais. Quando o Vidal chegou, mostrei a panela e perguntei o que ele achava. Ele nem precisou falar nada pra que eu entendesse tudo. Já meio desesperada, disse que tinha outra panela no forno que talvez pudesse salvar a situação. Mas, quando levantei a tampa, me dei conta da calamidade. Como não tinha colocado Shoyu na água de cozimento do arroz, aquela cor de caramelo só podia significar que ele tinha passado da conta na hora de fritar! Pensei em colocar uma luz meio indireta na sala, por exemplo, apagar tudo e deixar só a televisão ligada para criar um clima de mais intimidade assim não daria pra enxergar direito. Mas desisti. Como muitas vezes a melhor defesa é o ataque já de cara fui admitindo para os nossos amigos que eu sabia fazer um monte de coisas na cozinha, menos arroz, que ele era ruim mesmo e pronto!

Fiquei indignada. Quem já fazia Clafoutis au Brocolis, Tartiflette, Tourte aux Épinards além de um magnífico Potée au Chou, não poderia se deixar vencer por um mísero arroz, não?

Resolvi enfrentar a fera, mas as primeiras tentativas foram catastróficas. Arroz soltinho era aquele em que os grãos caíam de cinco em cinco da colher. Tudo bem que ele não se soltava com facilidade, mas saía da panela! Branco! Não me deixei abalar. Lembrei que, entre os poucos livros de receita que levei, tinha uma revista ótima que falava alguma coisa de arroz. Estava na capa: Iniciantes - Receitas básicas e superfáceis, do arroz ao cafezinho. Fiquei meio deprimida... Eu, que já tinha feito um Hachis Parmentier (Madalena, para os íntimos), era reduzida ao nível iniciante. E pior! A escala iniciante ia DO arroz AO cafezinho, o que quer dizer que eu estava no nível mais baixo que se pode atingir! Respirei fundo, peguei a revista e fui para a cozinha. Segui à risca tudo o que dizia lá. Tim tim por tim tim. Tudo medido. Duas colheres de sopa de óleo. Uma colher de sobremesa de cebola picada. Fritar dois minutos. Liga o fogão e olha para o relógio. Contei os segundos! Fiz exatamente o que dizia lá e... deu certo!

Fiquei contente. Ainda umas duas vezes peguei a revista para seguir a receita na hora de fazer o arroz. Ganhei confiança tentei vôos mais altos. O tombo só foi maior. Voltei às panelas grudadas e aos grãos colentos. Tudo bem, uma vez desconfiei daqueles caracteres estranhos na embalagem e concluí o óbvio: japonês come arroz de palitinho! Não dá pra ficar soltinho mesmo. Arroz de japonês SEMPRE vai ficar papento. Mas nem mudando de arroz. Nada dava certo definitivamente.

Pensam que eu desisti?! Claro que não!

Encontrei o Orkut, me inscrevi em duas comunidades de culinária e descobri, feliz, que eu não era a única! Tinha mais gente com o mesmo problema. Uma menina pedia ao grupo que a ajudasse explicando como fazer para o arroz ficar soltinho. Li todos os conselhos, tentei e funcionou. E o melhor: nunca mais errei! Ufa! Economizei uns cinco anos de terapia com o Orkut. Santa Internet!

Aí me empolguei de vez. Comecei a testar temperos. Meu êxtase foi usar alecrim num frango assado. Fazer frango assado para mim já era uma aventura. E, ainda por cima, com alecrim e sem livro de receita! Em outra ocasião fiz carne de porco de panela, com legumes cozidos! É ou não é comida de mãe de verdade?

Mas nada, nada mesmo, me deu tanto prazer quanto fazer um mexidinho. Para quem não sabe, o mexidinho é uma receita de família. Sua origem se perde nas cozinhas das fazendas no interior de Minas Gerais. Um mexidinho é sempre uma surpresa. Uma boa surpresa. Eu tinha esquecido da existência dele até que minha mãe fez e o Vidal se apaixonou... Pelo mexidinho, não pela minha mãe!

Logo que ela foi embora, me arrisquei e fiz meu primeiro mexidinho... Não dá pra descrever o que senti naquele dia. Eu e o Felipe sentados ali na cozinha, um silêncio solene no ar e nossos mexidinhos fumegantes no prato. Senti a presença da minha mãe na cozinha. Não só dela, mas também das minhas tias, da minha avó e de tantas outras mulheres dessa família que também já fizeram seus mexidinhos. Todas sobre o meu ombro, esperando pela primeira garfada e pelo hummmmm de aprovação. Ainda bem que espíritos não ocupam espaço. Não ia caber tanta gente na minha cozinha. Fiquei pensando no dia em que eu mesma vou passar essa tradição para a Ana Luíza.

Se um cozinheiro francês visse um mexidinho teria uma reação forte. Proporcional à quantidade de estrelas que ele possui no guia Michelin. Quanto mais estrelas, mais forte a reação. Uma estrela: síncope. Duas estrelas: síncope seguida de uma parada respiratória. Três estrelas: infarte fulminante!

A aparência de um mexidinho é qualquer coisa de estranho. O mexidinho é feito com todas as sobrinhas que existem na geladeira. Por isso é sempre uma surpresa. Mas, o sabor... Ah, o sabor! Nem uma constelação inteira no guia Michelin poderia classificar um mexidinho.

Uma vez tentei inovar: estava animada com os temperos e coloquei tomilho no mexidinho. Ficou péssimo, é claro! Como o próprio nome diz, um mexidinho só pede coisas no diminutivo: salsinha, cebolinha, feijãozinho, carninha e, até mesmo, abobrinha (que é uma coisa que eu deploro). Tomilho é demais! Imponente demais, esnobe demais. Claro que não podia dar certo.

O mexidinho só tem vantagens. É bom, acaba com todos os restinhos da geladeira e é milagroso. A gente olha para a quantidade de arroz, feijão, carne e tem certeza de que não é suficiente para uma refeição. Mas quando faz um mexidinho aquilo se multiplica! Todo mundo sai satisfeito.

Não! Não posso falar mais. O mexidinho é um segredo de família, transmitido de mãe para filha, de geração em geração. Não pode ser revelado. Nem sob tortura! Já estou até vendo a cena...

Uma casa simples, no meio de um bosque. Na verdade, a casa da bruxa do Joãozinho e Maria. Aquela feita de chocolates, balas, bolachas. Eu, amarrada numa cadeira no meio da sala, há cinco dias sem comer. E a bruxa na minha frente:

- Fale!

- Não!

- Diga: como se faz um mexidinho?

- Não falo! Você pode fazer o que quiser comigo, mas eu não conto!

Ela passa uma picanha no espeto bem perto do meu nariz. Eu começo a me afogar com a saliva. Ela puxa minha cabeça para trás:

- Conte!

- Não conto!!!

Ela apela: pega um prato de paçoquinhas. Meus olhos lacrimejam, eu começo a respirar pela boca para não sentir o cheiro.

- Não resista! Vai ser pior para você! Como se faz um mexidinho!!!

- Não digo!

Aí ela abre uma garrafa... Tchiiiiii... E enche um copo de Guaraná Antarctica bem na minha frente...

- Tá bom! Tá bom! Eu conto tudo!!!

Quanta bobagem...

Mas é verdade. Nem adianta encher minha caixa postal com pedidos de como se faz o mexidinho. Não posso cometer essa traição. Aliás, agora que já confirmei meus talentos culinários, preciso queimar aquela receita de mexidinho que pedi para minha mãe escrever quando ela me visitou e... Ei! Espere aí! NÃO! Tem alguém aqui roubando minha receita!!! Devolve já!

Vou ter de resolver isso! Um outro dia eu volto!

(publicado originalmente em www.familiamartins.blogspot.com em 27/10/2004)

Versão para impressão

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quem espera sempre cansa!

Estou pensando seriamente em fazer uma modificação na minha vida. Vou alugar uma sala comercial e instalar um espaço para que os médicos venham me ver, e não o contrário! Se eu for fazer uma conta de quantas horas por semana estou envolvida em consultas, exames, liberação de guias do plano de saúde, ou então pendurada no telefone tentando conciliar os horários de tudo isso, vou acabar reclamando salário em algum Ministério por aí. Será que já existe o Sindicato dos (Im)Pacientes? Deveria!

Claro que não vou nem mencionar o tempo gasto em deslocamentos de um consultório para outro, de uma clínica para outra, senão vou achar que teria direito também a, no mínimo, vale-transporte.

Mas o que não dá pra ignorar é o tempo que aguardo nas salas, cujo nome não poderia ser mais adequado, de espera! Aliás, é de um desses ambientes que escrevo nesse momento. Considerando que, só hoje, ainda tenho mais dois encontros médicos, acho que vai dar pra escrever umas dez páginas, no mínimo! (Esqueci de acrescentar que não são só os cuidados comigo mesma que me levam aos consultórios e laboratórios, mas também o envolvimento com meus pimpolhos que, no outono, caem de cama na mesma proporção e velocidade com que caem as folhas das árvores!) Se eu não acabar esse texto hoje, deixem-me ver, só nessa semana ainda tenho mais um exame e uma consulta... Tempo de sobra!

É verdade que essas horas da minha vida gastas só esperando para ser atendida já me permitiram fazer uma série de coisas interessantes: li romances inteiros, escutei muitos CDs, pensei na vida, bisbilhotei a conversa alheia, participei de conversas várias e já até dei piti!

Uma vez fui acordada cedíssimo pelo som estridente do telefone. Era da clínica onde eu devia fazer uma ecografia naquele dia. Eles diziam que o médico tinha um compromisso urgente e que não poderia fazer meu exame no horário marcado a não ser que eu me encaminhasse imediatamente para lá. Pulei da cama mais do que depressa, mal tive tempo de limpar as remelas dos olhos, e saí em desabalada carreira para a tal clínica. 5 revistas Caras e três horas e meia depois, o médico já estava mais de 40 minutos atrasado em relação ao horário original em que eu deveria ter sido atendida! Foi nesse momento que outorguei a mim mesma o direito de me debulhar em lágrimas histéricas de raiva, sono, fome e indignação, já que abandonar a clínica estava fora de cogitação: eu não tinha outra alternativa a não ser fazer aquele exame, naquele dia, com aquele médico, o único que tinha aceitado me encaixar.

Aliás, morro cardíaca de inveja dos médicos, verdadeiros especialistas em Física capazes de realizar o milagre da multiplicação das horas. A quantidade de páginas do livro que levarei para a sala de espera de um consultório vai depender do que me disser a telefonista. A simples menção à palavra encaixe já me faz pensar em algo como Ilíada e Odisséia. Juntas!

O engraçado é que, mesmo tendo sempre um livro (ou dois) na bolsa, raramente resisto à pilha de revistas Caras das salas de espera dos consultórios. O que seria da revista Caras sem médicos, dentistas e afins? É verdade que na maioria das vezes vou saber quem saiu em qual trio elétrico no carnaval da Bahia enquanto o hit do momento é alguma coisa como Cai, cai balão! Cai, cai balão! Aqui na minha mão, para desespero dos bombeiros. Descubro quem casou, quem fez plástica, quem teve filho no momento em que o casal provavelmente já está separado, a plástica já está vencida e o filho quase a ponto de sair num trio elétrico no carnaval da Bahia, mas tudo bem! Qualquer coisa que me mantenha num estado de semi-catatonia serve para preencher as intermináveis horas passadas nas salas de espera. Ler coisas que façam pensar é até perigoso! Se desenvolvo meu raciocínio lógico-matemático, posso acabar fazendo (de cabeça!) uma continha simples: 45 minutos (ou mais) de espera para, às vezes, 5 minutos (ou menos) de atendimento. Dá quase uma hora. Justifica o valor da consulta, não?

Claro que, felizmente, a menor parte dos médicos que consulto é assim. Aliás, nos últimos anos foram tantos os discípulos de Hipócrates, daqui e d’além-mar, em cujas salas de espera descansei meus glúteos, que desenvolvi uma espécie de anamnese particular para avaliar o comportamento do profissional candidato a figurar na junta médica da minha vida. Quanto maior o tempo que tenho para decorar as feições e os trejeitos da secretária, menor a chance de voltar. E o tempo da consulta também conta. Não exatamente o tempo, mas a qualidade do que é discutido, evidentemente. Tem coisas que se resolvem em cinco minutos, não sou carente a ponto de esperar que o médico permaneça meia hora ouvindo minhas lamúrias. Mas, acho que vocês vão concordar comigo, desisti de um médico quando, na quarta consulta com menos de cindo minutos de duração, vi que o doutor à minha frente tinha se confundido completamente! Eu tinha emagrecido 3Kg desde nosso último encontro e ele estava registrando no seu computador que eu tinha engordado 3Kg! Isso, por si só, já seria motivo mais do que suficiente para um processo por erro médico, calúnia e difamação. Mas a gota de formol que fez transbordar meu tubo de ensaio foi que, quando olhei para a tela do computador para verificar porque ele tinha cometido engano tão cruel, vi que ele estava conversando no MSN! Tenho certeza de que paciente em estado terminal não bate papo pelo computador. Achei que nada justificava aquele verdadeiro absurdo! Até penso que fui muito legal. Tudo o que fiz foi nunca mais beber uma única gota sequer do chá de cadeira daquela sala de espera!

Hoje, felizmente, só tenho contato com médicos absolutamente responsáveis e atenciosos durante as consultas, o que não quer dizer pouca espera, infelizmente. Paraíso na terra não existe, todo mundo sabe disso!

E, tirando o dia em que rodei a baiana naquela clínica de ecografia, não tenho nenhuma passagem mais tragicômica para contar. Mas soube por um médico, cujo nome não revelarei nem sob ameaça de bisturi, que uma vez um de seus paciente pediu uma pizza enquanto esperava para ser atendido. No maior bom humor! Foi aí que esse médico começou a rever seus conceitos, assim como a também a organização de sua agenda, e hoje, vejam que progresso, esperei só uma hora para ser chamada!

Depois de saber desse divertido episódio da pizza, pus a cabeça para funcionar e fiquei imaginando quantas possibilidades de negócio estão sendo perdidas! Para começar, daria para fazer uma espécie de banca de revistas ou livraria na sala de espera. Quem sabe um cybercafé com confeitaria. Endocrinologistas poderiam ter só produtos diet, por exemplo. No mínimo, daria pra ter um ou mais vendedores ambulantes que anunciariam: Olha o suco de tomate! Licopeno para a sua próstata, Chefia! Vai um suco de cenoranja aí, Madame? Combate os radicais livres, hein! Tá barato, tá gostoso, e ainda por cima não te deixa ficar canceroso! Vamo aproveitá freguesia!

E meus planos são ainda mais ousados. Vou abrir imediatamente uma empresa de prestação de serviços. Ela vai se chamar Wait is fun!, nomes em inglês ficam mais chiques e dão um ar internacional para a coisa. Essa empresa vai contar com uma série de profissionais que se encarregarão de tomar conta das salas de espera que existem por aí. As possibilidades são infinitas. Vão desde um músico que fique tocando violão ou violino para deleite dos agora não mais impacientes, até coisas mais inusitadas como aulas de artesanato, por exemplo.

Pensando bem, acho que a escolha do profissional deveria ser mais direcionada à especialidade clínica em questão. A cada médico, um tipo de entretenimento. Por exemplo, aulas de dança do ventre nos consultórios ginecológicos. Show de mágica nos consultórios dos oncologistas. Para os pediatras é fácil: equilibristas, malabaristas, contorcionistas e palhaços (as mães, principalmente de gêmeos, dariam aulas para os contorcionistas se fosse o caso). Salas de espera de nutricionistas e endocrinologistas teriam cursos de culinária em ritmo de fast food. Nas salas de espera dos proctologistas... Tá, nem tudo é tão simples assim, reconheço! Mas nos consultórios dos geriatras poderia rolar um divertido bingo. Os prêmios seriam fraldas geriátricas ou tubinhos de Corega. E, para quem fechasse a cartela, o grande prêmio: um ano de consultas realizadas no horário marcado! Um verdadeiro sonho!

Uma outra idéia seria transformar a sala de espera em sala de cinema. Com programação diária divulgada na porta. Mas confesso que, por melhor que fosse o médico, eu desistiria caso chegasse à clínica e lesse na porta: Hoje, em cartaz, trilogia completa em versão estendida e sem cortes do Senhor dos Anéis. Não dá! Mesmo que ficar sem tratamento possa significar a morte, a gente tem mais o que fazer na vida!

PS.: depois de uma hora na sala de espera, aguardei mais 20 minutos dentro do consultório. Consegui até terminar o texto. O que vou fazer nas próximas consultas do dia? Céus!

Versão para impressão