terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Navegar é preciso. Desistir, também...

Vocês sabem, eu sou um plâncton. Isso significa que não brigo contra a corrente da vida. Deixo a onda me levar, como já tive a oportunidade de dizer. E sou orgulhosa da minha capacidade de adaptação de plâncton-camaleão. A corrente me leva pra lá e pra cá e eu sempre encontro alguma coisa muito legal pra fazer nas novas paragens.

Portanto, como tenho muitos interesses na vida, se tem um mal do qual nunca sofri e jamais sofrerei é tédio. Aprender qualquer coisa nova me interessa, desafios me interessam, oportunidades me interessan. E, em tudo que faço, vou ao fundo, quero descobrir como fazer melhor, quero fazer o meu melhor.

Isso é bom, não é?

Nem tanto.

Há alguns anos, conversando com minha amiga Sheila cujos dias têm 72 horas (foi a conclusão à qual cheguei para explicar como ela consegue dar conta de tudo o que faz), ouvi dela uma frase que me marcou: "É muito difícil dizer não para o que a gente gosta de fazer".

Esse ano eu senti na carne a verdade e a dureza dessa frase. Não só fui obrigada a dizer não pra uma série de oportunidades na vida, como fui também obrigada a conjugar repetidas vezes o verbo desistir, sempre na primeira pessoa do singular. E como desistir dói...

Por muito tempo, praticamente só disse não a mim mesma. Até que comecei a dizer sim, como contei por aqui o ano passado. Passei de um extremo a outro e saí dizendo sim pra tudo o que me dava prazer. Liberei um dique de desejos represados por tanto tempo. Vivi eufórica a permissão que eu mesma me dei pra fazer tudo de que eu gostasse. Aí descobri que tudo é palavra inimiga de outra, muito importante, chamada equilíbrio. Foi então que os verbos optar, decidir e desistir se impuseram a mim.

Os últimos meses foram repletos de desistências da minha parte. Desisti de tocar adiante os projetos de patchwork que tinha com minhas amigas e cúmplices Giuse e Denise. Desisti de fazer o exame de seleção para o doutorado cujos preparativos eu vinha fazendo há dois anos. Desisti de participar de ativamente de algumas comunidades virtuais onde encontrei amigas-irmãs. Desisti de acompanhar blogs de amigos de perto e de longe. Desisti de manter, mesmo que minimamente, minha personalidade virtual de Orkut, Flickr, Twitter, Facebook e afins, personalidade esta que está em total crise psico-cibernética. Por fim, desisti de atualizar este blog.

Essas foram as grandes desistências, aquelas que aconteceram somente nos últimos dois meses. Houve centenas, milhares de outras desistências. Algumas maiores, das quais não quero falar em público, e outras menores, pelas quais o público não teria interesse algum.

A cada uma delas senti dor, experimentei uma desconfortável sensação de fracasso.

Concluí que fui à falência. Quebrei. Fui à bancarrota. Não posso pagar o preço pelos meus desejos, porque eles me exigem tempo, e tempo é artigo de altíssimo luxo. É o bem mais precioso que tenho, ou melhor, que não tenho.

Pode parecer que o momento é de total abatimento e melancolia. Em parte, até é mesmo. Mas, depois da sensação bastante incômoda de falha, de limitação, vem, às vezes, alguma realização e uma certa serenidade. Vem a concretização de algumas poucas coisas às quais me dedico agora e a certeza de conseguir chegar ao fim delas.

Pode parecer estranho, mas ter muitas habilidades é tão paralisante quanto não ter habilidade alguma. A imagem que formei pra mim mesma é a de uma pessoa cheia de sorte que ganhou da vida uma porção de aneis maravilhosos, joias lindíssimas. Um monte de aneis para somente um ou dois dedos. Simplesmente não dá pra usar todos os aneis ao mesmo tempo, então, por mais maravilhosos que eles sejam, ficarão guardados em caixinhas, esperando pelo dia em que poderão receber a atenção que merecem. Aí, sai o anel de diamantes e entra o de rubis. Os dois juntos não podem ser usados.

Portanto, desisti de muitas coisas, entre elas, de escrever.

Não é uma desistência definitiva. Pouquíssimas coisas nessa vida são definitivas. Só desisti da tentativa de escrever tanto quanto gostaria, com a frequência que desejaria. Manterei meus textos, só que poderão ser, talvez, bissextos. Ou não. O que deixei pra trás foi somente a imposição de regularidade que eu mesma me fazia.

Largo completamente as últimas cordinhas com as quais eu tentava manipular, ainda que debilmente, meu destino, para me encontrar plâncton de vez. E, continuando na linha dessa minha filosofia de vida, apresento mais uma música, trilha sonora dos plânctons pelo mundo. A primeira é aquela óbvia, do Zeca Pagodinho, que diz Deixa a vida me levar... A segunda vem na voz de Lulu Santos:

Tudo azul
Todo mundo nu
No Brasil
Sol de norte a sul
Tudo bem
Tudo zen
Meu bem
Tudo sem
Força e direção
Nós somos muitos
Não somos fracos
Somos sozinhos nesta multidão
Nós somos só um coração
Sangrando pelo sonho
De viver
Tenho arregimentado novos plânctons por aí pra me fazer companhia e já somos muitos! E tem mais: plânctons de ontem e de hoje, de todos os credos e artes, descobri que há outros que já cantavam o estilo plâncton de ser há muito tempo. Encontrei até mesmo um poeta porta-voz, chamado Carlos Pena Filho, que escreveu o seguinte poema, cujo título é A solidão e sua porta:

Quando mais nada resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha)

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha

A arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório
Esse aí foi um plâncton meio tristinho, tenho de reconhecer. Mas esse poema é simplesmente maravilhoso!

Nesse momento, desisto mais uma vez. Desisto de lutar contra o sono que fecha meus olhos. Que eu tenha uma boa noite e que meus sonhos me levem a mares nunca dantes navegados.

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Hiromi, minha amiga, esse post foi pra você. Bem grandão! :-)