segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A magia de vez em quando reaparece

Não, quase não escrevo mais...
Acho que um dia voltarei a escrever, mas por enquanto, não dá.

Então, vivo um pouco minhas criatividades do passado, as muitas coisas que fiz num período em que fiz muita coisa mesmo! O período em que esse blog nasceu e foi engordando, até chegar a essa dieta que o mantém vivo só por estar ligado aos aparelhos. É que a esperança de que ele um dia volte a viver ainda não morreu, essa danada, que resiste, resiste, resiste! Então, tá. Que ela fique aí resistindo...

Enquanto isso, como disse, aproveito as produções do passado.

Esses dias, passeando pelo blog da minha amiga Patrícia li um post em que ela falava de um outro blog, chamado Banana Craft que publica de tempos em tempos festas de aniversário como antigamente, isto é, quando a gente fazia tudinho e não alugava simplesmente um buffet ou coisa parecida.

Nada contra os buffets! Já usei várias vezes e usarei outras tantas, é uma das coisas mais práticas que já inventaram, aliás, faz parte da minha lista de grandes inventos da humanidade! Mas fazer decoração de festa infantil é uma coisa que eu adoro, já tive até sonhos de ter um negócio assim, então, quando dá, eu mesma faço a decoração das festas das crianças.

Em 2008 foi a vez da Ana Luíza, como já tive a oportunidade de contar por aqui.

Como a proposta do blog Banana Craft é falar de festas handmade decidi mandar minha história, e não é que gostaram dela?

Então esta aí, mais uma das minhas artes de um passado recente.

Enquanto não volta meu tempo pras palavras, nem pras tesouras, nem pros pinceis, vou relembrando o tempo em que eles estiveram tão presentes que me permitiram criar tanta coisa legal. Um dia eles voltam, sei disso!

segunda-feira, 5 de julho de 2010

RRRRRRRRRRR!!!

Cuidado! Tem um bicho muito feio rosnando aí em frente e é bom que a gente faça alguma coisa para acalmá-lo senão a coisa vai ficar feia pro nosso lado! Não é de hoje que o assunto me preocupa. Muito! E, para acalmar os ânimos da criatura, basta que a gente se inspire no seu próprio rosnado e povoe a cabeça com dezenas de Rs a cada dia. É preciso Reciclar, Reutilizar, Reinventar, Revitalizar, Reduzir e tudo o mais que comece com R e que possa Recuperar o mundo em que vivemos.

Se a gente se concentrar nesses Rs, pode ser que não seja roído pelo monstro assustador, que foi criado por nós mesmos, é preciso reconhecer.

Assim, que venham os Revolucionários, que mudarão a maneira de produzir para acabar com as agressões ao meio ambiente. Que pululem os Racionais, que repensarão sua maneira de consumir, evitando excesso desnecessários. Que entrem em cena os Resistentes, que encontrarão formas de reduzir a quantidade absurda de embalagens de todos os tipos que nos sufoca. O homem, como ser espertinho que é, saberá dar conta do recado, tenho certeza disso. Alguém que foi capaz de atingir conquistas tão espetaculares, saberá encontrar o rumo para arranjar a rebuliço que algumas dessas conquistas acarretaram.

Inspirados na própria natureza, nós, humanos, encontraremos o caminho para sair da enrascada em que já estamos e, de quebra, nos resguardarmos daquela que se anuncia para breve.

Tem os que agirão em grande escala, como um terremoto, que abalará as estruturas e que causará grandes e repentinas mudanças. Tem aqueles que agirão em área mais restrita, embora não com menos força, como uma longa temporada de chuvas e raios que mudará forçosamente o terreno pelas destruições de velhos padrões, pela chamada à consciência, por mostrar continuamente novos caminhos para antigos hábitos. E tem aqueles que agirão como formiguinhas, em atitudes minúsculas, às vezes risíveis, mas que, no conjunto, levarão a grandes resultados.

É assim que governos determinarão leis, empresas criarão conceitos, pessoas agirão silenciosamente. No final, todos reunidos, na medida de suas forças e possibilidades, evitarão a catástrofe há muito anunciada da morte do nosso planeta, e da gente junto, de carona nesse melancólico fim.

Eu pertenço humildemente ao grupo das formiguinhas. E fico ali, com meu tamanho ínfimo, apoiando instituições que acredito que podem fazer mais do que eu. Além disso, faço o que posso no miudinho, evitando sacolas plásticas, procurando maneiras diferentes de embalar presentes, deixando de lado, sempre que possível, tudo o que é descartável, mandando arrumar equipamentos no lugar de comprar novos e encontrando maneiras de reciclar e reutilizar mateiriais.

Foi por isso que aderi ao projeto da Ecochoice, uma loja virtual que promove e vende itens em cuja fabricação haja preocupação com o meio ambiente, seja lá em que sentido for (reciclagem, produção sutentável e tantas outras iniciativas).

Tem umas coisinhas que eu fiz à venda por lá, embora vender coisas não seja meu objetivo. Sou tão boa vendedora que seria incapaz de vender água no deserto! Mas estou com um sério problema...

Desde o ano passado comecei a pintar as latas de produtos que eu uso e que iriam para o lixo. Fiz isso para evitar mais detritos nos aterros sanitários, para reduzir a compra de objetos para minha própria casa (porta lápis, porta escova de dentes, porta óleo de cozinha, porta tesouras e tantos outros materiais) e também para dar de presente à família e aos amigos evitando, assim, comprar mais presentes xing-ling, os quais vêm embalados em vários plásticos e papeis que acabarão no lixo, sem contar o papel de presente, lacinhos, etc. e tal.

Depois de um ano, o drama: as latas vazias continuaram dando cria, já distribuí latinhas decoradas pela casa toda, já presenteei todo mundo, acho que tem muito pouca gente que ficou sem ganhar latinhas no ano que passou! E mais latinhas saem do meu cafofo, e vão ocupando espaço em casa. Eu não podia, por motivos óbvios, mandá-las para o lixo (modéstia à parte, elas são bem simpáticas). Além das latinhas, faço descansos de mesa com tampinhas de garrafa, pinto caixotes de frutas pra guardar livros, faço guirlandas com restos de tecido, só que essas coisas ainda não estão entulhando a minha casa. Por enquanto, a invasão de gremlins é só das latas mesmo...

Então, anuncio aqui que de tempos em tempos oferecerei peças customizadas por mim na Ecochoice! Eu fiz uma escolha que é a mesma dos criadores da loja. Uma escolha pela continuidade da vida nesse planeta o mais próximo possível de como encontramos a natureza quando chegamos por aqui.

E você? Qual é a sua escolha?

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Dá uma lambida?

Mais selinhos!

Mantendo minha atitude antidesportiva, demoro MESES pra agradecer, divulgar e, de quebra, não vou cumprir o ritual de indicar outros blogs. Nasci com esse defeito, gente. E como tem outros mais graves na fila esperando (inutilmente) para serem corrigidos, esse vai ficando...

Aqui vão os selinhos gentilmente oferecidos.

Primeiro o da minha super amiga, Sandra Pagano:

Amiga! Ainda teremos o prazer de um outro abraço de ursa daqueles!

Agora o selinho da Ariane Garcia, genitora da Mel, criado por ela mesma!


Ariane, eu sou assim meio sem jeito pra essas coisas, mas manifestações como a sua são uma das razões que me fazem insistir nesse blog abandonando a vontade de desistir que aparece às vezes...

OBRIGADA! Aos selos, aos que continuam me visitando mesmo com minhas ausências, pelas presenças comentadas e também silenciosas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Olho por olho...

Temos de reconhecer: às vezes, os vizinhos não se dão muito bem. Estão aí judeus e palestinos que não me deixam mentir. É claro que a coisa não precisa chegar àquele extremo, mas tem situações em que não tem política da boa vizinhança que resolva!

Eu mesma já tive meus percalços com vizinhos chatos e cheguei ao ponto de ter de mudar de prédio pra evitar as reclamações de um ranzinza do andar de cima. Uma das minhas primas foi obrigada a vender o excelente apartamento que tinha comprado só pra se ver livre dos pitis histéricos de um morador que reclamava do barulho que eles faziam. Ela chegou a ensinar o filho adolescente a fazer xixi sentado porque o tal reclamava do barulho do xixi do menino, dá pra acreditar?

Há algum tempo fiquei conhecendo os tormentos de uma amiga, cujo vizinho tinha a casa em obras há oito anos, obras essas que já tinham provocado dois incêndios e um alagamento na casa dela. Depois de anos de brigas sem fim ela adotou a postura conhecida como os incomodados que se retirem, desistiu e comprou outro lugar para morar, mas teve de aguardar até que o novo local ficasse pronto, sempre convivendo com o canteiro de obras do gênero o inferno mora ao lado.

Quando alguém vive uma situação semelhante e tem de esperar até poder se mudar, o que fazer para sobreviver sem surtar até chegar o dia da libertação?

Eu concordo totalmente com o ditado que diz: se você não pode com ele, junte-se a ele. No caso da minha amiga ela tinha tentado todos os meios diplomáticos e legais. Nada resolveu. Numa situação dessas, para não viver só o lado ruim de uma convivência forçada, minha sugestão foi a de encontrar formas criativas de passar o tempo, no melhor estilo junte-se a ele.

Não sei em que pé está o imbroglio da minha amiga, mas caso você, dileto bleitor, esteja passando por situação semelhante, pode aproveitar as dicas que andei caraminholando. Aqui vai minha singela contribuição na forma de um Manual de Sobrevivência Para Quando Seu Vizinho Atormentar Sua Vida. São muitas as atitudes possíveis, vejam só...

Costure um monte de bonequinhos e espete agulhas e/ou pregos por todo corpo. Degole alguns, enforque outros, depois pendure todos eles dentro da sua própria casa, mas em um lugar que seja bem visível pelo sociável vizinho.

Faça uma maquiagem pálida, pinte olheiras, vista roupas pretas por um mês seguido, ouça somente música do compositor alemão Wagner (a Cavalgada das Valquírias é ótima!) e dê um jeito de, quando encontrá-lo, estar com um olhar perdido ou então esbugalhado. Se puder andar segurando um facão de açougueiro, melhor ainda!

Mude seus hábitos alimentares! Adote uma dieta que contenha, no café da manhã, um cozido preparado à base de músculo, bucho, rins, fígado, couve-flor, brócolis e repolho. Prepare o prato todos os dias sempre às 6h da manhã. O ideal é colocar a panela para cozinhar do lado de fora da sua casa na sacada ou área de serviço, um lugar qualquer que seja bem próximo da casa do seu amado vizinho.

Depois que fizer o cozido por vários dias seguidos, assim que cruzar com ele dê uma gargalhada súbita e então comece a falar o seguinte: Hã? O quê? Jack? É você, Jack? Cortar em quantos pedaços? No cozido? Sei... e lance ao seu vizinho um olhar de alto a baixo, cheio de significados.

É hora de abraçar de corpo e alma o sincretismo religioso! Programe encontros na sua casa, não se esquecendo de encerrá-los impreterivelmente às 22h. Nem um minuto antes, nem um minuto depois. A programação da semana poderia ser a seguinte: segunda-feira, umbanda. Terça-feira, um grupo carismático de carpideiras. Quarta-feira, aquele pessoal gente boa dos Hare Krishna. Quinta-feira, ensaio de grupo Gospel sertanejo. Sexta-feira será a noite do exorcismo ou das bruxas, quando sua casa abrirá as portas aos amigos e, vestidos de túnicas, vocês cantarão músicas em línguas estranhas e dançarão ao redor de um caldeirão. Não se esqueça de providenciar o indispensável equipamento de som bem potente.

Fique de olho na meteorologia. A cada vez que acontecer uma tempestade, bata portas e janelas, arraste correntes e arranje um CD de uivos e gemidos.

Falando em gemidos, muito provavelmente as coisas não estarão muito animadas na sua casa por causa das desgastantes brigas. Então, o negócio é improvisar! Alugue uns filmes pornôs e ligue bem alto na madrugada. Daí, bata a cadeira na parede divisória entre as casas no ritmo dos gemidos do filme. Portanto, Ah! Ah! Ah! Ahnnnnnnnn!!! serão acompanhados de Pum! Pum! Pum! Papapapapapa!!! De preferência, repita a operação a cada duas horas. No dia seguinte, quando encontrar seu vizinho, assim como quem não quer nada, exiba umas vinte caixas camisinhas e outras tantas de Viagra, dando um sorrisinho safado e dizendo: Hoje a coisa vai ser quente de verdade!

Aproveite para colocar em prática seu espírito solidário: ofereça-se para cuidar de bebês recém-nascidos que sofram de refluxo gástrico ou que estejam naquela fase das cólicas que fazem as crianças chorarem ininterruptamente por horas seguidas, principalmente na madrugada. Tenho certeza de que você facilmente dará conta de cinco crianças ou mais!

Esse será a hora perfeita para colocar em prática o plano tão acalentado, mas sempre adiado, de levar uma vida saudável! Portanto, dedique um tempo aos exercícios físicos. Providencie música de academia e contrate um personal trainer super animado que, equipado de um megafone, comande a sessão saúde com gritos de estímulo: Vamos lá! 1, 2, 3, 4! Força aí! Mais uma vez! 1, 2, 3, 4! Muito bom! Os exercícios serão praticados durante duas horas, sempre a partir das 8h da manhã em todos os sábados, domingos e feriados.

Deixe a música entrar na sua vida e também na do seu vizinho. Observe seus hábitos musicais e, generosamente, ouça aquilo que ele NÃO ouve, afinal, conhecer coisas novas é sempre bom. Escute suas músicas durante horas, se possível repetindo dez a quinze vezes seguidas a mesma canção. Pode ser pagode, techno, funk, música étnica, tipo chinesa, japonesa, indiana ou alemã, sertanejo, Kelly Key, Bonde do Tigrão ou, melhor ainda, uma seleção dos anos 70 composta de Jane e Herondy, Kátia, Márcio Greick, Nelson Ned e Odair José. Desde que seja das oito da manhã às vinte e duas horas sem parar, em repetições ininterruptas.

Compre uma telha de zinco e posicione-a embaixo de uma torneira que você deixará pingando durante toda a madrugada, numa área que se possa escutar da casa do seu amigável vizinho. Recolha toda a água em um balde e use para o cozido depois. Não dá pra desperdiçar água potável, não é mesmo?

Adote uma ou mais dessas medidas. Certamente não vai resolver de jeito nenhum o problema com o mala do seu vizinho, mas garanto que você vai se divertir demais! E é o povo quem diz que água mole em pedra dura... Pode ser que um dia você acabe ficando famoso por ter ido parar naquele quadro do Fantástico, O Conciliador. Todo mundo sabe que a esperança é a última que morre, não é? Depois, até mesmo, do seu vizinho!

domingo, 11 de abril de 2010

Um trem facim dimais, sô!

Para Eugenio
... TAM TAM TAM TAM TAM TATATATÃ!

A musiquinha de edição especial do telejornal na TV fez o de sempre: girou todos os pescoços do ambiente na sua direção. Pescoços estes que sustentavam cabeças, que separavam orelhas, que sabiam que boa coisa não estavam por ouvir.

A polícia ainda não conseguiu esclarecer o mistério do bandido que anda aterrorizando as casas de repouso da cidade. Mais uma vítima foi encontrada hoje e o perfil se repete: mulher idosa, cabelos brancos, óculos, baixa estatura e tipo roliço, como todas as outras, em estado de choque. Esta se chama Emengarda e foi encontrada como uma múmia, enrolada em fraldas geriátricas. Como as vítimas anteriores, ela não consegue ainda dar depoimentos, mas seu relato não deve ser muito diferente daquele registrado pelas demais senhoras atacadas pelo bandido. Ou bandida. O malfeitor aparece quando a vítima está sozinha e veste roupa de cozinheiro, usa um aparelho que modifica a voz e também uma máscara com um rosto de algum chefe de cozinha. Na semana passada, quando D. Genoveva foi encontrada enfiada no seu andador equilibrado de cabeça para baixo sobre quatro urinois, o meliante usava uma máscara de Jamie Oliver. Já apareceu como Nigella Lawson, Claude Troisgros, Paul Bocuse e Ana Maria Braga. Apareceu também como Álvaro Rodrigues, Ofélia, Palmirinha e Tia Anastácia.

O modus operandi é sempre o mesmo: a vítima é surpreendida durante a noite, amordaçada e imobilizada. A partir daí sofre um interrogatório exaustivo que dura toda a madrugada. Nos últimos tempos elas têm sido também ameaçadas fisicamente com colher de pau ou rolo de macarrão. Já houve relatos do uso de espremedor de alho e descascador de legumes. As perguntas giram em torno de técnicas culinárias as quais todas as vítimas afirmam ter respondido, mas, aparentemente, isso não satisfaz o criminoso, que se irrita cada vez mais até que, nas primeiras horas da manhã, parte tão silenciosamente como entra, não sem antes deixar a vítima numa situação constrangedora, como foi o caso de D. Genoveva e o andador na semana passada, mas também D. Inácia encontrada de quatro, a prótese dentária colada com adesivo permanente em posição de mordida nas nádegas e os chinelos de tecido pendurados nas orelhas. Outra semelhança entre as vítimas é elas terem ligação direta ou indireta com o estado de Minas Gerais.

Como o facínora está sempre disfarçado é muito difícil qualquer identificação e a polícia acredita que...

TLEC!

Um par de olhos arregalados encarava o vazio da TV recém-desligada. Sons abafados partiam da boca amordaçada por um pano de copa bordado com moranguinhos.

Ouviu bem, D. Maria?

A apavorada senhora viu surgir diante de si a cara do Olivier Anquier que falava sem mover os lábios com aquela voz de pato.

Viu o que vai acontecer com a senhora se não colaborar? E então, D. Maria, a senhora vai ser boazinha, não vai?

Mmmmmmmmm mm mmm mmmmm!!!

A mordaça foi retirada com uma certa violência da boca da pobre senhora, que balbuciou com voz fraca:

Meu nome não é Maria, é...

Não me interessa o seu nome! – Olivier gritou sem aquele charmoso sotaque francês. A mordaça foi recolocada.

Nós temos tempo D. Maria. Temos toda a noite diante de nós. Como se diz por aí, quem tem pressa come cru e a noite é uma criança...

Parou de repente. Se não fosse a máscara seria possível jurar que tinha o olhar perdido no horizonte:

... e meu filho também é uma criança, a senhora está me ouvindo?

A mesa da cozinha foi golpeada violentamente com o batedor de ovos, deixando bem claro o estrago que poderia ser causado caso tivesse sido na cabeça da aterrorizada senhora.

Uma criança! E para uma criança de nove anos o pai e a mãe são sempre herois! HEROIS! Isso significa que eles são capazes de tudo! SEMPRE! Não há lugar para o fracasso de um pai ou de uma mãe na cabeça de uma criança, D. Maria. NÃO HÁ!

Olivier com a voz de pato andava agora de um lado para o outro, agitando freneticamente o fouet, batedor de ovos em bom francês.

E, além de ser responsável por ter dado a vida ao meu filho, eu sou Chef de Cuisine E TAMBÉM Chef Patissier, a senhora sabe o que é isso?

A pobre mulher amordaçada com o pano de moranguinhos e amarrada à cadeira com o fio elétrico do mixer fez um sinal negativo com a cabeça, os olhos ainda arregalados e marejados de lágrimas.

Como eu imaginei. Vous êtes nulle, nom de Dieu!

Agora ela começava a reconhecer o Olivier...

Eu passei meses estudando no Cordon Bleu de Paris, está me ouvindo? Meses! Fiz os cursos completos de Chef de Cuisine e também de Chef Patissier o que significa que eu garanto um jantar de l’apéritif au dessert, impeccable! Do início ao fim! Até curso de sommelier eu fiz. Faço casamentos que nem a morte separa entre minhas refeições e o vinho. Sei aguçar as papilas de qualquer ogro que me apareça pela frente. Do champagne ao caviar, da baguette ao fois gras, le chef, c’est moi! Voilà! O chefe sou eu!

O sinal da mulher, dessa vez, foi afirmativo, mas os olhos continuavam esbugalhados.

Então, é simplesmente IMPENSÁVEL que meu filho peça que eu prepare uma comida e que esse prato não seja simplesmente DIVINO, compris? DI-VI-NO!

Ele aproximava a cara do Olivier ameaçadoramente do rosto da frágil senhora e, se não fosse o lindo sorriso de dentes brancos que a máscara exibia, ela teria tido uma indigestão.

Mas isso aconteceu comigo, D. Maria. Comigo! Eu, que recebi três estrelas do Guia Michelin. Eu, a Gisele Bündchen das panelas. Eu, o Pelé das escumadeiras. Moi!

Com um soluço seco o bandido abandonou os braços ao lado do corpo, deixando cair os ombros, numa demonstração de total desilusão. A bondosa vovó lhe faria um cafuné na cabeça e lhe daria um beijinho na testa se não estivesse amarrada e amordaçada.

Olivier grasnava de novo. Mesmo com o timbre de pato, a desprotegida mulher sentia que aquela voz era melíflua, pegajosa como uma calda de caramelo, escorregadia como uma coxa de galinha untada em azeite extra virgem, traiçoeira como o ponto do creme inglês:

Portanto, D. Maria, acho bom a senhora colaborar. A senhora não vai querer que eu perca a paciência, vai? – ele continuou, a agitação crescendo novamente como um pão fermentando antes de ir ao forno – Consultei livros, vasculhei bibliotecas de confrarias, escrutinei a internet. Investiguei centenas de fóruns, percorri milhares de blogs, assisti à horas e horas gravadas do Mais Você! Testei uma por uma das receitas que encontrei, apliquei meticulosamente os conselhos que recebi e NADA FUNCIONOU! NADA!

A penalizada senhora balançava a cabeça de um lado para o outro, começando a simpatizar com aquele Olivier. Ele continuava a falar, a angústia transparecendo na sua voz de pato:

Meu filho está me pressionando, já estou no limite das desculpas que posso dar! O desespero tomou conta de mim e eu tive de apelar para essa atitude extrema: a senhora e todas as outras que se recusaram a colaborar! Então, D. Maria, abra esses ouvidos como se abre um mexilhão e responda de maneira precisa às perguntas que eu vou lhe fazer. De maneira PRECISA, compris? Isso significa que não vou aceitar medidas como um punhado ou a olho, entendeu?

A amordaçada senhora se afastava o quanto podia daquele Olivier que a ameaçava, fouet em punho, gostas de suor começando a brotar na testa que parecia agora uma taça de sorvete fora do congelador. E as ameaças continuavam:

A senhora faz tricô pelo que estou vendo... E também gosta de bingo! Ora veja... Pois se não houver colaboração da sua parte, saiba que clara de ovo é uma excelente cola, D. Maria, e eu vou deixá-la coberta da cabeça aos pés com essas cartelas de bingo coladinhas umas às outras, além de amarrá-la com essa lã como se faz com um frango, a senhora está me ouvindo?

A cabeça amordaçada fez um nervoso sinal afirmativo. Ela agora tremia como gelatina.

E nem queira saber o que vou fazer com essas agulhas de tricô, D. Maria! Nem queira saber! Mas comece, desde já, a pensar em frangos de padaria. Garanto que isso não vai ser legal, portanto, não me provoque!

O ambiente começou a ficar quente como forno pré-aquecido. Ele pegou uma caixa de ovos e disse:

Preste muita atenção: eu vou lhe fazer uma pergunta e, em seguida, vou retirar essa mordaça. E, então, a senhora vai me responder DE MANEIRA PRECISA, como combinamos, enquanto eu tomo notas nesse caderninho, d’accord?

A senhora não sabia patavina de francês, mas teve certeza de que não havia outra atitude possível a não ser concordar com o chef. Balançou a cabeça rapidamente, olhando para as agulhas de tricô sobre a mesa e não querendo nem imaginar o uso que aquela criatura podia fazer delas.

Muito bem. Hoje à tarde, quando meu filho chegar da escola, vai encontrar uma iguaria muito especial sobre a mesa. Vai comer tudo e jamais, eu disse JAMAIS, vai dizer novamente que aquilo que fazem as mães ou as empregadas dos coleguinhas dele é que é bom. A partir de hoje EU serei expert nesse acepipe! Sem qualquer concorrência!

Mmmmmmmm – a cabeça subiu e desceu algumas vezes.

Enquanto falava, Olivier quebrava os ovos e separava calmamente as claras em uma tigela colocada ao lado das cartelas de bingo, numa atitude explicitamente ameaçadora. Acabou de quebrá-los, agitou levemente as claras com o fouet num gesto preciso e, ao lado da pilha de cartelas e da tigela com claras, dispôs meticulosamente as agulhas de tricô.

Olivier curvou-se sobre si mesmo até ficar com os olhos furados da máscara na altura dos olhos aterrorizados da meiga senhora, pegou um bloco, uma caneta que ficou suspensa no ar e falou com falsa calma:

Então, D. Maria, me diga: como é que se faz bolinho de chuva? – e puxou o pano de moranguinhos, removendo a mordaça que sufocava a pobre mulher.

Ela tossiu algumas vezes, pensou um pouco e depois começou a gaguejar, aliviada com a simplicidade da pergunta:

Bem... eu pego uma tigela, coloco um tanto de leite e outro tanto de farinha, quebro dois ovos. DOIS! – olhou para Olivier e repetiu o número para deixar bem claro o quanto estava disposta a colaborar com a exigência de precisão do seu algoz – aí coloco umas colh... er... é... três! Três colheres de açúcar, uma pitada de fermento e... mmmmmmmmm!

A mordaça voltou a sufocar a apavorada senhora. Se ela pudesse ver os olhos por trás da máscara de Olivier pensaria imediatamente em escalopes sendo flambados no conhaque. O pato grasnou:

Um TANTO de leite e outro TANTO de farinha, D. Maria?!!! Uma PITADA de fermento, putain?! Em qual volume do Larousse a senhora já viu alguma receita que pedisse um tanto de alguma coisa, bordel de merde! Já vi que a senhora, como todas as outras, também não está querendo colaborar – disse, enquanto pegava as agulhas de tricô sobre a mesa da cozinha...

domingo, 7 de março de 2010

40 pensamentos em 40 anos de vida

Ano passado entrei para um grupinho do qual não sairei mais. E, se sair, vai ser num estado tão lastimável que é melhor nem desejar isso. Agora faço parte oficialmente do grupinho dos enta. Aqueles que têm quarenta, cinquenta, sessenta anos... Pra sair dele, só depois de apagar cem velinhas e acho que não terei fôlego pra tanto.

Fazer quarenta anos é pra ser um marco na vida, não? Algumas idades têm esse poder: quinze, dezoito, vinte e um e, a partir daí, as idades redondas como trinta, quarenta, e por aí vai. Eu confesso que estou gostando de ter essa idade redondinha, embora não esteja gostando muito do fato de estar redondinha, mas essa é uma outra história.

Acho que sou uma pessoa melhor aos quarenta do que aos trinta. E infinitamente melhor do que aos vinte. Claro que estou falando da cabeça, mais especificamente do conteúdo dessa cabeça, é evidente!

Há alguns meses recebi um desses emails que circulam por aí com uma lista de lições que uma mulher aprendeu da vida. O email dizia que ela tinha noventa anos, mas pesquisando na internet descobri que ela tem cinquenta, e que escreveu a lista pela primeira vez aos quarenta. Depois foi acrescentando novos itens na medida em que foi ficando mais velha, mas está ainda loooonge dos noventa! Isso me fez pensar que as pessoas imaginam que é necessário chegar ao fim da vida pra ganhar sabedoria. Boa notícia: dá pra ganhar antes! E melhor ainda, quanto mais o tempo passa, mas espertinhos vamos ficando, desde que estejamos dispostos a tomar uns remédios amargos por aí...

Pois bem. Achei interessante a ideia da Regina Brett e decidi criar minha própria listinha com quarenta coisas que aprendi nesses quarenta anos (muito bem) vividos. Não fui mais ler a lista dela para não me influenciar (tinha muita coisa legal ali). Simplesmente fui listando pra mim mesma o que considero que sejam lições aprendidas e internalizadas, gravadas a ferro e fogo sem chance de serem esquecidas. Divido aqui com vocês esses meus pensamentos soltos.

Só peço uma coisinha: se alguém decidir passar por email por aí vai me deixar imensamente feliz, mas por favor não mudem (ainda) minha idade pra noventa, tá? Prefiro chegar aos noventa depois de passar por mais cinquenta anos inteirinhos! :-)

Lá vai...

1. A coisa mais difícil de encontrar na vida é o equilíbrio.

2. Só o que é possível me faz sofrer. A partir do momento em que percebo que algo é impossível, deixo de sofrer por isso. Sofrer pelo impossível é inútil.

3. Eu alcancei quase tudo o que desejei. Mas isso só aconteceu quando deixei de pensar obsessivamente nesses desejos.

4. Sempre que desejei algo e não alcancei, depois percebi que não teria sido bom pra mim.

5. Amigos são circunstanciais. Família é pra vida toda.

6. Mas há amigos que também são pra vida toda, seja qual for a distância que estiverem de mim.

7. Não há como apressar a experiência de vida, assim como não se pode apressar a gestação de um ser.

8. Foi quando fiquei muito longe do meu país que mais aprendi sobre ele. A compreensão de muita coisa exige distanciamento.

9. Tentar resolver problemas que ainda não tinha muitas vezes só fez com que aparecessem problemas que passei realmente a ter.

10. Só os sobreviventes têm cicatrizes. Quem não tem cicatrizes, ou nunca lutou, ou já morreu.

11. Eu não estou livre de ter os mesmos sentimentos ruins que tanto critico nos outros. Aliás, muitas vezes acabei fazendo exatamente aquilo que critiquei no outro.

12. Os monstros dos quais tive mais medo sempre eram muito mais assustadores na imaginação do que na realidade.

13. Todas as pessoas têm sempre alguma coisa incrível pra contar sobre a vida delas.

14. A generosidade não é desinteressada.

15. Buscar a perfeição só me deixou mais imperfeita.

16. A maternidade não me tornou sobre-humana. Eu continuei a sentir cansaço, raiva e dor, mesmo em relação aos meus filhos.

17. Mas, me sentir humana sendo mãe, só me tornou mais livre e acho que fará com que eu sofra menos a solidão no futuro. Não cobrarei presença dos meus filhos porque saberei que eu mesma não dei de mim o que eles gostariam de ter tido.

18. Ter filhos é perder a chance de ser arrogante. Os filhos me mostraram o quanto sou falível.

19. Qualquer situação, por pior que seja, tem sempre um aspecto positivo a considerar. Basta procurar.

20. O bem mais precioso que possuo é meu tempo. Só que o tempo que tenho nunca vai ser suficiente pra eu fazer tudo o que tenho vontade.

21. O conhecimento inebria e propicia momentos de extrema felicidade. Mas quanto maior o conhecimento, mais raras são as ocasiões de sentir essa felicidade porque mais absurdo parece o mundo.

22. Saber que outras pessoas têm problemas maiores do que os meus não diminui a dor que sinto.

23. Entretanto, sempre que consigo rir das minhas próprias mazelas, tudo fica menos difícil.

24. Não importa o tamanho da bolsa ou da mala, sempre vou enchê-la.

25. O corpo tem limites. E é muito difícil conviver com eles.

26. Cada idade tem alguma coisa muito legal que só é possível de ser vivida plenamente naquela idade.

27. Criar e alimentar expectativas só estraga a vida.

28. Não dá pra manter a proximidade com todas as pessoas que eu gostaria da maneira como gostaria.

29. Trabalhar no que eu gosto garante muitas horas de diversão no dia.

30. Eu não preciso de tudo o que compro.

31. Mas de vez em quando é muito bom comprar coisas das quais não preciso!

32. A rigidez de crenças e comportamentos só fez com que eu me quebrasse mais rapidamente.

33. Meu pior inimigo, aquele que é mais cruel é o senso comum. Como contradizer o senso comum? Como lutar contra o que é invisível e que, mesmo assim, sufoca?

34. A melhor forma de gastar meu dinheiro é com cursos e viagens. Ninguém pode roubar de mim o que vivi e aprendi.

35. Os filhos não têm de participar das discussões dos pais.

36. A maioria daquelas mensagens filosóficas de autoajuda é verdadeira. Mas elas são quase todas muito chatas!

37. Assistir ou ler jornais me deixa infeliz. Então não assisto. O que for realmente importante vou ficar sabendo, no nível de detalhe em que preciso saber. Nem mais, nem menos.

38. Os momentos em que eu mais ganhei vida, foram aqueles em que perdi meu tempo com bobagens inúteis.

39. As pessoas que têm sorte são as que acreditam que ela existe.

40. A maior parte das coisas que aprendi foi vivida desde que nasci, mas só ficou realmente clara nos últimos anos.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Pera, uva, maçã, salada mista...

Deu no Fantástico de domingo passado: a ciência acaba de descobrir que saudáveis são as mulheres pera, o que significa dizer cintura e quadrilzão. ENFIM! Pelo menos uma vez na vida tive a satisfação de ver que uma pesquisa científica me inclui no grupo das pessoas saudáveis e não o contrário como vinha acontecendo nos últimos anos! Estou exultante!

Ultimamente eu não queria ler nem mesmo a capa de revistas de saúde para evitar momentos de pura desolação. Sempre que via uma manchete do gênero "10 dicas para viver bem" eu sabia que ia fazer exatamente o contrário do que diziam 9 das 10 dicas. A décima era a que não se aplicaria ao meu caso, tipo algo pra quem ainda nem menstruou ou é do sexo masculino...

Mas domingo fui às nuvens com a tal reportagem. Preciso anunciar ao mundo que eu sou uma mulher pera! Que felicidade!

Agora, como eu já disse, só faltam os estilistas caírem de boca nessa fruteira, no bom sentido, é claro! Estou curiosa para ver quem será o ousado que fará o primeiro desfile sabor salada mista com mulheres reais na passarela. Será um furor. Vídeos se espalharão à velocidade da luz no Youtube, o Twitter ficará congestionado, a Google sairá do ar por trinta segundos tamanha a quantidade de acessos, o planeta acreditará estar vivendo o armagedom...

Alguém precisa urgentemente abrir os olhos do mundo como fez o personagem do conto A roupa nova do rei, de Hans Christian Andersen. Para relembrar a história, um rei muito vaidoso foi ludibriado por pretensos alfaiates que lhe garantiram que possuíam os tecidos mais lindos do mundo os quais só podiam ser vistos por pessoas muito especiais. Por uma verdadeira fortuna os larápios fariam um traje tão magnífico que o rei seria aclamado por todos. O rei pagou pelo traje e saiu pelas ruas, completamente nu. Ninguém tinha coragem de comentar o fato, achando que decerto não tinham capacidade suficiente para enxergar a beleza de tecidos tão especiais. Até que uma criança gritou: O rei está nu! Aí todos compreenderam que quem estava enganado era o rei e não eles!

É preciso que alguém comece a gritar: aquela magreza toda é feia!

Por isso também achei ótimo o comentário do sambista Dicró quando viu um feixe de modelos na passarela: Junta todo mundo aí, deve dar uns 20Kg!

Antigamente, quando um homem queria elogiar uma mulher dizia: Ela é uma uva! Hoje, por mais bem intencionado que seja um rapaz, se chegar para uma dessas modelos de passarela e compará-la a uma uva certamente levará uma bolsada Louis Vuitton na cara. Onde já se viu? Uma uva?! Uma bolinha?! E ainda por cima cheia de açúcares?! Que audácia...

Definitivamente, uvas estão fora do vocabulário dos elogios do mundo da moda. No máximo alguém poderia
dizer Você é minha fava de baunilha preferida! Mas acho melhor não arriscar... É comida também, né? Uma sapatada
Jimmy Choo na cabeça deve doer pra caramba.

Recentemente tomamos conhecimento de uma mulher melancia. Agora chegaram a vez das peras. As maçãs... Bem, a maçã não tem salvação! A pobre só se dá mal desde a época do paraíso e aquela história da Eva, serpente, etc. Coitadinha. Mulheres maçã continuam na mira de nutricionistas, endocrinologias e personal trainers. Expulsas do paraíso fashion sem chance de apelação...

De minha parte, já estou bem contente de poder participar da parte saborosa dessa salada de frutas. Viva a diversidade!

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Morrer é fácil, difícil é ficar viva

— Olá! Seja bem vinda!

— Ahn? O quê? Ei, peralá, eu tô te reconhecendo! Essa barbinha, essa camisolinha, essa auréola... O que é isso? Eu morri?!

— Veja a coisa por outro ângulo. Pense que você nasceu para uma nova vida...

— Não é possível! Não pode ser verdade! Como assim?

— Calma, minha filha, calma. É normal essa confusão inicial e...

— Confusão fizeram vocês! Olhe aí nessa sua listinha, confira bem. Meu nome não pode estar aí!

— Procure se acalmar... Serafim, chegue aqui um minutinho, faça o favor.

— Foi algum acidente de avião? Não, sem chance. Eu não viajava de avião por causa do risco de trombose. Foi acidente de carro? Eu fui atropelada? Vítima de ataque terrorista?

— Nada disso! Não houve nenhuma tragédia na sua... hummm... passagem.

— Mas, então, por quê? Eu fiz tudo direitinho, tudo! Dormia oito horas por noite, acordava cedo, fazia meditação... Vocês tem alguma coisa contra a meditação, é isso? Eu paro!

— Claro que não, imagine!

— Escovava os dentes, passava fio dental (vi um estudo que garantia pelo menos seis anos a mais de vida só por passar fio dental), tomava meu complexo de vitaminas, suplementos energéticos, saía pra caminhar, nadar, pedalar, um verdadeiro triathlon antes das 7h30 da manhã!

— Sabemos disso! Sempre admiramos muito a sua determinação. Correr nas manhãs de frio... Realmente, era muita força de vontade.

— Não é? Meu café da manhã era irrepreensível: grãos, sementes, fibras, frutas, leite completamente desnatado, nada de conservantes. Transgênicos? Nem pensar! Eu era filiada ao Greenpeace, ao programa Amazônia Viva, às ONGs de proteção aos golfinhos, baleias, pinguins e ursos pandas. Voluntária do projeto Tamar!

— Estamos por dentro de tudo isso, acredite! Muito louvável essa sua preocupação com a natureza.

— Conversava com as plantas, abraçava árvores... Não acredito que tô falando de mim mesma no passado...

— Você vai se acostumar.

— Não! Eu vou voltar! Veja aí na sua lista. Deve ser alguém com o mesmo nome...

— Não quero ser desagradável, mas nosso sistema de dados é sem falhas.

— Sem falhas era eu! Nada de nicotina, nada de cafeína, nada de estimulantes ou drogas de qualquer tipo, nem uma única gota de álcool a não ser, é claro, um cálice, um único!, de vinho tinto no almoço por causa dos flavonóides e da ação anti-oxidante.

— Tem toda razão! Até Jesus tomava vinho, veja você...

— Exato! Depois tinha barrinha de cereais a cada três horas para manter o metabolismo ativo, saladas variadas no almoço, um bife que era uma verdadeira hóstia grelhada e sem qualquer traço de gordura, quase nada de sal por causa da pressão...

— Parabéns!

— ... siesta para recuperar as energias, exercícios respiratórios para eliminar o estresse, cinco minutos de gargalhadas em grupo para manter o alto astral, massagem para tonificar os músculos, Pilates, RPG, alongamento e dança!

— Pouquíssimos cuidam do corpo como você cuidava, é verdade!

— Então o que é que eu tô fazendo aqui, caramba?

— Veja, é que...

— Já sei! Foi aquele brigadeiro! Aquele mísero brigadeiro que eu cheirei na festa de quinze anos da Claudinha, não foi? Puxa, eu tinha só sete anos, não dá pra dar um desconto?

— Que é isso, não teve nada a ver com brigadeiro.

— Eu comia chocolate, eu sei. Um quadradinho de um centímetro de lado por dia, mas só para manter os níveis de serotonina e, assim mesmo, era chocolate amargo com 99% de cacau!

— Horrível aquilo, não? Confesso que às vezes não consigo entender bem o Criador...

— Pois é! E ainda comia um tomate por dia para evitar câncer de próstata...

— Mas, minha filha, mulheres não tem próstata!

— Eu sei! Mas vai que a ciência descobre alguma coisa, né? A gente nunca sabe... Aliás, evitei tudo que pudesse causar câncer: sol entre 10 e 16h, açúcar... Nem uma única paçoquinha na vida, meu cadastro tá limpo, pode conferir! Ovo frito, toucinho, feijoada? Jamais passaram perto do pires que eu usava para minhas refeições!

— É mesmo! Era um pires, né?

— Um pires! O pecado da gula não aparece de jeito nenhum na minha ficha corrida.

— Não mesmo...

— Achou minha ficha? Então veja aí que, dessa vez, vocês cometeram um engano. Meu lugar é lá embaixo, tô voltando pra lá. Onde é mesmo a saída?

— Não tem engano algum...

— Isso não tem cabimento, não faz o menor sentido!!! Não tem NADA do que apareceu na imprensa escrita, televisiva, falada, cinematografada ou blogada que eu não tenha seguido à risca para preservar minha saúde e juventude! Será que eu fui assaltada? Violentada? Assassinada?

— Não! Claro que não!

— Ufa! Que susto! Trabalhava como voluntária na Pastoral da Criança, nas entidades de auxílio aos idosos, de apoio ao egresso do sistema carcerário. Recolhia doações para creches, para os Médicos sem Fronteiras, para os exilados políticos, para os desabrigados das enchentes, vítimas das secas, refugiados de guerra, para as mulheres mutiladas na África, para os institutos de auxílio aos portadores de necessidades especiais. Olha aí! Até usar só termos politicamente corretos eu aprendi.

— Estou vendo, estou impressionado!

— Então estamos de acordo que meu lugar não é aqui, certo? Onde é que eu devolvo esse crachá de visitante?

— Seu crachá não é de visitante, mas de interno.

— Vocês estão todos loucos, só pode ser! Piraram, surtaram, despirocaram! Olha o Alzheimer, hein? Não me preocupo com isso porque fazia ginástica cerebral três vezes por dia. Resolvia enigmas, preenchia tabelas e mais tabelas de Sudoku. Li todos os clássicos da literatura e acompanhava os jornais do mundo nos idiomas originais. Sabia que aprender línguas é ótimo para manter o cérebro em funcionamento? Por isso não tem razão de ser esse derrame...

— Quem falou em derrame?

— Foi o quê, então? Não me deixe nesse suspense! Adrenalina demais na corrente sanguínea faz um mal horrível!

— Foram causas... como dizer... naturais.

— Naturais? Isso aqui é uma pegadinha, fale a verdade. Cadê as câmeras? Naturais e também orgânicas eram as frutas e legumes que eu consumia, tá me ouvindo? Cinco porções diárias! Daí fiquei sabendo que deviam ser doze! Eu acompanhava todas as novidades dessa área, já disse. Lavava e descascava tudinho, diariamente. E ainda comia uma castanha por dia por causa do selênio, leite de soja por causa das isoflavonas, alimentos crus para absorver a energia vital que era depois distribuída aos meus chacras durante a entoação dos mantras, que eu já cantava virada em direção à Meca e com as guias de todos os orixás penduradas no pescoço pra ganhar tempo... Ohmmmmmmmmm Ops! Foi esse o problema? Eu ia à missa aos domingos também, viu? E fazia novenas!

— Não se preocupe! O reino do Senhor é completamente livre de preconceitos.

— Ah bom! Pensei que tinha sido aquele meu envolvimento com a cientologia, antroposofia e cartomancia. Também dava uma passadinha nuns cultos evangélicos pra garantir É que eu precisava cuidar do espírito, sabe?

— Fez bem! Nada como cuidar do espírito, nós todos aqui sentimos os benefícios dessas orações.

— Mas cuidei da mente também! Fiz análise comportamental, psicanalítica e reichiana. Aproveitei para estudar tarô e mandalas.

— Excelente!

— Se cuidei da mente e do espírito, fiz trabalho voluntário para melhorar a auto-estima resgatando, assim, todos os carmas das vidas passadas e da presente deixando um troquinho para as vidas futuras, e se, ainda por cima, cuidei do corpo, como é que eu vim parar aqui?

— Eu não queria usar termos técnicos, mas já vi que você é uma pessoa esclarecida.

— Muito! Velas, cristais, pirâmides de energia, uma verdadeira Itaipu de tanta luz!

— Certo... Bem, não costumamos comentar esse tipo de coisa, mas no seu caso, vou abrir uma exceção: você teve uma falência múltipla dos órgãos.

— O quê?! Hahahahahahahahahaha! Ah, São Pedro, nunca tinham me contado que o senhor gostava de fazer piada. Pensei que só era personagem delas. Falência múltipla dos órgãos? Impossível! Pra começar, falência é palavra que não fazia parte do meu dicionário. Fiz poupança, plano de previdência privada, aplicação no mercado financeiro. Investi na carreira, em cursos de pós, pós da pós, pós da pós da pós a fim de garantir minha empregabilidade. Desenvolvi atitudes proativas, espírito de liderança, sem esquecer de compartilhar conhecimentos e estratégias para aperfeiçoar a capacidade de trabalhar em equipe. Empreendedorismo já e sempre, mentalização de objetivos, missão pessoal bem delimitada, certificação de qualidade, tudo isso de salto alto, maquiagem, terminho, chapinha, um sorriso nos lábios e eterno pensamento positivo, mesmo com o aumento de horas de trabalho sem contrapartida salarial. Tá, tá, confesso! Tomava umas fluoxetinas e prozacs pra não cair na depressão. Mas só porque todo mundo sabe que depressão é sinal de fraqueza e que devemos estar felizes e contentes sempre! Nada de crises de tristeza ou melancolia, onde já se viu? Isso não é atitude de quem tem sucesso na vida! E, além do mais, fiz viagens de férias porque o lazer é fundamental para manter a criatividade e ampliar o conhecimento geral. Não pode ter havido falência múltipla dos órgãos. E mesmo que isso tenha acontecido, prestei atenção aos inúmeros treinamentos motivacionais que me garantiram e convenceram de que crises são oportunidades de crescimento. Eu jamais teria tido um ataque cardíaco por causa de uma crise dessas!

— Eu não falei em órgãos empresariais. Falei em órgãos do corpo, sabe? Tipo assim, coração, pulmão, rim, essas coisas.

— É evidente que eu sei o que quer dizer falência múltipla dos órgãos! Mas nem considerei essa hipótese porque é simplesmente IMPENSÁVEL que meus órgãos internos tenham falido! A cada vez que a medicina abaixou as taxas de qualquer coisa, qualquer uma, seja colesterol, triglicerídeos, glicemia e o escambau, eu acompanhei. Eles foram apertando o certo e eu ali, firme! Número era comigo mesma! É pra diminuir a taxa de açúcar no sangue? Diminuo! É pra aumentar o HDL? Aumento! Meu hemograma era digno de ser emoldurado e pendurado na parede! Eu tinha cadeira cativa no laboratório de exames. Meus órgãos funcionavam perfeitamente! Sinto muito, mas o senhor dessa vez está enganado. Quem é o chefe aqui? Quero falar com o gerente! A brincadeira perdeu a graça. E os exercícios respiratórios para eliminar o estresse e diminuir as toxinas que vão provocar excesso de radicais livres já não estão mais funcionando! Chega pra lá, Querubim! Vou fazer a posição Adho Mulha Svanasana da Yôga, me concentrar em Shiva para despertar minha Kundalini... Namastê!

BROOOOOOOUUUUUMMMMMM!!!!!!!

— Olha aí! O chefe não está gostando nada disso! Nem eu, diga-se de passagem. Aliás, já perdi a paciência! Você teve falência múltipla dos órgãos, sim, morreu dormindo e ponto final! Agora vamos andando com isso, entra de uma vez que já tem uma fila enorme aí atrás.

— Mas... mas...

— Que é isso? Também não é pra tanto. Olha, usa aqui a manga da minha túnica para enxugar essas lágrimas.

— O que foi que eu fiz de errado pra vir parar aqui? Eu não entendo!

— Todos, eu repito, todos os seres humanos virão para cá mais cedo ou mais tarde. É inevitável...

— Isso! Mais cedo ou MAIS TARDE! Por que no meu caso foi mais cedo? Não pude começar a viver de verdade, não tinha um único minuto livre por conta de todos esses cuidados. Fiz tudo para ter um futuro tranquilo e saudável, quando poderia desfrutar a vida sossegada... Mas antes que esse futuro chegasse, vocês me trazem pra cá? Isso não é justo!

— Esperamos o quanto foi possível. Você teve até certa prorrogação de prazo em reconhecimento a todos esses esforços, mas mesmo essa prorrogação tem limites.

— Eu estava na flor da idade, no auge! Ainda no mês passado fiz meu mapa astral, comemorei meu aniversário...

— Exato! Seu aniversário de 120 anos!

— Então!!! Deve estar todo mundo lá embaixo comentando: Coitada! Tão jovem! Dá uma forcinha aí, vai? Deixe eu voltar pra me divertir um pouquinho, por favor...

— Próximo!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Tamanho XXI, de eXtremamente Indignada!

Não adianta, estou de mau humor!

Eu até que gostaria de escrever palavras engraçadinhas sobre o tema, mas a bile que volta à boca não me deixa ser menos do que insuportavelmente chata em relação a esse assunto.

Semana passada enfrentei mais uma vez o calvário dos provadores de roupas e lá se foi minha alegria. O mais impressionante é que a figura que vejo no espelho dessas salas de tortura não é um monstro, tipo uma orca assassina. Mas a imagem que vejo simplesmente não cabe nas peças de roupas que eu tento enfiar e fim de papo! Quer dizer, muitas vezes elas até entram e fecham. Só que, quando olho no espelho vejo aquele bonequinho da Michelin.

Eu já elaborei algumas teorias para explicar esse fato:

Primeira - Aquele número indecente que vejo na balança é a prova irrefutável dos meus pecados, e não somente os da gula. Aquilo tudo é peso na consciência!

Segundo - Outra possibilidade cuja descoberta aterradora eu devo à medicina ortomolecular: são metais pesados no meu organismo, claro! Chumbo, ferro manganês... Sou uma verdadeira usina de metais pesados, a Vale devia me explorar.

Terceiro - Caso meu peso excessivo não venha de nenhuma das opções anteriores, então só pode ser aquilo que os habitantes de Krypton vivem me dizendo... O quê? Vocês não sabiam que Krypton existe mesmo e que Super Homem tem uma família imensa por aí? Verdade! De vez em quando encontro um parente dele com olhos de raio X que afirma: Ah! O que acontece é que você tem ossos grandes! Então tá explicado: eu não sou gorda, meus ossos é que são grandes e crescem sem parar. Ufa!

Mas, mesmo depois de encontrar explicações mais do que plausíveis para o meu peso, ainda faltava compreender o meu diâmetro que faz com que as roupas nas lojas simplesmente não sirvam. E eu descobri!

Estudando um pouco algumas filosofias, soube que temos o corpo físico e também o etéreo ou energético. Eu sempre achei que eram esses dois somente e que eles tinham mais ou menos o mesmo formato, mas fiquei boquiaberta ao descobrir que são mais de quarenta corpos energéticos e que eles se expandem pra muito além do corpo físico! Perceberam? São meus corpos etéreos que não cabem todos juntos dentro da mesma roupa! Haja pano pra cobrir toda essa galera, não?

O fato é que, independente da causa, comprar roupas é, sempre e constantemente, um tormento!

Em troca de mensagens com minha grande amiga Jane que sofre dos mesmíssimos males que eu (metais pesados em excesso, ossos grandes, corpos espaçosos, etc., etc., etc.) falamos de fazer uma loja de camisetas tamanho P, de paquiderme.

Eu abortei a ideia ainda no ovo por importantes razões.

Primeiro porque não sou, nem jamais serei, empreendedora. Isso é coisa pra mulher corajosa como ela, eu tô fora!

Segundo porque não acho justo que as gordinhas sejam obrigadas a simplesmente cobrir o corpo com alguma coisa ajeitada por outras gordinhas solidárias como se fossem aquele galão de água da cozinha enfeitadinho. Acho injusto que nós, as tamanho F, de fofas, sejamos excluídas do mundo das roupas LEGAIS pensadas pelos estilistas, só porque esses profissionais simplesmente ignoram nossa presença no mundo, por mais espaçosa que ela seja.

É inaceitável que não haja uma loja das grandes redes, como C&A ou Renner, que se interesse pelas mulheres tamanho R, de roliças, que existem por aí e façam roupas só para um ideal de mulher criado em photoshop que praticamente não existe, principalmente depois dos 40! Ou será que sou só eu que tenho vontade de me afogar numa piscina de bolinhas repleta de Prozac depois de uma excursão a um shopping center...

Alguém aí vai dizer que existem algumas peças maiores na Renner ou na C&A. Claro que existem! Uma ou outra que não combina com mais nada e que escapou à sortuda que conseguiu chegar antes de mim mas, assim mesmo, numa arara escondida no fundo da loja, ao lado do extintor de incêndio ou da saída de emergência. Vai chegar o dia em que a cliente que comprar essas peças será gentilmente convidada a usar uma saída lateral e receberá as roupas num saco de papel sem o logotipo da loja para eles não verem o horror de uma mulher tamanho V, de verdadeira, vestida com a marca deles.

É claro que existe lojas para pessoas reais, mas fora dos shoppings, geralmente em bairros afastados, e caem invarialvelmente em três categorias: ou são caríssimas, ou breguíssimas ou nos fazem parecer o tal galão de água enfeitado. A única semelhança entre todas essas lojas é a seguinte: sairemos de lá parecendo que temos 30 ou 40 anos a mais. Não basta sermos gordas, temos de ser também velhas! Deprimente!

Querem saber o que eu acho? Acho que tudo não passa de uma gigantesca INCOMPETÊNCIA dos profissionais das grandes redes de lojas. Incompetência completa e total!

Claro que é fácil desenhar roupas legais pra manequins, praticamente cabides que se movimentam sem o uso de pilhas. O grande desafio para as grandes redes seria criar roupas para as mulheres tamanho R, de reais, feitas de carne, osso e banhas que circulam infelizes pelas ruas das cidades. Mas, pra isso eles não têm a menor competência.

Eu comparo esses estilistas aos médicos que só querem pacientes saudáveis, professores que só dão aula pra alunos inteligentes, atacantes que só marcam gol contra time sem goleiro.

O duro é que, enquanto não surgir o Einstein das passarelas que tenha capacidade e inteligência suficiente para aceitar o desafio de cobrir a nós, tamanho M, de mulher (e ponto), continuaremos sonhando com a tal piscina de bolinhas de Prozac. Ou nos converteremos ao islamismo e passaremos a circular de burka por aí. Ou nos mudaremos para o polo norte e nos vestiremos como esquimós. Ou viraremos astronautas...

Dietas, exercícios, etc. e tal? Outro dia eu falo o que penso dessa gigantesca hipocrisia incoerente!

Por enquanto o que me resta é uma dolorosa decisão: o que será que fica melhor em mim, a burka ou o escafandro?

domingo, 3 de janeiro de 2010

Toma que esse pescoço é teu!

Fui mordida! Agora estou irremediavelmente contaminada, passei pro lado de lá da força, me rendi. Faço parte da legião de pessoas que aguardam, pálidas e de olheiras fundas, a continuação da saga Crepúsculo.

Ohhhhhhhhhhhhh!!!

Ouço o coro decepcionado daqueles que dizem: O quê?! Você?! Professora universitária, que lê Baudelaire no original, formada em Letras, futura doutoranda em literatura?! Não é possível! Que horror!

É isso aí, minha gente. Sucumbi alegremente aos vampiros, da mesma forma que mergulhei nas profundezas de Hogwarts na epopeia de Harry Potter. Tem mais: ontem mesmo devorei avidamente cada página d'O Símbolo Perdido, do Dan Brown, sobre o qual falarei em outro post. E, já que é pra escandalizar de vez, confesso que li alguns títulos do Paulo Coelho, dezenas de volumes do Sydney Sheldon, além de, durante a adolescência, pilhas e mais pilhas daquelas historiazinhas açucaradas de bancas de revistas presentes em coleções chamadas Julia, Sabrina ou Bianca. É isso mesmo: eu, futura doutora em literatura, sou consumidora voraz de leituras chamadas comerciais. E tem mais: não me sinto nem um único milímetro diminuída muito menos envergonhada por causa disso.

Portanto, caí nas presas de Edward Cullen e estou aqui cultivando os dois exemplares intitulados Eclipse e Amanhecer, os quais serão impiedosamente sugados e não sobreviverão até o fim da semana.

Li num blog de um jornalista o seguinte a respeito de outro representante desse tipo de literatura, o já citado Dan Brown:
Não li O Código da Vinci, de Dan Brown. (E ainda que tivesse lido não admitiria. Mas de fato não li.)
Aí está! Se isso não fosse absolutamente irrelevante para a minha vida, já que desconheço completamente o tal jornalista, até chegaria a arriscar uma aposta: a de que ele leu, sim. Leu escondidinho no banheiro, embaixo das cobertas, envergonhado por estar deixando de lado Sêneca, Montaigne, Henry Miller ou Graham Greene (citados por ele no post) para se entregar ao prazer puro e simples da diversão inconsequente. Sem objetivos nobres. Ler pra desopilar a mente. E só.

O argumento do jornalista é o de que a leitura desses livros comerciais ocuparia o tempo que ele poderia dedicar aos clássicos, o que é absolutamente verdadeiro. Ninguém mais do que eu concorda fervorosamente com isso. E eu não veria problema algum na recusa em ler algo de que ele simplesmente não gostasse, o que até pode ser o caso dessa pessoa, mas quando ouço esse e outros críticos semelhantes, fico com a impressão de que eles não leem, ou não assumem que leem, só pra não se misturarem à massa. Para não conspurcarem o altar sacrossanto dos textos literários de alto valor maculando-os com esse lixo comercial menor. Erudição pura que eu prefiro chamar de preconceito puro.

Admito e confesso que minhas estantes acomodam lado a lado e em total harmonia Flaubert, Balzac, Le Clézio, Ernest Hemingway, Umberto Ecco (o ensaísta mais do que o romancista), Gabriel García Márquez, Eça de Queiroz, Saramago e Ovídio, mas também Aldous Huxley, Stephenie Meyer, J K Rowling, Marc Lévy e Nicole de Buron. E me absterei de fazer classificação semelhante entre os brasileiros para não entrar em disputas inúteis sobre quem deveria estar de qual lado. Só digo que o amor por um dos meus ídolos máximos, o incontestável Machado de Assis, cujos contos estão entre as maravilhas da literatura, jamais me impediu de ler aquilo que me desse prazer.

Literatura é um bem de consumo, como comida, por exemplo. Adoro cozinhar e amo um bom restaurante, mas tenho espaço pra MacDonalds também.

Uma vez meu amigo Fábio me pediu pra dar opinião sobre um livro, acho que era o primeiro da Clarah Averbuck. Não lembro mais nada do livro, só lembro que o classifiquei como literatura algodão doce: a gente coloca um pedação na boca, ele se dissolve instantaneamente, não sobra nada mais do que um gostinho bom e fim. Não alimenta, não sacia, mas é gostosinho. Muito diferente de um finíssimo pão de ló, de um divino macaron ou de uma angelical madeleine, a propósito, imortalizada por Proust. Mas, assim como não dá pra viver só de algodão doce, também não dá pra viver só de pão de ló. A sabedoria está na diversidade, na variedade do cardápio. Da mesma forma como acontece na vida, tenho pena dos diabéticos ou dos que vivem de dieta, necessária ou forçada, que não podem se dar ao prazer de um doce inconsequente de vez em quando. Sem pretensão alguma. Um dia, aliás, falarei sobre o que penso desse mundo funcional em que vivemos.

O que acontece com livros, acontece igualmente com música, cinema, teatro e todas as outras artes. A partir do momento em que alguma coisa faz muito sucesso, lá vem o grupinho de críticos torcer o nariz, fazer cara de nojo e revirar os olhos de pura náusea numa atitude mais do que pedante.

Como disse, condordo plenamente com o fato e compreendo quem diz: li e não gostei, ou nem li porque o tema não me atrai. Eu já não gostei de best-sellers planetários. Aconteceu recentemente com Melancia, da Marian Keyes e também com Tolkien e a trilogia O Senhor dos aneis. Fiz algumas tentativas de leitura, mas não rolou. Isso não muda o fato de que há milhões de pessoas no mundo que leram e gostaram desses livros. Viveram momentos de prazer descarado.

Não tenho preconceitos. O jornalista tem razão, tempo é precioso e não dá pra desperdiçar lendo o que não nos agrada. Se começo um livro e ele não me encanta, abandono sem remorsos. Por mais clássico que seja, não perco meu precioso tempo. Deve ser coisa da minha alma vampira, insensível. Às vezes era só questão de momento errado e, numa segunda chance, passo a devorar o que antes me foi intragável. Foi assim com Madame Bovary e também com Cem anos de solidão. Com outros o abandono foi definitivo. Aconteceu com Ulisses, de Joyce. Esse não me pega mais e eu aprendi a ler aos quatro anos de idade, requisito citado pelo jornalista do blog para chegar a compreender Joyce. Simplesmente não gostei. E pronto.

O que mais me encanta na minha maneira de ser é a minha mais completa e irrestrita LIBERDADE: recuso Joyce e me entrego a Meyer sem medo de ser feliz!

Podem se armar de água benta e dentes de alho contra mim, eu não me importo! Minha alma de leitora é imortal...

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Pra quem ficou curioso com o tal post, aqui vai o link.