segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Sai de baixo, piiiiiiiiii!

Esses dias eu estava lendo o blog da minha amiga Carol e não pude deixar de me sentir solidária a ela ao conhecer suas idéias sobre TPM . Na minha recém-inaugurada série de escritos sobre os grandes tormentos da humanidade não poderia faltar um tratado científico-psicológico sobre este, que é o maior tormento da vida de uma mulher, e de seus filhos, e de seu marido, e da sua mãe, aliás, de toda a sua família, mas também de suas amigas e amigos, até mesmo do seu amante, se ela por acaso tiver um! Para falar bem a verdade, ninguém escapa da fúria de uma mulher com TPM! Do pipoqueiro ao açougueiro, do padre ao verdureiro, é uma verdadeira chacina!

Ouvi dizer que na Inglaterra, no caso de uma mulher cometer um crime, a TPM pode até ser usada como atenuante. Se essa pobre coitada conseguir provar que estava em período pré-menstrual, o crime ganha uma certa complacência do juiz. Sabendo disso, perdi a conta de quantas vezes quis cruzar o Canal da Mancha quando morava na França, só para poder encher de bolacha a cara de um inglês qualquer. Ele até podia usar de acompanhamento no seu fleumático five o’clock tea se quisesse!

Desde que dei uma passada pelo blog da Carol, fiquei pensando que devia eu também descrever esse tormento. Dar meu depoimento, contar minha triste história, dizer às mulheres do mundo que sou solidária a todas elas nesse sofrimento.

Mas então, uma coisa extraordinária aconteceu... Vagando por um sebo no centro da cidade, sem querer derrubei minha caneta no chão. Quando me abaixei para pegá-la, vi um caderno empoeirado, caído embaixo de uma estante. Não resisti! Peguei o tal caderno, assoprei a grossa camada de poeira que havia sobre ele e abri cuidadosamente suas folhas. Era um diário! Páginas e mais páginas preenchidas com uma letra redonda e miúda. Não sei vocês, mas eu adoro romances epistolares (feitos só de cartas). Da mesma forma, adoro histórias que contêm diários, bilhetes e coisas do gênero. Tenho sensação de estar olhando pelo buraco da fechadura, descobrindo segredos. Por isso encontrar aquele diário me deixou animada. Era um diário de verdade! Uma pessoa de carne e osso tinha escrito tudo aquilo! Um diário é quase um Big Brother literário, vocês vão concordar comigo.

Folheava ao acaso o caderno quando um papel solto e dobrado ao meio caiu no chão. Continha um texto pungente, tocante, quase poético. O diário era de uma mulher, não havia dúvidas. Aquela página estava sem data, mas nem precisava! Ele descrevia suas experiências e sensações num dia em plena TPM. A identificação foi imediata! Eu não poderia ter encontrado palavras melhores para explicar aquilo tudo pelo que ela tinha passado! Nem preciso dizer que comprei imediatamente o tal diário.

Essa mulher, cujo nome eu ignoro porque a capa foi arrancada, descreveu perfeitamente tal suplício. Eu jamais teria feito melhor, por isso peço a permissão de vocês para transcrever aqui essa página solta.

Aviso de antemão às almas mais sensíveis que o vocabulário que ela usou é... como dizer, duro, direto, sem meias-palavras. Se alguém se sente desconfortável com esse tipo de linguagem é melhor nem continuar a ler esse post. Mas acho que todas as mulheres sentirão uma espécie de identificação...

Ah! Se você tem menos de 18 anos, também recomendo parar a leitura... Sei lá...

A não ser, é claro, que já seja uma mocinha. A partir do dia em que menstruamos a primeira vez, passamos a ter o direito até de cometer crimes! Temos todo o direito de dizer o que quisermos, do jeito que bem entendermos!

Lá vai!

Querido e amado diário,

Mas por que é que a gente tem essa PORRA, essa BOSTA, essa MERDA dessa TPM?!!!

Ontem eu quase peguei a caneta para escrever por aqui meu bilhete de adeus!

Depois de DIAS tendo só uma entre duas escolhas possíveis: matar ou morrer, decidi que deveria preservar a integridade física, pelo menos das pessoas da minha família, e fui para o parque Barigüi (o dia estava lindo).

2Km antes de chegar na entrada do parque já comecei a me perguntar porque CARALHO existe tanta gente no mundo, e o pior: por que aqueles LAZARENTOS todos decidiram ir ao parque NA MESMA HORA QUE EU, CACETE?!!!

Tive de estacionar no QUINTO DOS INFERNOS e caminhar até o ponto que eu mais gosto do parque que é no extremo oposto do lugar onde tinha achado vaga. Só que tinha MILHARES de pessoas lá! Gente namorando, crianças correndo, velhinhos de bengala: POR QUE ESSA GENTE TODA NÃO FICA CONFORTAVELMENTE EM CASA, PUTA MERDA?!!!

Vão namorar numa cama que é lugar quente!

Ponham essas crianças na frente da TV pra elas pararem de encher o saco!

E essa velharada toda, enfiem num asilo com Rivotril na veia, assim eles ficam babando e não vão ao Barigüi num domingo de sol atrapalhar a minha CRISE DE TPM, MERDAAAAAAAAAAAAAAA!!!!!!!!!!!!!!

Por sorte deles eu saí desarmada! Nem mesmo um cortador de unhas! DROGA!

Andei, andei, andei.... Sentei embaixo de uma árvore, DE COSTAS para a pista de cooper, de frente para o lago, de um jeito que as únicas pessoas que eu seria capaz de ver eram aquelas que quisessem cometer suicídio! Se passasse pela minha frente eu jogava! E tem jacaré naquele lago!!!

Fiquei mais de uma hora sentada embaixo daquela árvore! Escrevi páginas e mais páginas de cartas indignadas, chorei baldes de lágrimas. Daí o sol que estava torrando a minha cara se pôs, aquele calorzinho desapareceu, começou a fazer um frio do CACETE e eu tive de ir embora! Peguei engarrafamento (até num domingo, PUTA-QUE-O-PARIU!!!), errei o caminho da padaria, as moças se perderam todas no pedido, mandei meio-mundo à MERDA e voltei ao recôndito do meu lar.

Ao entrar em casa, ouvi imediatamente meus filhos que se pegavam a tapas pra ver quem ia tocar o piano! Fechei o piano a chave (lembrei de tirar as mãos dos dois antes, mas foi no último segundo...), distribui meia dúzia de berros, coloquei a mesa do lanche, arrastei todo mundo pelo pescoço pra mesa a fim de termos PELO MENOS UMA REFEIÇÃO TRANQUILA NESSA CASA! Aí sentei na frente deles e chorei mais 30 minutos. Saíram as crianças, ficou o marido, solidário na alegria e na tristeza e todo aquele BLÁ, BLÁ, BLÁ...

Nessas horas a única coisa que me acalma é fazer alguma atividade manual. Levantei, com a cara deformada, fui para meu quarto de costura, o qual eu tinha colocado na mais absoluta ordem de manhã. Fiz isso porque, geralmente, quando estou em desordem por dentro, botar ordem nas coisas por fora (armários, gavetas, etc.) resolve uma boa parte dos meus problemas! Mas não ontem! Fiquei horas arrumando aquela BOSTA toda! E NÃO ADIANTOU PORRA NENHUMA!

Decidi costurar o acabamento em uma colcha de casal, cujo matelassê eu tinha mandado fazer com uma profissional recomendadíssima. É a primeira colcha de casal que eu faço pra mim na vida e a mulher CAGOU no trabalho! Já na sexta-feira quando fui buscar eu vi que ODIEIIIIIIIIIIIIIIIIIIII aquela linha azul cor de calcinha de PUTA que ela escolheu!

Nem bem tinha começado a costurar, bateu a canseira... Decidi enfiar um comprimido de Valium goela abaixo e me mandei pra cama para pelo menos dormir!!!

Hoje acordei, fui fazer um xixi e................ SANGUE!

Diário, tudo aquilo aconteceu por causa daquele sanguinho no papel higiênico que eu teria beijado se não fosse tão nojento!

Mas por que é que a gente tem de passar por esse tormento todos os meses?!!!

O pior é que ficar SEM não melhora em nada a situação! Ou é gravidez ou é menopausa! Não tem escapatória!!!

Ai ai...

Aliviei...

Sabe Diário, agora estou quaaaaaaase normal de novo...

Ainda estou meio PUTA DA CARA com essas espinhas (SIM!!!!!!!!!!!!!!!!!) e com o número que eu vejo na balança que não abaixa mesmo que eu passe fome (SIM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!), mas sei que esses dois pequenos detalhes também têm ligação direta de fios desencapados com essa tal de menstruação.

Como é que a gente sobrevive a isso?!!!

Ainda bem que eu tenho você, querido Diário, que me escuta e me compreende sem ABRIR ESSA BOCA pra dizer uma única palavra de reprovação sequer. Se pelo menos o resto da humanidade fosse como você eu não precisaria mandar todo mundo TOMAR NO... PIIIIIIIIII!

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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Aviso aos navegantes

Sabem do que senti saudade agora? Daquelas fotos nos livros da terceira série que mostravam umas espumas nojentas nas águas de um rio, com peixinhos boiando, todos mortinhos da Silva. Quem estranhou minha nostalgia esquisita não assistiu ainda ao filme Wall-e.

As crianças de hoje em dia têm muito mais motivos para ter pesadelos apocalípticos do que eu na mesma idade. Sim! Wall-e é um desenho animado, em teoria, diversão infantil. Mas tem muito adulto que deveria assistir. Longe de mim fazer propaganda consumista, mas é que esse filme mostra um futuro que esses dias eu vislumbrei... possível.

Também não tenho a intenção de estragar a história, mas é preciso falar um pouco do enredo.

Wall-e é um robô cuja função é compactar lixo em pequenos tijolos, empilhando-os depois. Super prático e organizado! O grande problema é que Wall-e está, literalmente, sozinho no mundo! Os humanos abandonaram a Terra e vivem em órbita a bordo de estações espaciais. Wall-e anda por uma cidade com imensos arranha-céus e, quando se vê de perto, percebe-se que esses edifícios são na verdade imensas pilhas dos tais tijolos de lixo compactado. Outros robozinhos como Wall-e estão caídos aqui e ali. Só ele sobreviveu porque, devido a algum erro de programação, tem a capacidade de consertar a si mesmo trocando suas próprias peças defeituosas pelas de outros robôs inutilizados. Além disso, como todo bom filme de robôs que respeite a memória de Isaac Asimov, criador das leis da robótica, Wall-e é dotado de sentimento. Coleciona carinhosamente cacarecos que vai juntando nas montanhas de lixo e tem surtos românticos assistindo a velhos musicais... Chega! Não digo mais nada, não conto que o assassino é o mordomo, nem sob ameaça de ser enterrada viva!

Mas a verdade é que ando me sentindo ameaçada. Era uma sensação meio vaga lá pela terceira série, mas vem crescendo com os anos a ponto de ter-se transformado quase numa obsessão: seremos sufocados pelo próprio lixo que produzimos! E o último a abandonar o planeta, se conseguir fazer isso, nem vai precisar apagar a luz. Ela já não existirá mais por falta de recursos para produzi-la! Quimérico? Considerando que a Quimera é um monstro mitológico com corpo e cabeça de leão, além de outras duas cabeças: uma de cabra e outra de dragão, mais um rabo de serpente e que solta fogo pelas narinas, acho até que ela pode ser considerada mansa como um cordeirinho diante do imenso monstro negro e fedorento de lixo que atualmente assombra meus pesadelos.

Semana passada fiz uma organização no quartinho de despejo aqui de casa. Vocês sabem como é, de vez em quando temos de colocar as coisas em ordem, jogar fora o que não é mais útil, guardar o que achamos que será útil um dia, mas que só voltaremos a ver na próxima organização, e assim por diante. Quando acabei, nem mesmo o prazer de ver tudo arrumadinho como os tijolos de lixo do Wall-e conseguiu diminuir meu terror em perceber a quantidade de sacolas plásticas que acumulei em casa em tão pouco tempo. Isso me espantou porque há pelo menos um ano evito o máximo que posso as sacolas plásticas. Carrego uma sacolinha de tecido dobrada na bolsa e vou colocando ali o que compro. Dá para dizer que consigo recusar 90% das sacolas que me oferecem porque, quando esqueço a sacolinha de tecido, o que acontece com uma certa freqüência, devo confessar, aceito a primeira sacola e vou colocando ali o que compro em seguida. Ao supermercado é comum eu levar um carrinho de feira ou sacolas reutilizáveis. Então, como pude juntar aquela quantidade impossível de sacolas plásticas?

Meu desespero foi ainda maior por conta de um texto que li num e-mail desses que rodam o mundo pela Internet em pacotes, pelo menos esses, ciberdegradáveis. Foi uma reflexão, um exercício de lógica muito simples, do estilo como não pensei nisso antes?

Em termos bem genéricos, as primeiras pesquisas que levaram ao desenvolvimento do plástico começaram ali por meados do século XIX. Hoje são inúmeros os tipos de plástico existentes e o tempo que eles levam pra se desintegrarem por completo varia de algumas décadas até infinitos milhares de anos. Vamos considerar uma média bem otimista de 200 anos para a maioria dos plásticos. Considerando que ainda estamos no início do século XXI, de meados do século XIX até hoje passaram-se uns 150 anos. Estão percebendo aonde eu quero chegar? Tirando uma pequena parcela que tenha sido reciclada, quase todo o plástico produzido desde o início até hoje ainda está por aí! Não é assustador? Tenho a impressão de que as pessoas pensam que caminhões de lixo são como cartolas de mágico que fazem desaparecer as coisas. Basta ser educadinho e não jogar lixo nas ruas e pronto! Fim do problema. Mas essa não é a verdade! O civilizado latão de lixo é só o início de um gigantesco problema. Vocês também estão sentindo, como eu, a montanha de detritos crescendo ao nosso redor?

Nem sei mais se foi bom ou ruim refletir sobre isso porque agora olho para este copo de plástico no qual acabei de tomar um suco de mamão como se ele fosse um inimigo prestes a pular na minha garganta e me asfixiar em segundos! O canudinho entrará pelas minhas narinas e a bandeja em plástico rígido golpeará minha cabeça até que perderei os sentidos nesta cadeira cujo assento é feito de uma imitação plástica de palha, sob o guarda-sol cuja cobertura é feita de uma imitação plástica de tecido e... Ei! Preciso interromper meu delírio histérico-ecológico para perguntar a alguém por que diabos poliméricos é necessário esse guarda-sol se estou dentro de um shopping center coberto?

Olho para as mesas ao meu redor. As pessoas comem despreocupadamente enquanto eu, em verdadeiro surto bioparanóico, estou imaginando um motim iniciado pelos porta-guardanapos, todos de acrílico, os quais, a um sinal previamente combinado comandarão o levante dos talheres plásticos que voarão descoordenados, atraindo das carteiras todos os cartões, sejam eles de crédito, de débito, de planos de saúde, de locadoras ou de lojas, mas todos com uma coisa em comum, ou seja, feitos de plástico! Tais cartões partirão em violenta revoada, abrirão e farão com que os imensos cestos de lixo vomitem os restos imortais de milhares de refeições fast food que de fast só têm mesmo a decomposição da food.

Aliás, experiência interessante a ser realizada: entrar no MacDonald’s e comprar um lanche da promoção. Em seguida separar cuidadosamente o conteúdo da bandeja em dois grupos. De um lado o que é comida e que vai, em pouco mais de 24 horas, se transformar em... bem, vocês sabem no que a comida se transforma! De outro, todos os papéis e plásticos resultantes dessa saudável refeição: a caixinha do sanduíche, a embalagem da batatinha, os saquinhos plásticos que guardam os dois guardanapos de papel, os próprios guardanapos, o canudinho acompanhado do papel que o embala individualmente, os saquinhos que guardam porções igualmente individuais de temperos nem sempre consumidas, mas sempre jogadas fora e, no caso de uma refeição infantil, também aquele brinquedinho, na grande maioria das vezes inútil e muito menos interessante do que parecia na propaganda, às vezes com luzinhas coloridas, portanto, contendo pilhas altamente tóxicas quando jogadas no lixo. Em resumo, tudo aquilo que vai demorar pouco menos de 24... séculos até ser consumido totalmente!

A competição na corrida da desintegração é injusta! Aquela comida vai rapidamente virar um mísero cocô e, assim mesmo, nem toda ela terá esse nobre destino já que boa parte vai se alojar na cintura do comensal, enquanto aquele lixo vai se instalar confortavelmente em algum aterro sanitário per omnia seculum seculorum. Um dia esse aterro ultrapassará, em altura, o Everest!

Quando esse dia chegar, teremos novos e interessantes esportes radicais, quiçá participantes dos Jogos Olímpicos. Escalaremos picos de montanhas de garrafas PET, faremos rafting em mal-cheirosas corredeiras de chorume, praticaremos rapel em falésias de velhos eletrodomésticos amontoados e executaremos emocionantes saltos de bungee jump nos cânions formados de pneus empilhados. Evidentemente precisaremos de máscaras de gás para evitarmos os exames anti-dopping contra os vapores alucinógenos que aspiraremos em ambientes tão bucólicos.

Nem Stephen King, mestre das histórias de horror, imaginou cenário igual!

E olhem que estou me concentrando só no lixo que não é biodegradável. Nem estou mencionando o gasto de energia para produzir tudo isso.

É por esse motivo que um filme como Wall-e deveria ser executado repetidas vezes, até a exaustão, em todas as TVs de plasma que substituem rapidamente as antigas e obsoletas TVs de tela plana, produzidas há longínquos dois anos. Essa tralha inútil aguarda lentamente a desintegração daquelas outras TVs, verdadeiros dinossauros tecnológicos, cujas imagens eram produzidas por tubos de raios catódicos.

Falando em tubos, uma vez abri um tubo de pasta de dentes e vi que ele tinha uma minúscula película de papel metalizado que deveria ser retirada. Para que? Evitar contaminação, alguns se apressarão em me explicar. Imediatamente imaginei o que aconteceria nesse mundo ideal e asséptico se a população de um país como a China tivesse também acesso a tubinhos de pasta de dentes com aquela película protetora. Um bilhão de pessoas usando, digamos, um tubinho de pasta de dentes por mês! Vamos esquecer o destino do próprio tubo vazio, e vamos pensar nas 12 bilhões de películas de papel metalizado atiradas displicentemente no lixo que serão acumuladas no prazo de um ano. Será um belo espelho para refletir os raios solares e mandá-los de volta ao espaço evitando, assim, que o último chinês a abandonar a Terra tenha de também apagar a luz do sol!

A cada item descartável de conforto com o qual me deparo, penso: e se todas as pessoas do mundo tivessem acesso ao mesmo conforto? Minha pergunta foi respondida em um programa de TV sobre meio-ambiente a que assisti há alguns anos. Saibam vocês que, para que todas as pessoas do globo tivessem uma vida com os mesmos e civilizados recursos disponíveis nos países do primeiro mundo, seriam necessários SEIS planetas Terra! Como não existem seis planetas Terra nesta minúscula galáxia em que somos condenados a viver, aparentemente é um só mesmo, vamos reconhecer que nosso conforto será responsável pela nossa maior fonte de desconforto num futuro que receio não estar muito distante. Para vivermos todos como no primeiro mundo, descobriremos que este era, na verdade, o último mundo disponível e que nós o teremos assassinado sob uma grossa camada de lixo!

Assustador é verificar que se considerarmos as opções de solução que temos seremos obrigados a decidir entre o ruim, o horrível e o inaceitável!

A humanidade começou pelo inaceitável. Imitando a Criação Divina, inspirou-se no avestruz e decidiu enterrar o lixo, mandando, literalmente, a sujeira para baixo do tapete de água ou de terra que cobre o planeta. Não demorou nem um século para perceber que não daria certo. Como são rápidos os humanos!

Passou, então, a considerar o horrível. Nova inspiração na Criação para implantar uma verdadeira idéia de jerico: mandar o lixo para o espaço! O negócio é que, vejam como é perfeita a Natureza, tudo o que sobe, desce. Chegaria o dia em que teríamos não mais chuvas de meteoritos em forma de românticas estrelas cadentes, mas sim, chuva de detritos. Não existiria guarda-chuva, nem mesmo com cobertura de plástico super rígido, que nos protegesse de uma sapatada na cabeça, quando esse sapato viesse do céu na velocidade da luz!

Chegamos, enfim, à opção pelo ruim. Mais uma vez inspiração na natureza, especificamente nas árvores que transformam gás carbônico em oxigênio, ou seja, fazem reciclagem. Ruim? Ruim sim, Senhores! Eu também me espantei quando ouvi essa opinião pela primeira vez, mas fui rapidamente convencida pelo seguinte argumento: o gasto de energia necessário para reciclar o lixo é tão grande, se não for maior, do que aquele necessário para produzir tal lixo!

Então não há solução possível? Nossa saída será mesmo uma plataforma de lançamento espacial, deixando a Terra para as baratas, teoricamente as únicas a sobreviverem? No filme Wall-e uma simpática baratinha é o único ser vivo a compartilhar com ele a cidade. Não sei vocês, mas para mim baratas só conseguem ser simpáticas em filmes de animação. Mas, no caso do Wall-e, o filme acabou sendo de desanimação com o futuro que nos espera.

Entretanto, acredito que há uma solução que a meu ver ainda deixa ter alguma esperança: não consumir, produzir menos e preservar mais, não criar o lixo que, se não existir, vejam que maravilha, não precisa ser reciclado!

Acabei de me lembrar de um outro terror de infância: a abertura de uma antiga novela chamada Sinal de Alerta, exibida pela Rede Globo nos anos 70. Da trama não tenho qualquer recordação, mas a abertura mostrava um mundo em que todos seriam obrigados a usar máscaras por causa da poluição. Infelizmente os prognósticos hoje são bem piores do que os de 30 anos atrás: não há máscaras que nos ajudarão a respirar se formos obrigados a nadar em um mar de lixo!

A responsabilidade é de todo e qualquer ser humano sobre a face desse planeta que, por enquanto, ainda é de terra e água. É aquela velha ladainha recitada por todas as mães do mundo: se cada um fizer a sua parte... Eu tento fazer a minha com os pequenos gestos que consigo incorporar no meu quotidiano. É peso na consciência, eu sei. Como carrego dentro de mim uma prótese de silicone, estou consciente de que eu mesma não sou mais biodegradável, então tento compensar de alguma forma. Mas é evidente que grandes meios de comunicação conseguem atingir muito mais corações e mentes do que uma simples cidadã como eu, receosa de que logo, logo não conseguirá ficar verde nem mesmo de inveja dos seres que habitarem planetas nos quais ainda será possível viver.

Que outros meios de comunicação tenham iniciativas como a dos roteiristas, produtores e diretores de Wall-e. Eles foram bons, mas ainda não foram perfeitos. Por curiosidade, passei numa loja de brinquedos e vi que até eles, quem diria, sucumbiram ao consumismo e lá estavam os brinquedinhos plásticos com os personagens do filme, acondicionados em embalagens plásticas e à disposição das crianças que brincarão com eles pela eternidade de uma semana, até o lançamento do próximo sucesso de bilheteria com seus novos brinquedinhos plásticos, acondicionados em embalagens plásticas, ...

Por favor, sejamos rápidos! O filme traz uma sugestão de, talvez, quem sabe, um possível final feliz, mas se a coisa continuar como está... Não quero ser pessimista mas acho que nem estação espacial vai conseguir navegar no mar de lixo intergaláctico que gravitará pelo universo!


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domingo, 3 de agosto de 2008

Quando uma palavra só não basta

As línguas têm palavras que são difíceis, às vezes impossíveis, de serem traduzidas. Por exemplo, todo mundo já ouviu falar que nós, descendentes de Camões, temos uma palavra que não existe em outros idiomas: saudade. Não é que as outras pessoas do mundo não sintam saudade. Elas sentem, é claro! Principalmente quando vêm para o Brasil, passeiam pelas praias do Nordeste e voltam pra terrinha deles... Duvido que um norueguês, no meio de uma tempestade de neve, não morra de saudades de uma praia de areias brancas e coqueirais. Nessa situação, além de alguns palavrões, ele vai ser obrigado a usar diversas palavras para explicar o que sente, palavras essas que provavelmente são empregadas também em outros contextos. Nossa vantagem sobre ele é, com uma só palavra, dizer tudo!

Isso não é privilégio nosso, pasmem! Ao aprender outras línguas acabamos descobrindo palavras que dizem o que nós, sucessores de Machado de Assis, precisamos de frases inteiras para explicar. Um exemplo é o verbo dépayser do francês. Se quiséssemos achar um equivalente teríamos de inventar algo como despaisar. Diríamos: Estou me sentindo despaisado; Nessas férias eu quero mais é me despaisar; Fiquei completamente despaisado naquela festa... Não dá.

Dépayser significa mudar de lugar, estar fora do ninho, fora de casa, mudar de ares. Pode ser bom ou ruim, depende do contexto. Quando saímos de férias é justamente o que buscamos: mudar de ares, conhecer o novo, viver o diferente...

É exatamente por esse motivo que alguém sai de Curitiba no mês de julho e enfrenta o tormento de fazer malas, horas de aeroporto, turbulência, lanchinho de avião e se manda pro Nordeste. Para dépayser. Deixar para trás os dias monocromáticos em tons de cinza, a garoa e o frio, para inundar os olhos com apenas três cores: o azul do céu, o verde do mar e o branco da areia. Não é por outra razão que uma foto como essa vai parar na ala surrealista do meu museu particular:



Curitiba? Não! João Pessoa! Bem no fundo vocês NÃO conseguem ver a Ponta do Seixas, o ponto mais a leste de todas as Américas. O que vocês também NÃO conseguem ver é onde termina o azul do céu e começa o verde do mar porque tudo está CINZA! E essa, exatamente essa, foi a minha visão quando acordei no quinto dia de viagem. Enfiei uma roupa preta em sinal de protesto e estava quase para sair quando recebi um SMS de uma amiga: E aí? Já tá bronzeada? Olhei novamente para os meus braços e me lembrei do dia anterior, quando tinha passado horas acompanhando uma divertida corrida de hemácias pelas minhas veias aparentes sob a pele translúcida depois de cinco anos sem ir a uma praia. Praia essa que eu olhava naquele instante, de dentro do carro, para me proteger da chuva torrencial que caía! Piadinha de mau gosto aquele SMS, naquele momento em que eu acabava de dar de cara com outra piadinha ainda mais sem graça, dessa vez de São Pedro.

Respondi o SMS da minha amiga: Bronzeada? Alguém pinchou uma maldição! Quase só tempo nublado. Mentira! De vez em quando chove também!

Mau humorada, reconheço, mas quem não estaria?

Só que turista é turista e, além disso, ninguém tinha disposição para fazer bolinho de chuva nem chocolate quente. Saímos mesmo assim. Fomos ver de perto a Ponta do Seixas, o ponto mais a leste das Américas, aquele que não era possível enxergar da janela do hotel. É o primeiro lugar do Brasil onde se vê o sol nascer isso, é óbvio, quando o céu não está desabando em estado líquido como naquele momento! Nesse lugar existe um farol e, atrás dele, foi recém-inaugurado um museu, centro cultural, obra inconfundível de um dos meus ídolos, Oscar Niemeyer:


Lugar amplo, as rampas laterais usadas para chegar aos andares do museu admirando a paisagem. O prédio totalmente de vidro pelo mesmo motivo. Um mirante no topo de onde é possível ver o mar. Mas nós não vimos nada disso porque ninguém conseguia sequer levantar a cabeça, muito menos abrir os olhos debaixo daquela chuva de vento! Pelo menos posso dizer que já fui testemunha de uma chuva horizontal, tão forte era a ventania. Meu investimento em protetor solar foi, literalmente, por água abaixo. Só não perdi tudo o que tinha investido no meu kit-de-verão-para-o-mês-de-julho porque a novíssima e belíssima canga de araras foi excelente para me secar do banho. De mar? Claro que não! De chuva! E a outra canga que sobrou seca foi extremamente útil. Como saída de banho? Nem pensar! Como echarpe, cachecol, xale, só não foi usada como casaco porque não tinha mangas!

Eu disse que dépayser podia ser usado no bom sentido de novos ares, mas também na situação em que a gente se sente meio peixe fora d’água. Era isso que eu estava procurando! Exatamente isso! Ser um peixe FORA d’água e não DEBAIXO dela como naquele momento!

Há quem pense que o ideal num dia como esses seria flanar num dos templos de consumo que existem em qualquer cidade grande: um shopping center. O problema é que esse foi o programa da véspera, dia em que passamos igualmente debaixo de um toró! Ninguém merece!

Assistindo ao noticiário na noite desse dia, vimos a comovente história de uma família paraibana que se mandou para o Rio Grande do Sul com o objetivo exclusivo de conhecer o frio. Como nós entendemos a sensação deles ao chegarem a Porto Alegre sob sol escaldante e temperatura de 28 graus! Viraram a Terra de cabeça para baixo e esqueceram de nos avisar? Para piorar nosso humor, as notícias que recebemos de Curitiba não foram muito diferentes: sol sem nuvens, temperaturas altas durante o dia e clima ameno à noite. E, para completar, tivemos de ouvir da repórter d TV a previsão para o dia seguinte: Amanhã o sol e o clima seco continuam em todo o país com exceção dessa pequena faixa no nordeste. Tive a impressão de ver um sorrisinho sarcástico na cara dela. Deve ter sido só impressão...

Na hora do desespero a gente sempre apela para o que tiver disponível. Decidi consultar um oráculo. Empunhei um notebook indignada confiando que Santo Google saberia nos informar aonde raios poderíamos ir para fugir da chuva. Dito e feito! Descobri que uma das atrações da Paraíba chama-se Lajedo do Pai Mateus no município de Cabaceiras. Essa região, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia e também de acordo com reportagem publicada no jornal Folha de São Paulo, reproduzida pelo site do governo do estado da Paraíba, tem um dos menores índices pluviométricos do país! Mais de dez meses de sol por ano! Era para lá mesmo que iríamos.

O mais interessante é que, justamente por ser um local onde quase não chove, o lugar é conhecido como... Não vou dizer! Vejam vocês mesmos:

Isso mesmo! Chegamos à Roliúde Nordestina! De acordo com a já referida reportagem da Folha, Cabaceiras é a “cidade favorita de diretores de cinema, por onde as nuvens carregadas de água passam e quase nunca param.” Por isso já foi locação de 22 filmes nacionais, entre eles, o Auto da Compadecida.

E a cidade vem se especializando. Tanto que em maio último foi inaugurado o letreiro que vocês viram na foto anterior e, ainda este ano, Cabaceiras ostentará orgulhosamente sua própria calçada da fama! Só que não serão eternizados os pés e mãos de nossos artistas nacionais, mas sim, dos bodes vencedores da tradicional festa Bode Rei que acontece todos os anos na cidade. Realmente, para quem estava querendo fugir da chuva não podia haver melhor locação para o nosso curta-metragem particular!

Chegando à cidade atravessamos uma ponte que cruzava um laguinho que eu quis fotografar. Pedi para estacionar o carro e, antes de dar dois passos do lado de fora parei imediatamente, completamente chocada! Eu não acreditava nos meus olhos, nem nas sensações na minha nuca, mas naquele exato instante... COMEÇOU A CHOVER! A prova irrefutável está aqui:


Estava chovendo na cidade de menor índice pluviométrico do país, a 200Km de distância de João Pessoa, em pleno cariri! Se Fagner cantava que só deixaria seu cariri no último pau-de-arara, eu confesso que estava topando qualquer meio de transporte, até mesmo disco-voador, se fosse pra escapar para um lugar onde deixasse de sentir pingos de água na cabeça!

E olhem que o risco de encontrar um marciano foi grande. Se Cabaceiras é bom cenário de filmes, o tal do Lajedo do Pai Mateus é perfeito para um remake de Ichtar Uórs com alteração mínima no figurino daquele cabra-da-peste do Darth Vader. É só substituir o capacete pelo chapéu de couro e a espada laser pela peixeira. O local é uma elevação de pedra, de uns 2Km quadrados, coberta de enormes rochas arredondadas que a gente tem dificuldade em entender como é que não descem rolando ladeira abaixo.


Isso é ainda mais intrigante se considerarmos o fato de que a chuva que nos recebeu em Cabaceiras, embora tivesse parado (uma nuvem passageira que com o vento não se foi), voltou a nos recepcionar no exato momento em que botamos os pés para fora do carro no tal Lajedo, 25Km de Cabaceiras cariri a dentro, o que deixou escorregadio o chão. Vocês podem estar aí morrendo de rir e achando que eu estou aumentando as coisas, mas não é exagero, nem invenção! A canga usada pela minha mãe como proteção da chuva, além dos respingos na lente da máquina não me deixam mentir:


A chuva ainda foi e voltou algumas vezes nesse dia de aventuras por estradas improváveis, passando por locais impossíveis, que não estavam nem no GPS. Literalmente! O importante é que, além de conhecermos lugares interessantíssimos, tínhamos nos afastado de João Pessoa, cuja previsão dos sites meteorológicos era das mais úmidas: tempo nublado e chuva o dia todo!Nossa vantagem foi ter episódios esparsos de chuva e não aquele clima horrível da primeira foto que vocês viram.

A previsão para o dia seguinte era um pouco melhor e realmente o sol decidiu deixar as gracinhas de lado e, enfim, dar as caras no Nordeste. Como estávamos no extremo leste do país, fomos os primeiros a encontrá-lo pela frente. Que alegria!

Foi só por isso que eu não surtei completamente com o seguinte papinho de elevador, cujo assunto é sempre o mesmo de norte a sul do país: meteorologia!

- Bom dia.

- Bom dia.

- Tá difícil de acertar no programa, né? Eles prevêem chuva, mas faz sol. Hoje previram sol. Será que se confirma?

Achei que tinha entendido errado!

- Como assim? A previsão para ontem era de chuva e quando saímos estava chovendo mesmo. E muito!

- É verdade... Choveu ali pelas 8 da manhã, mas depois parou, abriu sol e fez um tempo ótimo o resto do dia. Se hoje já começou com sol, vamos torcer para que eles acertem dessa vez, né? Ah! Eu desço aqui. Até mais...

Ainda demorei alguns andares para conseguir recolher o queixo que estava caído na altura da cintura, mais ou menos. Então aquela nuvem que nunca pára em Cabaceiras nos acompanhou o dia todo? Se eu descobrir quem foi o invejoso que nos pinchou a tal maldição...

Bem, a verdade é que nosso pé-quente foi mais forte e os últimos dias da viagem foram só de sol, céu e mar. Até consegui me despaisar completamente, dessa vez no bom sentido, e ver da minha janela a Ponta do Seixas:


Vai deixar saudades...

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