sábado, 29 de dezembro de 2007

Ressuscitem o Einstein!

Essa semana foi aniversário da Ana Luíza e eu fiz uma festinha pra ela. Foi tudo completamente de última hora, um dia eu conto essa história por aqui. Mas os eventos dessa semana me fizeram lembrar de uma outra ocasião, toda improvisada, que foi o nosso casamento. Não foi o Einstein quem disse que o tempo é relativo? Relativamente à nossa eterna falta de tempo, até que tudo dá certo no final...

Conheci o Vidal na faculdade: eu estava no último ano e ele era meu professor. Começamos a namorar em junho e, um mês depois, já tínhamos decidido que casaríamos no ano seguinte. Vapt-vupt! Somos super decididos. O que não somos é organizados...

Nessa época ele trabalhava durante o dia numa empresa de telecomunicações e, à noite, era professor. Eu mesma trabalhava o dia todo, além de estudar à noite. Dá pra imaginar que não tínhamos muito tempo para nos encontrar. Nosso namoro acontecia sempre depois das 23h30.

Trabalhávamos na mesma área e, além de nossos próprios empregos e do meu projeto de fim de curso, começamos a fazer uns bicos pra ajudar a pagar a lua-de-mel. Nosso tempo, já escasso, diminuiu ainda mais!

Nos casamos em julho de 1994 e foi nessa época que o, digamos, ligeiro excesso de atividades provocou umas situações... Vocês vão saber de tudo!

Na época do casamento eu trabalhava como programadora, dava aulas de informática num colégio de ensino fundamental e também era professora na faculdade na qual havia me formado (fora isso, eu estudava piano e ainda encontrava tempo para fazer bordados em ponto cruz).

Diferente de outras noivas, pra mim o dia do casamento não era o que de mais importante poderia acontecer. O Vidal também não se importava muito com isso. O essencial é que nos casaríamos e estaríamos sempre juntos. Por isso a gente não se preocupou com todos os detalhes da festa. Na verdade, nós nem queríamos uma recepção, uma cerimônia na igreja estava de bom tamanho. Cheguei até a sugerir pros meus pais que, se era para eles gastarem numa festa, eu preferia receber em dinheiro e aproveitar na lua-de-mel. É claro que eles não concordaram e houve uma recepção simples, num restaurante aqui de Curitiba.

Não fizemos convites impressos. Em vez disso, ligamos pessoalmente para as pessoas que queríamos convidar, o que tomou um certo tempo. O resultado prático foi que, como ninguém tinha nosso endereço, a maioria dos convidados levou o presente no dia do casamento e tivemos que espalhar tudo nos carros de quem estava por lá pra poder levar pra casa.

Uns quinze dias antes do dia “D”, minha mãe perguntou:

- Você já comprou seu enxoval?

- Enxoval?! Ah é! Tem isso!!!

Fui com ela nas casas Pernambucanas num horário de almoço e comprei três jogos de lençol, três jogos de toalha de banho, duas toalhas de mesa e um cobertor. Isso tudo nos trinta minutos que eu tinha de folga.

Uma semana antes do grande dia, eu estava calma como fios desencapados numa poça d’água. Tudo bem que eu não me importava muito com cerimônia e essas coisas. Mas toda hora alguém me lembrava de algum detalhe que eu tinha esquecido, mas, como não anotava nada, esquecia de novo pra lembrar novamente num momento em que eu não tinha caneta nem papel, isso sem falar no trabalho (vários, aliás) que exigia algumas providências antes de partir para a tranqüilidade da lua-de-mel... Foi bem nesse climão, numa sexta-feira, fim de tarde, que tocou o telefone. Era da agência de viagens que estava cuidando dos nossos dias de descanso pós-núpcias:

- Oi Juliana. Olha só, acabei de saber que o visto de vocês para os Estados Unidos foi negado. Como não tem esse visto, o do México também não saiu. Vocês vão ter de ir até São Paulo na segunda-feira para uma entrevista no consulado.

- Meu Deus!!! Mas e se a gente não conseguir os vistos, dá pra trocar o pacote?

- Eu vou verificar isso, mas vocês têm de ir pra lá de qualquer forma.

- Claro, claro!

Coisa fácil de resolver: última semana de aula na faculdade, todas as provas pra aplicar, corrigir, lançar notas. Sem contar os preparativos das bodas, que não eram grandes, mas que tomavam tempo de qualquer forma... Tudo bem, a gente não tinha escolha mesmo. Domingo à noite pegamos um ônibus, arrumadinhos pra impressionar no consulado, com nossos documentos e... um pacote de provas cada um! A gente tinha de entregar as notas antes de sair e a viagem, que a gente esperava que acontecesse, seria no domingo seguinte. Isso sem contar o próprio casamento no sábado. Não podíamos estar mais tranqüilos e serenos...

Chegamos no consulado às seis da manhã, noite escura ainda e a fila já era imensa! O pior é que tinha uns espertinhos que entravam na fila, esperavam que alguém chegasse, diziam que iam sair um pouquinho e pediam para guardar o lugar. Só que eles faziam isso em vários pontos e depois vendiam o lugar para quem chegava mais tarde. Isso fez com que a fila crescesse mais na nossa frente do que atrás de nós. Chama o Einstein de novo! Não dizem por aí que um corpo não pode ocupar dois lugares no espaço ao mesmo tempo? Aquele povinho esperto tinha dado um jeito de burlar essa lei!

Enfim, conseguimos entrar no consulado. Antes de sermos atendidos, vimos o visto ser negado pra uma freira e pra um pai que queria mandar os filhos pra Disney. Barraco. Lágrimas e ranger de dentes. O climão só ia aumentando. Estávamos na faixa dos vinte anos, a idade exata de quem vai tentar a vida fora. Se nem uma representante do Altíssimo tinha conseguido o visto, será que nós, pobres pecadores, conseguiríamos?

Chegou a nossa vez e fomos entrevistados por um americano pra lá de antipático. Nunca fomos tratados com tanto desprezo. Quase tivemos de implorar: “Pelo amor de Deus! Deixa a gente ir gastar nosso dinheiro no seu país!!!” Só que esse tipo de súplica deu pra ver que não funcionava. Pelo menos, não funcionou com a freira...

Demos sorte, o antipático foi com a nossa cara e nos deu o visto... Só que a gente só podia pegar os passaportes no meio da tarde e ainda era de manhã. Subimos a rua do consulado até a Avenida Paulista e entramos em um Shopping Center. Aproveitei para comprar o sapato pro casamento, já que não tinha ainda tido tempo para isso e casar de havaiana não dava, né?

Tínhamos tempo, não pra passeios românticos pela cidade da garoa, é claro. Cada um de nós pegou seu pacote de provas e nos sentamos em uma mesa da praça de alimentação do shopping pra corrigir. Com certeza, pra nós o padre teria de dizer: “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza e do início ao fim do ano letivo, ou seja, com e sem provas pra corrigir”.

Deu o horário e voltamos ao consulado buscar nossos passaportes. Ainda passamos pelo momento tensão do dia quando fomos seguidos por um tipo estranho. Mas naquela época ainda tínhamos tempo pra ver filmes policiais, sabíamos exatamente o que fazer. Nos escondemos sorrateiramente numa locadora e o meliante foi embora. Já pensou se ainda por cima fôssemos roubados?

No dia seguinte enfrentamos o consulado mexicano. Quanta diferença! Um monte de gente, só que dessa vez, uma verdadeira muvuca! Todo mundo apinhado no jardim de uma casa. Um segurança do consulado, de uniforme e “bigodón”, ficava gritando ordens em portunhol pras pessoas: “Documientos na mão todos! Un de cada vez! Fila, fila, por favor!” Nem um único ser vivente naquele lugar estava de bom humor. Nem os da fila nem os que estavam fora dela. Início de copa do mundo. México jogando. Eles olhavam mais pra televisão do que pros papéis que tinham de analisar... Enfim, conseguimos também esses vistos e voltamos pra Curitiba.

Chegamos na quarta-feira feira de manhã, dois dias antes do casório, e ligamos para a agência informando que tudo tinha dado certo! Não tinha celular naquela época, tentamos mas não conseguimos ligar de um orelhão ainda em São Paulo. Como é que a gente vivia sem celular?!

Na quinta-feira à noite eu recebo uma ligação do rapaz que a gente tinha contratado pra tocar na igreja:

- Oi Juliana. Eu fiz uma verificação dos momentos da cerimônia em que eu tenho de tocar alguma coisa e vi que faltam algumas músicas naquela lista que você me passou.

- Ah é? Ai Luiz... Faz o seguinte, escolhe você mesmo. Não vai dar tempo de eu ir até aí pra fazer isso. Ah! Mais uma coisa, foi bom você ter ligado: será que dava pra você ir tocar no restaurante depois da cerimônia também? Eu sei que está meio em cima da hora pra te pedir isso, mas eu tinha esquecido do almoço depois e acho que seria legal ter uma musiquinha, né?

Ele aceitou. Ufa! Uma coisa a menos pra pensar...

Sexta-feira. Véspera do grande dia. Fui buscar a roupa que havia mandado fazer. Encontrei uma amiga na rua e já aproveitei pra convidar também. Convites por telefone dão nisso. A gente não encontra todo mundo na hora em que liga e acabam ficando alguns sem conseguir convidar. Ainda bem que a gente se encontrou na rua. Deu tempo de sobra!

Minha roupa era um tailleur cor-de-rosa. Não queria nem pensar na idéia de vestido de noiva. Eu disse pra Luíza:

- Eu quero uma roupa que seja assim: eu chego na frente do armário e digo pra mim mesma “Puxa! Amanhã é o meu casamento, com que roupa será que eu vou?”

Ela tentava:

- Mas nem um bordadinho? Umas pedrinhas, um brilhozinho?...

- Não! Nada disso! Quero alguma coisa discreta e prática que eu possa usar depois!

Ela tinha imaginado uma echarpe, do mesmo tecido da camisa, que seria amarrada em forma de laço no pescoço. Só que isso não ficou bom. Eu disse pra ela não se preocupar que eu ia arranjar alguma coisa pra substituir o laço. Como eu tinha um monte de outras coisinhas pra fazer fui deixando pra mais tarde, mais tarde, até que enfim consegui ir a um shopping ver o que eu encontrava. Achei um broche que ficou perfeito! Na verdade, era o único que existia em todo o shopping, o que foi uma sorte. Eu só consegui chegar no Müeller às 21h30 e as lojas fechavam às 22h00... Ainda não existia comércio 24 horas. Como é que a gente vivia sem comércio 24 horas?! Que coisa!

Enfim chegou o sábado! A cerimônia estava marcada para o meio-dia. Levantei e fui ao salão arrumar o cabelo e a unha. Um horário encaixado que consegui por sorte, porque tinha deixado para marcar de última hora e não tinha mais horário disponível!

A maquiagem pedi pra minha sogra fazer. É verdade que ela tinha de arrumar a si mesma também, mas eu achei que ia dar tempo. E deu!

Cheguei em casa em torno das 10h30 e liguei pro Vidal. Ele tinha saído para comprar um chuveiro! Chuveiro esse que o pai dele ainda ia instalar, pro povo poder sair limpinho. Fiquei furiosa! Durante todo o tempo de namoro e noivado ele tinha chegado atrasado aos nossos compromissos, sempre por causa da enorme quantidade de trabalho que tinha para fazer. No dia do nosso noivado ele chegou atrasado pro jantar por conta de uma reunião. No dia do meu aniversário ele chegou depois da meia noite porque tinha ficado atendendo alunos na faculdade. Diante disso, eu tinha avisado que, se ele chegasse atrasado no dia do casamento, eu não casava! E eu tinha acabado de descobrir que, uma hora e meia antes da cerimônia, ele tinha saído para comprar um chuveiro?!

Me arrumei e fui para a igreja meio cabreira. Chovia torrencialmente (para meu total desespero!). Cheguei lá e soube que o Vidal ainda não tinha aparecido.

Parênteses. Só pra eu confirmar, geralmente não é a noiva quem atrasa?! Fecha parênteses.

Esperei uns dez minutos dentro do carro, já começando a ficar irritada, quando, enfim, soube que chegou o noivo, meio esbaforido. Depois ele me contou que o atraso aconteceu por conta de um padrinho que morava em Ponta Grossa e que não sabia o caminho da igreja. Ligou quando eles estavam saindo e pediu pra esperar. Pensei que realmente teria sido mais fácil se a gente tivesse mandado fazer convites impressos...

Enquanto eu esperava que a chuva diminuísse um pouco para eu poder sair do carro sem me afogar, olhei para a minha mão direita e vi que ainda estava com a aliança! Chamei meu irmão e pedi pra ele levar a minha pro Vidal e me trazer a dele. Ainda bem que os dedos da mão direita são maiores do que os da esquerda e ia servir de qualquer jeito. Tínhamos esquecido de mandar diminuir as alianças.

A chuva deu uma trégua e eu consegui sair do carro. Paramos todos na porta da igreja. E agora, como fazer pra entrar? Quem ia primeiro? Quem ia depois? Não tínhamos pensado nisso e não sabíamos como fazer! Nossa sorte é que tinha um casal de amigos do Vidal que ia casar duas semanas depois e que estava treinadíssimo. Eles tomaram a frente e organizaram a fila: padrinhos da noiva e do noivo intercalados. Abre a porta da igreja, entram os padrinhos. Fecha porta. Abre a porta. Entra a mãe da noiva com o pai do noivo. Fecha a porta. Abre a porta. Entra o noivo com a mãe. Fecha a porta. Abre a p... Espera! A noiva tem que estar do lado esquerdo! Fecha rapidinho. Troca de lugar antes de entrar na igreja. Agora sim, abre a porta. Entra a noiva. Ufa! Até aqui tudo bem.

O negócio é que, como não tínhamos ensaiado nada, todo mundo entrou andando depressa. Principalmente os padrinhos. Ninguém deu um tempo entre um casal e outro então ficou parecendo uma corrida olímpica. A pressa foi tamanha que só temos foto da entrada do primeiro casal de padrinhos. Dos outros não deu tempo de tirar...

A cerimônia correu bem. Quer dizer, na hora em que o padre pediu as alianças rolou um certo stress. Eu não conseguia encontrar a aliança do Vidal no meu bolso! Já estava pensando em virar pra galera e perguntar: “Alguém aí tem uma aliança pra me emprestar?” Mas consegui achar a danada escondidinha num cantinho do bolso. Acho que teria sido melhor ter arranjado uma daminha... No fim das contas, todo aquele ritual tem uma razão de ser!

O almoço transcorreu normalmente, os convidados se divertiram bastante. A gente também.

No final da tarde recebemos nossos vouchers e passagens. Só nessa hora é que ficamos sabendo que, quando a Marlova ligou para a operadora explicando nossa situação e perguntou se poderíamos trocar o pacote caso não conseguíssemos os vistos, a operadora, sem qualquer aviso, cancelou todas as reservas! Quando voltamos, na quarta-feira, ela teve de refazer tudo, sem saber se ia conseguir. Disney em julho é um destino bastante procurado. E tinha a copa do mundo nos Estados Unidos. Aquela que o Brasil ganhou. Ainda bem ninguém confiava no Parreira! A Marlova resolveu mais esse problema sozinha e só ficamos sabendo quando já estava tudo certo. Era adrenalina demais para uma semana só!

Acabou o dia e nós, enfim, teríamos nossa noite de núpcias. Tínhamos ganhado de dois padrinhos uma noite num hotel cinco estrelas de Curitiba. Chique demais. E pra lá fomos nós. Eu levei uma camisola, minha escova de dente, uma escova de cabelos e... um pacote de provas para corrigir! Eu não tinha conseguido acabar tudo. Por isso, no domingo, botei o despertador pras oito e meia da manhã e me atraquei com as malditas provas.

Durante o dia do domingo ainda tive de fechar os livros de chamada enquanto acabava de arrumar a mala. Bota uma camiseta na mala, escreve uma nota no livro. Pega um biquíni, calcula uma média. Não esquece o secador!!! Olha esse aluno que ainda não tem o registro das faltas... Estava correndo pra entrar no avião e ainda fazendo as últimas assinaturas nos livros que deixei pra minha mãe entregar na faculdade no dia seguinte. Segura esse avião aí, gente! Deu tempo, deu tempo...

A viagem foi tranqüila. Ou quase... Tivemos uma pequena discussão ainda nos primeiros dias. Coisa pouca. Nem quebramos pratos na cabeça um do outro! O que aconteceu é que o Vidal ficou sabendo que tinha passado num concurso, mas a entrevista ia acontecer enquanto estávamos viajando e não poderia ser transferida. Ele até tentou me convencer a voltar antes do tempo, mas eu rodei a baiana! Onde já se viu isso? Lua-de-mel só acontece uma vez na vida (assim a gente espera, né?). Entrevistas de empregos acontecem aos montes! Eu tinha ou não tinha razão?

Fora isso, teve só um ameaço de furacão enquanto viajávamos de Orlando pra Miami, em cima da hora de devolver o carro e pegar o avião de volta. A gente, em cima da hora? Que novidade! Ventava e chovia tanto na estrada que chegamos até a pensar que o próprio carro ia sair voando e nos deixar, com sorte, em São Paulo, talvez até, quem sabe, em Curitiba. Mais uma vez, deu tempo e tudo acabou bem. Chegamos no dia 17 de julho, exatamente a tempo de ver o Brasil ser tetracampeão.

E assim foi a história, ligeiramente agitada, do nosso casamento. É claro que todas as confusões aconteceram por que nós dois tínhamos atividades demais e tempo de menos. E vocês pensam que nos corrigimos?

Quatro anos depois do casamento veio o primeiro filho... Acho que sou a única mãe que conheço que passou o último mês de gravidez conversando com o bebê na barriga e dizendo assim:

- Espera só mais um pouquinho, tá? Güentaí. Já, já você sai. Só mais uma semaninha. Peraí, deixa eu ver quando que fica pronto o gesso na sala... É, talvez duas. Três, no máximo!!! Disso não passa, prometo!

Apresentei o projeto de mestrado em 13 de agosto, ali pelo dia 25 acabou a reforma da casa e do quarto do bebê, no dia 30 entreguei um trabalho (um material didático que estava escrevendo pra um colégio), 2 de setembro saí para comprar a roupa que ele ia usar na maternidade, 3 de setembro saí para comprar a camisola e o chinelo de quarto, e, finalmente, no dia 5 de setembro de 1999 o Felipe nasceu!

De lá pra cá as coisas não mudaram muito pra falar a verdade. Deu pra notar no recente, e atribulado, aniversário da Ana Luíza...

Disseram que tem uma tecnologia avançadíssima chamada agenda que ajuda bastante. Inventada pelo Einstein, talvez. Será que um dia a gente aprende a usar isso?

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sábado, 22 de dezembro de 2007

Recordar é viver

Blog novo, problema velho... falta de tempo!

Tudo bem, fui começar um blog perto do Natal é isso que dá! Mas tive uma idéia brilhante! De tempos em tempos vou fazer uma sessão "Recordar é viver" com posts do meu blog antigo. Todos os meus quatro leitores já conhecem, mas pode ter gente nova passando por aqui, né?

O post foi escolhido hoje em homenagem à minha nova amiga Mariane, que é ginecologista. No Brasil, felizmente!!! Vocês vão ententer essa observação no fim da história...

Ela foi publicada originalmente em 21 de março de 2004. Somente o título é novo.

Lá vai!

Arca de Noé

Nunca pensei que um dia eu ia contar essa história... Mas o tempo, ah o tempo... Ele cura qualquer coisa.

Bem, tudo aconteceu logo que nos mudamos para cá. Já tínhamos feito nossa inscrição no sistema de saúde francês e precisávamos declarar minha gravidez. A partir do quinto mês de gestação as grávidas têm direito a atendimento 100% gratuito, mas, para isso, um médico precisava atestar o "estado interessante" de madame. E eu também precisava encontrar de uma vez um médico para me acompanhar!

O Vidal teve a idéia de pedir uma dica para sua professora, esposa do orientador, que é brasileira e que teve uma filha na França. Perfeito! Mandou um e-mail para ela explicando a situação e dizendo: "...Não conhecemos ninguém aqui. Não temos nenhuma referência de médico. Achamos um pouco estranho e desconfortável simplesmente procurar um nome na lista e 'voilà, este será o nosso médico!'."

A resposta dela veio logo e foi a seguinte: "Eu posso dar o nome da
minha ginecologista, não sei se ela é obstetra. Eu a conheço há 1 ano e a encontrei pelo catálogo de telefone".

Ainda bem que foi por e-mail, assim ninguém pôde ver nossa cara de tacho. Quando o Vidal mencionou "lista", estava justamente pensando na lista telefônica, que foi exatamente o que a Esther fez. Bem, se deu certo com ela, porque não daria conosco, não é mesmo?

Usei as páginas amarelas pela Internet para selecionar ginecologistas que também fossem obstetras em Saint-Sébastien. A tecnologia é uma maravilha! Em poucos segundos eu tinha uma lista com alguns nomes. Era só ligar para qualquer um deles, já que eu não tinha restrição nenhuma. Quer dizer, quase nenhuma! Na verdade, não tive muita sorte com ginecologistas mulheres na minha vida. E meu ginecologista brasileiro (responsável por toda a família, diga-se de passagem) já nos atende há 15 anos. Preferia que fosse um médico. Eu sei, eu sei, pensamento machista, mas, fazer o quê? O problema é que aqui todos os médicos são chamados pelo sobrenome precedido da palavra "Doutor". Não tem feminino, nem masculino (assim como jornalista em português). Só pelo nome, não dá pra saber se é homem ou mulher. Eu não tinha opção mesmo, então resolvi deixar esse último e pequeno detalhe para lá. Eu já estava escolhendo um médico pela lista telefônica, não é? Peguei o primeiro nome da lista e liguei. Era início de outubro, portanto, eu estava com 28 semanas de gestação. Essa informação eu sabia bem, afinal, todas as vezes que nos fazem perguntas sobre a gravidez eles querem saber de quantas semanas e não de quantos meses a gente está. Eu estava preparada para tudo!

- Bom dia, gostaria de marcar uma consulta com Doutor Sobrenome. (Não lembro qual era...)

- Eu tenho um horário para o dia... deixe-me ver... 6 de março.

Achei que eu tinha entendido errado, afinal, era dia 6 de outubro, a secretária não podia estar sugerindo uma consulta para uma data cinco meses na frente!

- Quando?

- 6 de março.

Era isso mesmo.

- Olha, acho que não vai dar. Eu estou grávida e, em seis de março, o bebê já vai estar com quase três meses...

- Ah! A senhora está grávida. Bem, vai ter de ser uma consulta de emergência então... Deixe-me ver... Não... Não... Não... A Senhora faz questão de ser atendida por Doutor Sobrenome?

"Minha filha, eu peguei esse telefone nas páginas amarelas, você acha que eu faço questão de alguma coisa?"

- Não. Na verdade, não.

- Então eu posso sugerir uma consulta com Doutor Labat (esse nome eu lembro bem... Nunca vou esquecer!). Existe um horário para atendimento emergencial. Qual é o mês da gestação?

"Mês? Como assim mês... Sei lá! Sei que são 28 semanas... Ainda vou ter de fazer conta?"

- Ahn... ("estamos no início de outubro") É... ("o nascimento está previsto para fim de dezembro") Bem... ("dá quase três meses") Hum... ("se uma gravidez dura nove meses, então...") Seis meses!

- Então posso marcar para 7 de novembro às 13h10.

"Esse é o horário emergencial? Se um dia eu estiver para morrer e for precisar de uma consulta de emergência aqui na França vou me lembrar de ligar com um mês de antecedência!"

Chegou o dia sete de novembro. O Felipe estava na escola, o dia estava bonito, eu tomei um banho e decidi ir a pé. Dava uns dois kilômetros da nossa casa até o consultório. Saí com uma hora de antecedência para não me atrasar.

Tive uma certa dificuldade para achar o consultório, mas enfim consegui. Entrei e fiquei na sala de espera... esperando. Tinha mais algumas mulheres e eu fiquei imaginando como seria o médico quando a primeira paciente foi chamada... por uma médica! Bom, quem sabe aquele não seria o dia ideal para que acabasse meu preconceito machista contra as médicas ginecologistas? Tudo foi ao acaso, a começar pela própria médica. Talvez isso fosse a providência divina agindo a fim de me fazer rever meus conceitos. Eu acredito nessas coisas.

Mais de 40 minutos de atraso. Estava começando a me irritar quando chegou a minha vez:

- Madame Martins?

Levantei, vesti meu sorriso mais simpático de brasileira-recém-chegada-na-França e fui até a porta do consultório. O sorriso começou a esmorecer ali mesmo:

- Mas você está grávida!

Fiquei pensando qual seria o problema, afinal, mulheres grávidas procuram ginecologistas, não é? Ou será que no primeiro mundo as coisas são diferentes... Achei que não tinha entendido direito. Ainda estávamos paradas na porta do consultório.

- Sou brasileira. Cheguei na França faz quase dois meses e precisava de uma declaração de gravidez e de um médico para me acompanhar...

- De quantos meses você está?

- Sete.

- Não! Na França os médicos não acompanham as pacientes no final da gravidez! Nesse período você deve procurar um obstetra.

- Sim, mas foi o que eu fiz. Procurei nas páginas amarelas um ginecologista e obstetra.

- Mas eu não sou obstetra.

E nós ainda paradas na porta. Achei que tinha de tomar uma atitude: entrei no consultório! Eu precisava da maldita declaração e, além disso, se eu saísse dali não tinha idéia de onde deveria ir para parir.

Ela não tinha outra alternativa. Entrou atrás de mim.

- Me atrasei um pouco mas o que acontece é que hoje todo mundo que marcou consulta veio.

Pelo jeito aqui os médicos praticam o overbooking como as companhias aéreas. Uma sacanagem pra vender mais lugares do que existem no avião confiando que algumas pessoas vão se atrasar ou desistir. Quando vai todo mundo, os últimos a chegar têm um problemão pra resolver. Eu tinha sido vítima de um overbooking ginecológico. Não acreditei!

Fiquei observando a médica. Um cabelo espetado, mal cuidado, mal pintado. Uma aparência de qualquer coisa, menos de médica. E, depois daquela recepção, decidi que não tinha ido com as fuças dela. Mas eu precisava da declaração. Achei que era melhor continuar sendo simpática:

- Aqui está minha carteirinha de gestante. Meu médico no Brasil registrou todos os exames e os dados referentes a esta gravidez e...

- Como eu disse, na França os médicos só acompanham a paciente até o sétimo mês. Depois você deve se encaminhar para o local onde vai ser o parto. Você já sabe onde vai ser?

- Não! E...

- Não vai ser fácil encontrar um local. Tão próximo assim do parto, não vai ter ninguém disponível para você!

Já comecei a imaginar a cena: eu deitada na cama, com as pernas dobradas, um lençol sobre os joelhos, suada, mordendo uma fronha para abafar os urros e minha mãe gritando para o Vidal: "Traga lençóis limpos e água quente!"... Nunca entendi o porquê da água quente. Será que é para escaldar o bebê quando nasce?

- A data prevista pelo seu médico é 29 de dezembro? Estranho. Estou vendo aqui que pela data da última menstruação a sua data provável de ovulação é (qualquer coisa que eu não lembro agora) e, pelas minhas contas isso daria 5 de janeiro!

- Meu médico me explicou que, como não é possível saber a data exata da ovulação e que a única data certa é a da última menstruação, ele faz os cálculos por essa data. Talvez seja por isso que há uma diferença na...

- Na França nós não fazemos assim. Se a data da última menstruação é essa, então a data prevista para o parto é 5 de janeiro! Mas então você está de oito meses? Eu não poderia estar atendendo!

- Sim, mas eu liguei há um mês atrás. E falei para a secretária meu tempo de gestação e...

- É mas a secretária não pode saber tudo! Ela não pode fazer uma consulta por telefone, não é? Bem, deixe ver o que eu posso fazer.

Vaca! Por que será que alguém chama uma mulher de vaca quando quer ofender? Logo a vaca. Um bichinho de olhos doces, de aparência meiga. Nada a ver com o ser estúpido que estava na minha frente. Ela estava falando de novo...

- Estou vendo aqui que é a segunda gravidez. O parto foi normal?

- Não. Foi uma cesariana.

- Por quê?

- Eu tive uma diabete gestacional. Meu médico me explicou que nessas situações a gravidez não pode passar de 40 semanas. No final desse período eu não tinha nenhuma dilatação e o bebê não estava encaixado, então...

- Na França nós não faríamos isso!

Cadela! Outra injustiça. Se o cão é o melhor amigo do homem, ou seja, alguém que nos escuta, nos compreende, porque a cadela também não seria? Nada a ver com aquele ser, além de estúpido, intransigente que estava na minha frente. Ela continuava a falar:

- O que foi que ele escreveu aqui?! Mas ele não podia ter escrito isso! E os exames de toxoplasmose?

- Eu fiz dois, os resultados estão...

- Aqui na França nós fazemos todos os meses! Bem, vou ter de fazer o exame, não é mesmo? Tire a roupa e sente ali.

Como assim, tire a roupa e sente ali. E a salinha? Nem um biombo? E onde está a assistente? Nem um lençol, nem um aventalzinho? E se essa mulher, que só pertence ao grupo dos humanos por puro acaso, resolver me assediar sexualmente? Eu não fui MESMO com as fuças suínas dela. Mas, enfim, não tinha o que fazer, ou melhor, tinha: tirei a roupa e sentei na cadeira.

Ela começou o exame. Apalpa aqui, aperta ali. Pegou aquele instrumento de fazer o exame de colo de útero e mandou ver. Tudo isso com a gentileza de um hipopótamo macho. Quer dizer, estou exagerando. Um hipopótamo deve ser muito mais delicado.

Nesse momento, as lágrimas começaram a escorrer. Eu simplesmente não consegui me controlar.

Ela terminou o exame. Com aquele barrigão eu tive uma certa dificuldade para sair daquela cadeira, e é claro que fulana nem se dignou a me dar uma mãozinha. Eu chorava quase sem parar e ela nem tinha percebido! Quer dizer, enquanto eu me debatia para sair da cadeira ela notou que eu estava chorando e fez o seguinte comentário:

- O exame te machucou?

- É. Um pouquinho... ("Ah... Pelo menos agora ela ia demonstrar um pouco de compaixão...")

- Estranho!

Virou as costas e foi para a mesa.

Jumenta! Está aí outra injustiça, um bicho útil desses não tem nada a ver com aquele ser, além de estúpido e intransigente, inútil que estava na minha frente.

- Você engordou demais! Isso não está certo.

Piranha! Agora sim! Esse é um bichinho muito feio, que não sabe fazer nada mais do que morder, machucar e irritar muito quem chega perto. Está aí uma ofensa justa!

Eu estava me vestindo, tentando com todas as forças segurar as lágrimas que insistiam em pular dos meus olhos como cachoeiras depois de um temporal. Ela pegou um gravadorzinho e começou a ditar para si mesma:

- A paciente tem 34 anos, segunda gestação, cesariana no primeiro parto, presumivelmente por distocia cervical... humpf! É o que o médico escreveu aqui... Primeira consulta... bem... não sabe em qual maternidade vai ser o parto... hummm... somente dois exames de toxoplasmose... humpf!

Ela desligou o gravador e começou a preencher uns papéis. Eu perguntei:

- Já que não é o ginecologista que acompanha o final da gravidez, que lugares eu devo procurar?

- Você não tem opção. A sua única alternativa é o CHU.

- Ah...

- Aqui estão os exames que você deve fazer. Você também deve ligar para o hospital hoje mesmo e marcar uma consulta. Depois ligue aqui e passe para a minha secretária o nome do médico que vai atendê-la para eu saber a quem devo encaminhar o relatório.

Ligou o gravadorzinho de novo:

- Data presumida do parto para 29 de dezembro... humpf!!! ... é isso o que está escrito no documento que o médico brasileiro preencheu, mas pelas minhas contas o parto deve acontecer em 5 de janeiro...

Nesse momento eu tentei explicar de novo a diferença nas datas, mas eu falar e uma vaca mugir dava no mesmo. Na verdade, acho que se uma vaca mugisse ela prestaria mais atenção. Questão de identificação, né?

O sangue ferveu de vez! "Olha aqui! Quem é você para falar do MEU médico com esse ar de sarcasmo? Ética é uma coisa que só existe entre médicos de um mesmo país?" Levantei da cadeira. "Ele é um DOUTOR DE VERDADE, já que está fazendo um doutorado! É especialista em gravidez de alto risco e sabe MUITO BEM quando é que uma cesariana é indicada, já que ELE SIM, é obstetra!" Avancei sobre a mesa, livros e papéis caíram pelo chão. Estava de dedo em riste, cada vez mais perto da maldita. "E mais! Eu não tenho obrigação nenhuma de saber como as coisas acontecem no seu país, já que cheguei aqui há pouco tempo! O MÍNIMO que você deveria fazer é me EXPLICAR como as coisas funcionam e me ORIENTAR com profissionalismo, já que simpatia eu imagino que seja impossível para você". As mãos já estavam avançando para o pescoço dela. "Você deve ser é uma mal amada! Provavelmente, por causa dessa sua cara horrorosa e desse seu cabelo espetado ninguém quer nem chegar perto de você, sua bruxa!!!". Minhas mãos estavam em torno do pescoço dela. Eu apertava com força mesmo. Nem os olhos esbugalhados e a pele arroxeada em torno da boca escancarada me davam o sinal de que estava na hora de parar e...

- ... cheque ou dinheiro?

- Ahn?

- Perguntei se o pagamento vai ser em cheque ou dinheiro?

"Como é que é? Eu ainda vou ter de pagar por isso?"

- Dinheiro. Está aqui... E a declaração de gravidez?

- O quê? Mas isso deve ser preenchido no quinto mês!

Nem tentei explicar que no quinto mês eu nem estava na França ainda. Não sei latir... Fiquei apenas esperando.

- Vou assinar, mas essa declaração pode ser preenchida por qualquer médico.

E eu passei por tudo aquilo sem precisar? Pensei em me atirar na parede arranhando a face e gritando histericamente, mas preferi levantar e ir embora.

Entreguei o dinheiro, pequei os papéis dos exames e a declaração. Foi meio difícil enxergar com as lágrimas turvando minha visão, mas eu consegui. Antes mesmo de sair do consultório já coloquei os óculos escuros. Desisti de tentar achar bichos para descrever aquela mulher. Os coitados não mereciam aquela comparação. Nem mesmo a cobra!

Saí do consultório, caminhei até uma praça, sentei no banquinho e chorei. Chorei por mais de 40 minutos sem nem me preocupar se tinha alguém observando ou não. Chorei toda a raiva, humilhação e dor pelas quais eu tinha passado. Fiquei imaginando mil vinganças contra a médica: quem sabe uma denúncia anônima por maus tratos psicológicos? Passar com o carro numa poça d'água e encharcá-la de lama (não dava! Naquela época a gente não tinha carro...). Já sei! O computador dela um dia ia estragar, ela ia me pedir uma força e eu ia instalar um anti-vírus desatualizado! Também não dava, ela não usava computador. Ainda por cima era antiquada! Queria pegar o primeiro avião de volta para o Brasil!

Durante esse tempo, eu ficava pensando no Felipe. Ele estava nos primeiros dias de escola e ainda chorava muito para ficar lá. A gente pedia para ele tentar não chorar e ele dizia:

- Não dá. Tem uma coisa aqui dentro e o choro me pega...

Eu nunca o entendi tanto quanto naquele momento. Queria ir lá, tirá-lo da escola e abraçá-lo muito e dizer que ele tinha razão: quando o choro pega não dá pra não chorar. Só que, assim como ele, mesmo com o choro pegando, tinha de ir à escola, eu tinha de ir ao laboratório fazer aqueles exames.

Fui. Todo mundo deve ter estranhado os óculos escuros e o nariz vermelho e inchado. Problema deles.

Voltei para casa a pé. Parei numa confeitaria no meio do caminho. Naquele momento, só muitos doces poderiam aplacar a minha angústia. Uma travessa de brigadeiros, por exemplo. Mas, como os franceses não conhecem o brigadeiro, me contentei com uma bomba de chocolate mesmo.

Aquele também era o dia da primeira apresentação que o Vidal faria para o orientador. Ele estava esperançoso e eu também. Queria que pelo menos alguma coisa tivesse dado certo naquela sexta-feira (que nem era 13). Cheguei em casa e liguei para o Vidal:

- Como é que foi a apresentação?

- Uma catástrofe!

Desatei a chorar de novo. E ainda continuei chorando por causa desse episódio até o dia seguinte. Depois foi passando.

A providência divina tinha decidido me pregar uma peça. De muito mau gosto, é verdade. Mas, para compensar, colocou médicas maravilhosas no meu caminho depois. Tudo bem. Elas diminuíram meu preconceito. Ah! E elas confirmaram todos os procedimentos que meu médico tinha tomado. Só mesmo aquela anta que nem obstetra era é que se achava no direto de criticar.

A apresentação do Vidal realmente tinha sido uma catástrofe, mas também com ele as coisas foram melhorando depois. O tempo, como eu disse, cura tudo e, como vocês podem ver, eu nem fiquei traumatizada com o episódio...

Por falar nisso, tem algum psicólogo de plantão por aí?

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segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sinais do tempo

Hoje, quando acordei e olhei no espelho, me vi com um rostinho de 16 anos.

A cara cheia de espinhas!

Ninguém merece!!!

Que injustiça... Ver ao mesmo tempo a realidade dos quarenta que se aproximam junto com um flashback do pior pesadelo de qualquer adolescente: aqueles pontinhos amarelos que, no meu caso, apareciam sempre que eu tinha alguma festa ou encontro muito importante. O tamanho da espinha era proporcional à importância do evento. Não por outro motivo, na minha festa de 15 anos eu tinha uma espinha no nariz que alguns “amigos” batizaram de A Torre. Pessoalzinho legal aquele...

Na verdade, essa minha realidade dos quase quarenta nem é tão grave assim e, pra ser bem sincera, eu nunca fui contra os sinais da idade. Até que eles começaram a aparecer!

Encarar os primeiros fios de cabelo branco não foi nada fácil. Um belo dia eu me olhei no espelho e percebi um brilho diferente no cabelo. Fui olhar de pertinho e ele estava lá. Abusado. Saliente. Inegável. O fio de cabelo branco!

O primeiro eu arranquei, tudo bem. Mas, mesmo sem ter visto esse filme, eu já conhecia o final e ele não era feliz: tintura!

Comecei com umas luzes. Depois foi uma henna básica. Eu me enganava pensando que era uma espécie de tratamento. Daí passei para o shampoo tonalizante. Coisa pouca. Mas com o tempo não teve mais jeito e o negócio foi partir para coisas mais pesadas: tintura permanente, aquele cheiro de amoníaco, a testa, o pescoço, as orelhas manchados, e as tentativas, infrutíferas, de tentar limpar aquilo tudo. Desde aquele momento eu soube que só teria duas alternativas: a zona generalizada no banheiro ou a conta salgada no salão.

Enquanto eu morei fora do país, quando a única renda da família era em Reais para um orçamento em Euros, a decisão foi fácil: fazer justiça com as próprias mãos! Cheguei até a arriscar luzes em mim mesma. Quer dizer, luzes não. Holofotes! Eu li as instruções direitinho, dizia pra pegar mechas finas a fim de obter um resultado mais natural. Eu achei que tinha pegado mechas finas, mas para meu mais profundo horror, quando lavei e sequei a cabeça descobri que tinha um cabelo castanho escuro na parte de baixo e um capacete laranja fosforescente na parte de cima. E a grana pra comprar outra tinta, só no mês seguinte.

Tempos passados, felizmente! A renda familiar não mudou muito, mas agora pelo menos é em Reais pra pagar contas em Reais, portanto, dá pra encarar o salão.

Quer dizer, vejam só como são as coisas. Nesse exato momento não tenho mais esse dilema! Nem solução caseira, nem rombo financeiro. Fiquei careca por causa da quimioterapia. Uma tremenda economia em tintura... Tudo nessa vida, definitivamente, tem um lado bom!

Mas os cabelos brancos foram só o começo. Veio a gravidez e, depois dela, a queda de cabelo. Tive até saudade dos brancos. Eram brancos mas, pelo menos, estavam lá.

Uns tempos depois, apareceram bigode e barba. Cheguei a pensar que os cabelos estavam caindo da cabeça pra ficarem plantados no meu queixo. Achei aquilo um abuso e procurei um endocrinologista.

Como estava com uns kilinhos a mais também, fiquei numa tremenda esperança de ele encontrar algum probleminha hormonal qualquer que, quando resolvido, acabaria com dois incômodos de uma só vez. Fui pra consulta toda animada. Ele, analisando meus pelinhos com lupa, perguntou:

- Qual é a sua descendência?

- Portugueses e espanhóis, basicamente.

- Ih! Povinho peluuuudo! Não tem problema nenhum, não. É só fazer eletrólise e tudo bem.

Saí arrasada. Não só ia ter de encarar dieta e exercício, como ainda ia continuar barbada! E o que é pior: começaram a aparecer cabelos brancos na barba também!!! O que é que é isso?! O duro é que não era nem em quantidade suficiente pra eu conseguir um empreguinho de Papai Noel no fim do ano. Mulher barbada num circo. Nada! Só aquela coisa ridícula que, se eu deixasse crescer, me faria ficar parecida com o Salsisha, aquele amigo do Scooby-Doo.

Acrescentei mais um compromisso na minha agenda de beleza, além de mais uma conta no meu cartão de crédito: tintura, e também depilação da barba e do bigode. Será que os homens fazem idéia do nosso calvário?

Depois vieram as ruguinhas. Discretas, eu nem percebia. Mas um amigo, muito gentil, um dia me falou: “Nossa! Você não mudou nada. Umas ruguinhas e só!”

Rugas? Eu?! Por favor, chamem o Pitanguy!

Na falta dele, saí correndo pra comprar cremes. Ao redor dos olhos, anti-idade, tira manchas, diurno, noturno, com vitamina C, retinol, colágeno, proteínas... Eu não sei vocês, mas fico completamente perdida numa farmácia diante de uma prateleira de cremes. Cada um tem uma coisa que eu quero, será que a gente pode comprar todos e misturar?

Mas nada se compara à experiência arrasadora de encontrar um cabelo branco... Na cabeça? Não! Na barba? De jeito nenhum. Isso mesmo! LÁ!

Claro que isso não aconteceu comigo. Imagina! Foi com uma amiga... Quer dizer, nem é amiiiiga, é só uma conhecida. Na verdade, conhecida de uma amiga minha. Alguém bem distante... Nem sei porque eu sei dessa história.

Encontrar um cabelo branco na perseguida é uma experiência pra lá de traumatizante. Pra começar a conversa, naquele exato momento ela passa do status de “perseguida” para o de “esquecida”. Automaticamente. Sem dó nem piedade...

Achar um cabelo branco na perseguida é praticamente dar entrada num financiamento pra pagar o asilo.

Não tem como achar um cabelo branco na perseguida e não pensar imediatamente em dentadura, andador e fralda geriátrica. Não dá! Uma coisa puxa a outra, é inevitável.

E ainda por cima, me contaram que nem se deve usar tintura porque, depois de uns dias, os cabelos tingidos “lá” ficam verdes! Pensando bem, no fim das contas, uma perseguida marciana é bem melhor do que uma perseguida anciã, não é verdade?

Eu imagino, como eu disse não foi comigo que isso aconteceu, não, de jeito nenhum, mas eu imagino que uma mulher que acha um cabelo branco na perereca já não anda na rua como antigamente. Fica meio cabisbaixa, tem medo de que esteja escrito em néon na cara: “Pode esquecer, essa aqui já dobrou o Cabo da Boa Esperança. A perereca tá branquela!”

Deve ser por isso que de uns anos pra cá deu a louca na mulherada e elas resolveram que o melhor mesmo era tirar tudo de uma vez. Limpeza total. Até seria uma boa alternativa se, pra isso, não fosse necessário passar pela tortura da depilação. Seja de que jeito for: na cera, com a dor insuportável, ou na gilete, com a coceira intolerável.

É, envelhecer não é fácil mesmo. A verdade é que todo mundo queria chegar aos 90, mas sem sair dos 30.

E pensar que uma vez eu profetizei num cartão de aniversário que escrevi pra uma amiga: nós começamos falando de namorados e vestibular, hoje falamos de trabalho e filhos e acabaremos falando de dentadura e aposentadoria...

Eu só não sabia o que vinha antes disso!

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Um recomeço...

Por que a gente decide escrever um blog?

Na primeira vez eu tinha um motivo bem justo. Estávamos fora do país e eu queria dar notícias nossas sem invadir a caixa postal de ninguém. Mas, e agora? Que motivos eu tenho pra novamente expor minha vida assim?

Vaidade, curiosidade, loucura, exibicionismo... A verdade é que, na selva de blogs que existem por aí não é difícil ficar incógnito! Vamos ver o que acontece com essa nova experiência...

Acho que é bom começar um blog no fim do ano, tem mais chance de ele ir pra frente. Promessas de ano novo, já viu! Morrem antes do fim de janeiro!

Meu outro blog está definitivamente encerrado e jaz nesse endereço http://www.familiamartins.blogspot.com. São as nossas memórias, valem ouro! Mas era um endereço onde eu falava por todos. Achei que para falar por mim eu tinha de criar um novo espaço. Está aí.

Veremos o que vai dar...

Não sei de eu devia ter começado hoje. Em semana de "apagão" eu fico meio sensível, muito melancólica. Nessas épocas, não me reconheço muito... Mas, essas semanas também fazem parte da minha vida nesse momento, não dá pra fazer de conta que não existem. Parece que "eu não sou eu", mas se fico assim então é porque, de certa forma, essa criatura tristinha também está aqui dentro e quer se expressar. Vamos deixá-la falar então!

Mas hoje não... Tem apresentação da Ana Luíza. Minha filhota no palco. Num palco muito especial: no teatro do colégio em que estudei a vida toda! E mesmo depois de tantos anos, sei que ele tem ainda o mesmo cheiro. Vamos lá, às novas emoções desse dia...