sábado, 26 de janeiro de 2008

O passado a nós pertence... e o futuro também!

Ontem eu fui a uma festa de família dessas que a gente não esquece. Bodas de Ouro dos meus tios, muito queridos, Luiz e Zica. Eu sei que eles são leitores fiéis das coisinhas que eu publico neste blog (e isso desde o outro!). Sei que tudo é impresso, acompanhado e comentado. Por isso fiz questão de escrever hoje especialmente pra eles.

A reunião de ontem foi uma volta ao passado e também um vislumbre do futuro!

Incrível perceber o quanto minha vida está misturada à da família que esses tios criaram. Nessa árvore genealógica, nossos galhos estão completamente misturados. Não dá pra separar. Durante as horas em que estivemos juntos, quanta coisa passou pela minha cabeça...

Lembrei da primeira vez em que me aventurei completamente sozinha pelas ruas de uma cidade lá pelos 8 anos de idade. Fui da casa da minha avó até a casa da Tia Zica. Tal como Indiana Jones, enfrentei bravamente as ruas e a distância a serem vencidas. Imagino que deviam ser de 6 a 8 quadras, em Jandaia do Sul, cidade do interior do Paraná que tem, hoje, em torno de vinte mil habitantes. Quantos seriam nos anos 70? Pra mim parecia uma megalópole cheia de desafios! Mas fui. Corajosa. Intrépida. Tinha um objetivo muito claro e urgente em mente. Encarei ruas, carros e distância naquele calor sufocante do norte do Paraná só para chegar lá e dizer: “Tia Zica, tem doce de abóbora com leite?”

Em Jandaia do Sul fazia calor, era sufocante e, justamente por isso, minhas primas, Lígia, Mac, Sílvia e eu passamos tardes maravilhosas “lavando” a calçadinha da frente da casa delas. Jogávamos água, sabão e, com um impulso de pernas, escorregávamos dos degraus da entrada até o portão da calçada. O pano de chão era feito de nossas camisetas e shorts que acabavam da mesma cor da terra vermelha que ainda hoje impregna a cidade. “Lavar” aquela calçadinha era minha principal diversão e eu duvido que tivesse calçada mais limpa em Jandaia naquela época.

Por isso serei eternamente grata ao sempre prestativo e alegre Tio Luiz. Até hoje ele tem solução pra tudo e foi por essa época das limpezas das calçadas que comecei a perceber essa sua habilidade. Para meu mais profundo desespero, uma vez surgiu um machucado no meu joelho esquerdo que me impossibilitava completamente de participar daquela operação. O horror, o horror! Ficar sentada de fora, só olhando? Quem é que pagaria as sessões no psicólogo depois pra curar esse trauma? O machucado, na verdade, era um bichinho qualquer que tinha entrado na pele e infeccionado, não quero nem pensar nos detalhes sórdidos. O que devia ser feito era tirar tudo aquilo de lá. Mas quem disse que eu deixava qualquer pessoa chegar perto? Foi aí que o Tio Luiz veio olhar. Só olhar e... PLUFT! Deu um apertão cirúrgico no meu joelho e em exatos dois segundos tinha saído bicho com tudo o mais. No dia seguinte estava tudo sequinho e eu podia, enfim, deixar brilhando a calçadinha!

Aquela casa de Jandaia do Sul está gravada a fogo na minha memória por muitos outros motivos. Tinha o pianinho branco, lindo, maravilhoso! Com certeza foi ele o responsável por eu ter estudado piano depois. Tinha ainda a coleção de chaveiros das meninas. Entre os itens da tal coleção, um misteriosíssimo chaveiro com um grão de milho dentro. Ficava horas olhando aquele objeto, fascinada, tentando imaginar como aquele grão de milho tinha ido parar lá! Foi também naquela casa que eu provei pela primeira vez uma das maravilhas da culinária dos aniversários brasileiros, o olho-de-sogra! Festa inesquecível, regada a ponche (outra novidade) e embalada pelas músicas da novela Estúpido Cupido.

Depois a família veio pra Curitiba e nossa convivência só aumentou.

Logo de início a Tia Zica me deu um dos maiores tesouros que eu possuí na minha infância: uma caixa de sapatos cheia de retalhos de tecido! Minha boneca Susi ganhou coleções de deixar São Paulo Fashion Week no chinelo, tantos foram os guarda-roupas completos que eu fiz com aqueles retalhos. Ali começou o meu amor profundo e fulminante pelas agulhas e linhas, com certeza!

A vinda das minhas primas pra Curitiba fez com que ficássemos ainda mais próximas. Já não lavávamos mais calçadas, mas fazíamos coisas ainda mais interessantes...

Sílvia, pouca coisa mais velha do que eu, foi companheira de infância e de adolescência. Começamos tendo idéias geniais, tipo fazer pensar que o pinheiro do jardim da minha casa tinha florescido miraculosamente. Arrancamos todas as flores de uma árvore e colocamos no pinheiro. Não sei porque os adultos não acharam muito engraçada a piadinha. Adulto é mesmo muito sem imaginação! Obviamente não agradamos, então abandonamos nossa carreira botânica e entramos na adolescência com incontáveis visitas à feira hippie do sábado de manhã na Praça Rui Barbosa e muitas tardes ao lado da pista de skate na pracinha da sorveteria Gaúcho. No início da juventude criamos uma tradição etílica que durou alguns anos: Sílvia, Denise e eu nos reuniríamos uma vez por ano, geralmente em janeiro, para, como dizer, enfiar o pé na jaca, chamar urubu de ‘meu louro’, entornar o caldo, em resumo, encher a cara!

Agora somos todas respeitadíssimas e seriíssimas mães de família, que nossos filhos não leiam esse post! Mas às vezes, só às vezes, fico me perguntando se devíamos ter interrompido a tradição do Porre das Primas... Quem sabe? Claro que não voltaremos às garrafas de Velho Barreiro, mas um vinho tinto... hummmm Vamos pensar nisso seriamente!

A Mac foi outra responsável pelo meu amor às linhas e agulhas. Eu ficava admirando as coisas maravilhosas que ela bordava e tecia, então pedi umas aulas e foi ela quem me iniciou nas artes do crochê. Não me esqueço de um vestido com rosas vermelhas e saia xadrez cuja parte de cima, a das rosas, foi ela quem ela fez pra mim. Hoje é a dentista de toda a família e eu continuo achando bom quando a gente se encontra, o que só prova a sua competência! Quem é que tem vontade de se encontrar com seu dentista sem ter fantasias assassinas?

Lígia, a mais velha, minha primeira professora de piano! Nem depois que eu mudei de professora nos afastamos. Quando ela foi fazer uma compra de supermercado logo depois de casada, me levou junto e explicou como escolher palmitos de uma forma que nunca mais esqueci. Eu devia observar os palmitos dentro dos vidros e escolher de acordo com a regra que ela recitou em alto e bom som no mercado: “Se estiver pra cima é porque está duro, se estiver pra baixo é porque está mole”. Mesmo com apenas 13 anos na época eu entendi muito bem o olhar escandalizado de uma velhinha que estava do nosso lado. Morremos de rir, mas o fato é que nunca mais errei na hora de comprar um palmito na vida! O tempo passou e a Lígia e o Paulo são hoje nossos grandes e constantes amigos, padrinhos de casamento, companheiros de viagem, de carteado e de vida! Sempre!

Todo esse filme, com muito mais detalhes do que eu posso escrever por aqui, passou pela minha cabeça na noite de ontem ao lado dessas e outras pessoas da família. Há quanto tempo não reuníamos tanta gente pra passar momentos de pura alegria? Gente que eu não via há anos, que a correria ou os caprichos da vida tinham afastado e que estavam lá, comemorando os 50 anos de vida em comum desse casal que soube criar em torno de si tanta harmonia, tanto amor. E fez isso tão bem que as filhas trouxeram para nossa convivência pessoas igualmente legais, o que só poderia dar nos netos gente boa que aí estão.

Por isso eu disse no início que a festa de ontem foi um mergulho no passado e, ao mesmo tempo, um vislumbre do futuro. Fiquei olhando aqueles jovens, adolescentes, crianças e bebês todos correndo, dançando e brincando exatamente como nós, os primos, fizemos nas Bodas de Ouro da minha avó há pouco mais de 25 anos. Naquela ocasião éramos nós o futuro. Hoje somos os pais e as mães que estão criando a nova geração que organizará nossas Bodas de Ouro daqui a alguns anos. O que me deixou mais feliz foi perceber que, por mais que a vida nos leve pra lá e pra cá, nos afaste algumas vezes, nos aproxime outras tantas, por mais que as piadinhas maldosas digam que parente a gente não escolhe e que o melhor lugar para eles é nos álbuns de fotografia, no final das contas temos de nos render totalmente às evidências de que não tem nada mais sólido, maior ou mais importante do que estar com a família!

O que somos hoje é resultado do que foi construído por essa família. Família é porto seguro. Tudo o que eu quero é estar à altura da responsabilidade que temos hoje. Quero que a gente consiga criar para os nossos filhos a mesma estrutura, as mesmas memórias, os mesmos momentos felizes que nossos pais e tios criaram pra nós. Será que conseguiremos?

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Salto alto tem poder!

Há 15 dias tive a prova definitiva de que salto alto faz milagres! Eu já tinha tido uma noção do poder de um salto quando minha intuição me mandou usar um deles no dia em que defendi minha dissertação de mestrado. Correu tudo tão bem que eu nem acreditei. Mas foi só há duas semanas que eu tive a prova irrefutável dessa força.

Uns dias antes eu estava num papinho animado no Orkut, contando para minhas amigas quilteiras que uma das várias lições que tive com esse câncer foi que não podemos esquecer de nós mesmas, jamais!

Quem me conheceu na adolescência e início da juventude vai lembrar: batom e lápis praticamente antes de sair da cama. No mais, era perfume sempre e bijuteria todo dia. Na praia eu usava chapéu de palha com um lenço amarrado. Invariavelmente combinando com a cor da roupa ou do biquíni (herança de Dona Jandyra, minha avó: tudo tem de estar absolutamente combinadinho!). Uma das provas desse meu jeito de ser foi uma passagem que aconteceu no dia do meu aniversário de 15 anos...

15 anos, como todos sabem, é o primeiro na longa lista dos dias ansiosamente aguardados na vida de uma mulher. Deveria existir uma lei que determinasse: o dia do aniversário de 15 anos é feriado compulsório para meninas e suas amigas. É dia de se extasiar com a vida adulta que se aproxima. Dia de passar horas na frente do espelho, de experimentar roupas e sapatos. Dia de exercitar caras e bocas pra depois sair pra dar muita risada e tomar um sorvetão imenso porque nessa idade ninguém se preocupa ainda com gordura localizada e celulite! Pelo menos era assim na minha época, parece que hoje as coisas mudaram...

Mas essa lei não foi promulgada até hoje e no dia do meu aniversário de 15 anos eu tinha de ir pra escola.

Eu jamais saía de casa sem batom, portanto, um mísero batom naquele dia não era suficiente pra marcar a ocasião. Passei um. Achei pouco. Coloquei outro por cima. Ainda estava discreto demais. Fui acrescentando cores, como se quisesse criar um arco-íris na minha boca até que fiquei satisfeita ou acabaram as possibilidades, não me lembro mais. Só sei que fui toda feliz com minha boca rosa-pink-fúcsia-púrpura-magenta-furta-cor para dentro da sala de aula. Meu batom tinha alguns milímetros de espessura, eu praticamente não conseguia falar, mas minha felicidade era tamanha que eu nem estava ligando pra isso. A primeira aula era de Português. Professor Angelino. Inesquecível Angelino e suas fichas de regras de acentuação... No meu olhar infantil, embora já com 15 anos, o professor Angelino devia ter sido coleguinha de classe de Matusalém. Pra mim ele já tinha passado dos 95 anos há décadas.

Eu sentava na primeira carteira da fila. Ele entrou na sala e foi andando até a mesa. Deixou suas coisas e se virou pra turma quando topou comigo e meu batom. Deu um semi-salto para trás com agilidade centenária. Angelina Jolie devia parecer uma desbeiçada perto de mim porque ele me olhou e disse:

- Nossa! Mas o que é isso?

Eu, ingenuamente, sorri. Minha amiga Alessandra explicou:

- Hoje é aniversário dela, professor.

- Mas precisava exagerar desse jeito?

Coleguinha de Matusalém, gente. Não estava acostumado ao desabrochar feminino. Não dei a mínima para o comentário dele e segui o dia ostentando meu batom com muito orgulho.

Com o tempo fui ficando mais discreta, mas nunca deixei de prestar atenção a mim mesma, até que...

Não sei em que ponto do caminho eu esqueci do espelho e me perdi de mim. Pouco a pouco fui abandonando maquiagem e adereços. Fui deixando de me preocupar com a combinação de cores. Aos meus olhos, tudo foi ficando cinza. O trio calça jeans, camiseta e tênis passou a resolver a questão "roupa" em qualquer situação.

A notícia desse câncer foi a sacudida de que eu estava precisando. De um dia para o outro me vi diante da perspectiva de perder um seio, de ficar careca, de passar um tempo sem cílios e sobrancelhas, de inchar e de parecer doente. Foi aí que eu percebi que meu guarda-roupa quase só tinha camisetão e calça jeans. Dois pares de tênis que eu revezava sem dó. Minha lingerie? Uma freira de calcinha e sutiã do meu lado ia parecer uma dançarina de axé. Minha maquiagem se limitava a um lápis nos olhos e, assim mesmo, de vez em quando. Uma verdadeira catástrofe! Quando me vi diante do espelho e vislumbrei o futuro próximo que me aguardava, não me reconheci. Imediatamente as coisas começaram a mudar.

Ressuscitei sombra, delineador e rímel, além da versão moderna do batom: o gloss. Cores e rendas furtivas reapareceram nas minhas gavetas. Meus sapatos foram ganhando alturas e, algum tempo depois das primeiras sessões de quimioterapia, uma idéia fixa se instalou na minha cabeça: um sapato vermelho de salto alto! Na verdade, uma sandália vermelha de salto alto.

Por dois meses vasculhei as lojas de calçados de Curitiba atrás do meu objeto de desejo. Acho que sou capaz de citar, em ordem de localização geográfica, todas as lojas de sapatos da Rua XV de Novembro, da Praça Osório à Reitoria, tantas foram as minhas excursões por elas. Até que um dia achei o que eu procurava!

E então, naquele bate papo do Orkut, contei que depois do câncer, tinha voltado a cuidar de mim mesma. Falei da importância da maquiagem, lingerie e outras coisas que nos tornam femininas e nos diferenciam dos nossos companheiros carregados de testosterona e pelos. Outras amigas ficaram animadas, se sentiram encorajadas a fazer o mesmo, me incentivaram como sempre e fizeram comentários empolgados. Respondi com o seguinte post:

Para o fogo já:
com os pijamas rasgados!
com as camisetas largadas!!
com as calças arreganhadas!!!
com as calcinhas furadas!!!! (Quem não tem?!!! ;-) )

Vamos tirar a poeira dos saltos altos, vamos dar chance aos decotes ousados, às fendas profundas, aos tecidos diáfanos...

Vamos colorir as nossas pálpebras, espessar de rímel os nossos cílios e lançar nosso olhar enviesado, matador, fulminante. Mais Capitu impossível!

Vamos esquecer as gordurinhas impertinentes, as ruguinhas salientes, os cabelos brancos indecentes!

O que faz ser mulher vem de dentro, mas é preciso que a criatura que fica por fora cuide bem dessa alma feminina, da melhor forma que der.

Não precisa de tratamentos miraculosos, roupas carérrimas nem silhueta de ninfeta! Vale muito mais a segurança de um olhar experiente (mesmo com a pálpebra caída ou com a pele cacarejando de tanto pé-de-galinha).

Os dias de chorar até borrar toda a maquiagem chegarão! Nos sentiremos no fundo do poço, esmagadas, sufocadas. Desitrataremos de tanto verter lágrimas, mas depois respiraremos fundo, arrumaremos as mechas de nossas madeixas, enxugaremos as lágrimas, assoaremos o nariz e retocaremos o batom antes de sairmos à luta outra vez!”
A a coisa pegou fogo! Muitas fizeram faxina no armário, saíram às compras, mudaram a lingerie, reativaram a maquiagem... Cheguei a pensar em pedir uma participação nos lucros da L’Oréal, O Boticário, Scala, Liz e similares, que devem ter notado um sensível aumento nas vendas, a começar pela minha própria e modesta colaboração.

Aí, uns dias depois desses fatos, veio nova sessão de quimioterapia. Eu estava comentando em casa a complicação que era ficar com só um braço disponível, ainda por cima o esquerdo. O direito fica espetado nos caninhos de soro e só sobra a mão esquerda pra todo o resto. E esse “resto” inclui levantar da poltrona e ir ao banheiro fazer xixi de hora em hora. Com a nova medicação, a sessão estava durando sete longas e intermináveis horas, o que significava, no mínimo, 5 xixis manetas! Arrasta os caninhos, abre a porta, entram os caninhos, eu atrás, fecha a porta, abre o cinto, abre a calça, xixi, papel, descarga, calça, zíper, cinto, torneira, sabonete, toalha, porta, caninhos, porta de novo... Uma verdadeira função!

Nessa hora minha irmã sugeriu: “Mas por que você não vai de saia?”. A minha sorte é que, diferente do que acontece aos 15 anos, próximo dos 40 os sorvetes praticamente desaparecem da nossa vida e não tinha sorvetão por perto naquele momento. Ele teria ido parar na minha testa, com certeza!

Claro que a idéia era brilhante e, quando fui me arrumar pra ir pra clínica, escolhi uma saia. Abri o armário, elas estavam lá: minhas sandálias vermelhas de salto alto. E eu pensei: “Por que não?”. Saia preta, blusa preta e acessórios vermelhos: cinto, sapato, colar e brincos. Um pouco mais discretos que meu batom dos longínquos 15 anos. Mas só um pouco.

Entrei na sala da quimio. Enfermeiras e companheiros de poltrona devem ter levado um susto. Preciso acrescentar que a natureza foi generosa comigo no quesito altura (largura também, mas esse é outro departamento). Por isso uma criatura, que já não consegue ser muito invisível por conta do espaço que ocupa, vestida de vermelho e preto às 9 horas da manhã deve ter sido uma visão chocante. Abriram a porta do inferno e Satanás em pessoa veio nos buscar! Socorro!

Tal como fiz com meu querido professor Angelino, ignorei solenemente qualquer olhar seja ele de aprovação ou de reprovação. Estiquei meu bracinho, espalhei minhas coisinhas ao alcance da mão esquerda, entupi meus ouvidinhos com os fones de ouvido do iPod, fechei meus olhinhos e deixei a coisa, literalmente, correr. Vieram os xixis, mas que tranqüilidade! Longa vida às saias!

Minha maior surpresa foi quando a enfermeira chegou e disse:

- Pronto! Acabou!

Mas já?! Cinco horas e meia depois de começar, quando na sessão anterior tinham sido sete horas! Foi nesse momento que eu comprovei o poder fulminante de um salto alto!

O salto alto faz a gente encolher a barriga e estufar o peito. De quebra ainda empina a bunda e levanta o queixo. Ele dá confiança, traz segurança, abre o tórax e também, posso dizer com conhecimento de causa, as veias. Os homens não sabem o que deixaram pra trás quando abandonaram o salto alto! Está lá, na história dos saltos pra quem quiser saber: salto alto era coisa de homens e mulheres. Mas, reis pra lá, Revolução Francesa pra cá, os homens desceram dos saltos. Parece que agora só quem usa é time de futebol marrento. E o resultado é um desastre!

Luís XIV, do alto de seu salto, decretou: "O Estado sou eu!". Lá de cima só podia mesmo ser considerado soberano como o sol. Tudo o que o neto Luís XV fez, foi continuar a tradição do avô, levar a fama e emprestar o nome para o modelo de salto.

Os homens não sabem a forma de poder que abandonaram junto com os saltos altos. Pior pra eles e melhor pra nós.

Portanto, minhas amigas: usem e abusem do salto alto! Ver o mundo de cima é fundamental. Minhas veias que o digam...

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Como se o dia não fosse amanhecer...

Não sei se vocês já leram o livro Bridget Jones, No limite da razão. Tem um momento em que ela toma umas taças de vinho a mais e decide escrever cartões de Natal para os colegas de trabalho, amigos, etc. Descobre no dia seguinte, horrorizada, que acabou escrevendo e colocando no correio mensagens íntimas demais, reveladoras demais, no limite do indiscreto...

Num outro livro que li chamado Attentat, de Amélie Nothomb, Epiphane Otos, o protagonista, a criatura mais feia que já existiu, existe ou existirá sobre a face da terra, é apaixonado pela mulher mais linda que poderia haver. Um dia ele está num hotel no Japão em pleno e rigoroso inverno. O aquecimento do quarto está ligado, obviamente. Só que esse aquecimento pra ele é sufocante e não dá pra diminuir! Então ele quebra os vidros das janelas fixas e acaba congelando de frio. Acho que teve um ou outro gole de bebida pra esquentar, não lembro. O que eu lembro bem é que aquele frio todo fez com que ele perdesse a inibição e o senso de realidade e acabasse escrevendo (e enviando!) uma declaração de amor àquela que era sua melhor amiga (isso era o que ela pensava!). Não preciso nem dizer o barraco que deu...

Pois bem. Percebi uma coisa impressionante em mim mesma! Tal como Bridget Jones e Epiphane Otos (quanta pretensão) tenho também uma situação que libera geral a minha pena literária. Solta a franga do meu verbo! Roda a baiana dos meus substantivos e adjetivos. Verdade! Só que não tem nada a ver com a manguaça. Nem com o frio. Descobri que não posso escrever nada de madrugada...

Nem carta, nem bilhete, nem SMS, nem e-mail. Nem mesmo a mais inocente lista de supermercado!

Não sei o que acontece comigo, mas meus escritos da madrugada são, como dizer, perigosos... Vai caindo a noite e minhas palavras têm de ser lidas em tom mais baixo, quase cochichado. Ali pela meia-noite eu já reduzo, metaforicamente falando, o tamanho da fonte pra 10. Entre duas e quatro da manhã entra a fonte Script tamanho 8 e aí o bicho pega de vez!

Escrevo e-mails sussurrados, conto segredos, faço confissões. Falo de coisas que jamais diria à luz do dia, uso palavras que nunca materializaria na escrita, mas que durante a noite saem de mim sorrateiramente e vão se instalar nas linhas e entrelinhas dos meus escritos.

Quanto mais silêncio na casa, maior o perigo! Sei lá o que me passa pela cabeça ou que parte de mim adormece enquanto outra permanece, mas a verdade é que durante a noite eu amordaço o superego, solto as amarras do id e mando ver! A escuridão da noite me protege, me camufla. É como se o dia não fosse amanhecer...

Enquanto a tecnologia que eu usava era movida a celulose e canetas Bic, tudo bem. Felizmente os correios não funcionam de madrugada e eu dificilmente consigo enviar alguma coisa escrita sem ler novamente antes do cuspe final pra fechar o envelope. Mas aí chegou a Internet...

O mais apavorante é que, na madrugada, eu também leio pelo menos dez vezes antes de dar o golpe de misericórdia em forma de clique no botão Enviar. Mas esse diabinho interno que ganha liberdade nas horas mortas da noite fica enlouquecido de alegria com as coisas que produz e envia MESMO!

Depois das quatro da manhã, quando os primeiros passarinhos começam a cantar, o superego vai despertando, de olho remelento e tudo o mais, e volta pra botar ordem na casa. Mas ainda está meio bêbado de sono e, às vezes, o diabinho interior tem tempo de fazer passar um último segredinho.

Se eu não deitar imediatamente sei que não durmo mais. O canto dos passarinhos é a sirene que me manda pra cama, sem pestanejar! E o dia vem...

Na manhã seguinte eu acordo e corro pro computador, já com medo do que vou encontrar. Abro a pasta de mensagens enviadas e enrubesço (Marina, essa foi pra você!) só de ver os nomes dos destinatários, melhor dizendo, das vítimas escolhidas. “Aiiiiii, o que é que eu fui aprontar comigo mesma dessa vez?!” Releio as mensagens e quero que o espaço cibernético se abra num buraco negro pra eu me esconder! Vem uma vontade louca de me enfiar pelo fio do computador e sair pelo vácuo virtual catando as palavras que, infelizmente, já se espalharam pelos quatro cantos digitais e foram bater em caixas postais que, muitas vezes, devem ficar espantadas com o que recebem. “Mas o que é que essa louca está dizendo?”

Tarde demais. Foi. Alea jacta est!

Quando mando mensagens aos amigos, tudo bem. Muitos já me conhecem de longa data e estão acostumados às minhas esquisitices, ou acham que é só mais uma brincadeirinha. Mas ultimamente, dei pra escrever de madrugada a amigos e amigas recém-feitos. Criaturas virtuais na minha vida, com quem troquei apenas algumas mensagens. Durante o dia! E aí, recebo uma pergunta inocente do tipo “tudo bem com você?” e respondo, às três da manhã, com quatro laudas cheias de sussurros e cochichos, filosofias baratas, perguntas retóricas e ditados populares reinterpretados. Chamem o Pinel! Tem uma maluca solta pela rede mundial!!!

O mesmo acontece em outros gêneros como scraps do Orkut ou esses textinhos que publico no blog. Que perigo!!! Pelo menos agora eu identifiquei esse problema e vou ser mais vigilante!

Só pra vocês terem uma idéia da calamidade, se minha mãe me mandar um e-mail perguntando, por exemplo, se eu posso fazer a sobremesa para o próximo churrasco de domingo, uma resposta em horário comercial seria:

“Tudo bem. Posso fazer uma Torta Floresta Negra ou um Strogonof de Nozes, o que será que fica melhor? Ah! Vou levar também aquela toalha de mesa que peguei emprestado, tá? Beijo Ju”

Depois que as crianças vão dormir e que a televisão pára de tocar as musiquinhas dos desenhos animados repetidas à exaustão, a coisa começa a mudar de figura:

“Claro que posso fazer a sobremesa pra adoçar nosso almoço de domingo, temperar com açúcar e com afeto nossas conversas preguiçosas ao redor da mesa... Pensei numa Floresta Negra, salpicada de cerejas... Ou no caramelo suave de um Strogonof de Nozes... O que será que combina mais com picanha e salada de agrião?

Aproveito pra te devolver aquela toalha de mesa rendada, que tantas vezes presenciou nossas comemorações familiares.

Muitos beijos.

Ju”

Duas da manhã. Silêncio total na casa a não ser pelo ressonar tranqüilo das crianças e, às vezes, não tão tranqüilo assim, do Vidal (nada que uma cutucada de leve e um “vira de ladinho” não resolva...).

“Sobremesa? É claro que faço. Com o maior prazer. Vou mergulhar nas páginas salpicadas de nódoas dos meus livros de receitas e encontrar a iguaria sublime e perfeita que vai encantar as papilas de todos nós. Vou percorrer as listas de ingredientes como quem lê poemas e encontra a palavra exata, o termo preciso em forma de sabor que aguça o paladar e faz reviver momentos perdidos da nossa infância...

Nesse exato instante me ocorreu a idéia de uma Torta Floresta Negra. A força do chocolate, entrecortada pela insolência voluptuosa das cerejas rubras, tudo recoberto e oculto pela neve do chantilly. Ou então, quem sabe, a cor quente de caramelo de um Strogonof de Nozes, a untuosidade sensual e aerada desse creme suave, interrompida somente pela surpresa crocante do fruto da nogueira...

Qual será, entre essas duas opções, aquela que formará o amálgama perfeito com a brutalidade da carne e seu sangue, em contraste com o picante e refrescante alívio das folhas de agrião?

Vou aproveitar a ocasião pra buscar no meu baú de lembranças e de enxovais aquela sua toalha de renda branca que fiz questão de pegar emprestada para usar num jantar especial aqui de casa. Ela já está lavada e alvejada. Novamente imaculada e pronta para cobrir a mesa e testemunhar a alegria de nossas ceias...

Bem diferente daquela outra toalha que você encontrou, um dia, toda enrolada e escondida, embaixo da escada do quarto de despejo. Esquecida em meio à poeira, amassada, enxovalhada, cheia de fungos e toda salpicada de tinta verde pra tecido. É, a criança que eu era não quis escutar os sábios conselhos maternos que diziam “Não vai pintar enfeites de natal em cima dessa toalha novinha!”. Ah, a inexperiência, a confiança pueril, a certeza de que as mães nunca têm razão, mesmo que em 100% das vezes, depois da cagada feita, a gente tenha de dar a mão à palmatória e a bunda às chineladas!

Sim, fui eu! Eu manchei de tinta verde aquela toalha...

Beijos envergonhados, mas finalmente livres desse peso na consciência que me atormenta há anos.

Sua filha, muito amada.

Ju”

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Ops! Peraí. Que horas são? Ai meu Deus... Acho que minha mãe não lê esse blog. Quer dizer, lê! Mas é brincadeirinha, viu? Pura licença poética... E depois, aquela toalha nem era assim tão importante, era? Só um pouquinho, gente. Já tô meio passadinha em idade pras chineladas, mas fúria de mãe não arrefece com o tempo! Tenho de resolver esse probleminha. Vou procurar o endereço das Pernambucanas mais próximas e já volto!

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