quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Salto alto tem poder!

Há 15 dias tive a prova definitiva de que salto alto faz milagres! Eu já tinha tido uma noção do poder de um salto quando minha intuição me mandou usar um deles no dia em que defendi minha dissertação de mestrado. Correu tudo tão bem que eu nem acreditei. Mas foi só há duas semanas que eu tive a prova irrefutável dessa força.

Uns dias antes eu estava num papinho animado no Orkut, contando para minhas amigas quilteiras que uma das várias lições que tive com esse câncer foi que não podemos esquecer de nós mesmas, jamais!

Quem me conheceu na adolescência e início da juventude vai lembrar: batom e lápis praticamente antes de sair da cama. No mais, era perfume sempre e bijuteria todo dia. Na praia eu usava chapéu de palha com um lenço amarrado. Invariavelmente combinando com a cor da roupa ou do biquíni (herança de Dona Jandyra, minha avó: tudo tem de estar absolutamente combinadinho!). Uma das provas desse meu jeito de ser foi uma passagem que aconteceu no dia do meu aniversário de 15 anos...

15 anos, como todos sabem, é o primeiro na longa lista dos dias ansiosamente aguardados na vida de uma mulher. Deveria existir uma lei que determinasse: o dia do aniversário de 15 anos é feriado compulsório para meninas e suas amigas. É dia de se extasiar com a vida adulta que se aproxima. Dia de passar horas na frente do espelho, de experimentar roupas e sapatos. Dia de exercitar caras e bocas pra depois sair pra dar muita risada e tomar um sorvetão imenso porque nessa idade ninguém se preocupa ainda com gordura localizada e celulite! Pelo menos era assim na minha época, parece que hoje as coisas mudaram...

Mas essa lei não foi promulgada até hoje e no dia do meu aniversário de 15 anos eu tinha de ir pra escola.

Eu jamais saía de casa sem batom, portanto, um mísero batom naquele dia não era suficiente pra marcar a ocasião. Passei um. Achei pouco. Coloquei outro por cima. Ainda estava discreto demais. Fui acrescentando cores, como se quisesse criar um arco-íris na minha boca até que fiquei satisfeita ou acabaram as possibilidades, não me lembro mais. Só sei que fui toda feliz com minha boca rosa-pink-fúcsia-púrpura-magenta-furta-cor para dentro da sala de aula. Meu batom tinha alguns milímetros de espessura, eu praticamente não conseguia falar, mas minha felicidade era tamanha que eu nem estava ligando pra isso. A primeira aula era de Português. Professor Angelino. Inesquecível Angelino e suas fichas de regras de acentuação... No meu olhar infantil, embora já com 15 anos, o professor Angelino devia ter sido coleguinha de classe de Matusalém. Pra mim ele já tinha passado dos 95 anos há décadas.

Eu sentava na primeira carteira da fila. Ele entrou na sala e foi andando até a mesa. Deixou suas coisas e se virou pra turma quando topou comigo e meu batom. Deu um semi-salto para trás com agilidade centenária. Angelina Jolie devia parecer uma desbeiçada perto de mim porque ele me olhou e disse:

- Nossa! Mas o que é isso?

Eu, ingenuamente, sorri. Minha amiga Alessandra explicou:

- Hoje é aniversário dela, professor.

- Mas precisava exagerar desse jeito?

Coleguinha de Matusalém, gente. Não estava acostumado ao desabrochar feminino. Não dei a mínima para o comentário dele e segui o dia ostentando meu batom com muito orgulho.

Com o tempo fui ficando mais discreta, mas nunca deixei de prestar atenção a mim mesma, até que...

Não sei em que ponto do caminho eu esqueci do espelho e me perdi de mim. Pouco a pouco fui abandonando maquiagem e adereços. Fui deixando de me preocupar com a combinação de cores. Aos meus olhos, tudo foi ficando cinza. O trio calça jeans, camiseta e tênis passou a resolver a questão "roupa" em qualquer situação.

A notícia desse câncer foi a sacudida de que eu estava precisando. De um dia para o outro me vi diante da perspectiva de perder um seio, de ficar careca, de passar um tempo sem cílios e sobrancelhas, de inchar e de parecer doente. Foi aí que eu percebi que meu guarda-roupa quase só tinha camisetão e calça jeans. Dois pares de tênis que eu revezava sem dó. Minha lingerie? Uma freira de calcinha e sutiã do meu lado ia parecer uma dançarina de axé. Minha maquiagem se limitava a um lápis nos olhos e, assim mesmo, de vez em quando. Uma verdadeira catástrofe! Quando me vi diante do espelho e vislumbrei o futuro próximo que me aguardava, não me reconheci. Imediatamente as coisas começaram a mudar.

Ressuscitei sombra, delineador e rímel, além da versão moderna do batom: o gloss. Cores e rendas furtivas reapareceram nas minhas gavetas. Meus sapatos foram ganhando alturas e, algum tempo depois das primeiras sessões de quimioterapia, uma idéia fixa se instalou na minha cabeça: um sapato vermelho de salto alto! Na verdade, uma sandália vermelha de salto alto.

Por dois meses vasculhei as lojas de calçados de Curitiba atrás do meu objeto de desejo. Acho que sou capaz de citar, em ordem de localização geográfica, todas as lojas de sapatos da Rua XV de Novembro, da Praça Osório à Reitoria, tantas foram as minhas excursões por elas. Até que um dia achei o que eu procurava!

E então, naquele bate papo do Orkut, contei que depois do câncer, tinha voltado a cuidar de mim mesma. Falei da importância da maquiagem, lingerie e outras coisas que nos tornam femininas e nos diferenciam dos nossos companheiros carregados de testosterona e pelos. Outras amigas ficaram animadas, se sentiram encorajadas a fazer o mesmo, me incentivaram como sempre e fizeram comentários empolgados. Respondi com o seguinte post:

Para o fogo já:
com os pijamas rasgados!
com as camisetas largadas!!
com as calças arreganhadas!!!
com as calcinhas furadas!!!! (Quem não tem?!!! ;-) )

Vamos tirar a poeira dos saltos altos, vamos dar chance aos decotes ousados, às fendas profundas, aos tecidos diáfanos...

Vamos colorir as nossas pálpebras, espessar de rímel os nossos cílios e lançar nosso olhar enviesado, matador, fulminante. Mais Capitu impossível!

Vamos esquecer as gordurinhas impertinentes, as ruguinhas salientes, os cabelos brancos indecentes!

O que faz ser mulher vem de dentro, mas é preciso que a criatura que fica por fora cuide bem dessa alma feminina, da melhor forma que der.

Não precisa de tratamentos miraculosos, roupas carérrimas nem silhueta de ninfeta! Vale muito mais a segurança de um olhar experiente (mesmo com a pálpebra caída ou com a pele cacarejando de tanto pé-de-galinha).

Os dias de chorar até borrar toda a maquiagem chegarão! Nos sentiremos no fundo do poço, esmagadas, sufocadas. Desitrataremos de tanto verter lágrimas, mas depois respiraremos fundo, arrumaremos as mechas de nossas madeixas, enxugaremos as lágrimas, assoaremos o nariz e retocaremos o batom antes de sairmos à luta outra vez!”
A a coisa pegou fogo! Muitas fizeram faxina no armário, saíram às compras, mudaram a lingerie, reativaram a maquiagem... Cheguei a pensar em pedir uma participação nos lucros da L’Oréal, O Boticário, Scala, Liz e similares, que devem ter notado um sensível aumento nas vendas, a começar pela minha própria e modesta colaboração.

Aí, uns dias depois desses fatos, veio nova sessão de quimioterapia. Eu estava comentando em casa a complicação que era ficar com só um braço disponível, ainda por cima o esquerdo. O direito fica espetado nos caninhos de soro e só sobra a mão esquerda pra todo o resto. E esse “resto” inclui levantar da poltrona e ir ao banheiro fazer xixi de hora em hora. Com a nova medicação, a sessão estava durando sete longas e intermináveis horas, o que significava, no mínimo, 5 xixis manetas! Arrasta os caninhos, abre a porta, entram os caninhos, eu atrás, fecha a porta, abre o cinto, abre a calça, xixi, papel, descarga, calça, zíper, cinto, torneira, sabonete, toalha, porta, caninhos, porta de novo... Uma verdadeira função!

Nessa hora minha irmã sugeriu: “Mas por que você não vai de saia?”. A minha sorte é que, diferente do que acontece aos 15 anos, próximo dos 40 os sorvetes praticamente desaparecem da nossa vida e não tinha sorvetão por perto naquele momento. Ele teria ido parar na minha testa, com certeza!

Claro que a idéia era brilhante e, quando fui me arrumar pra ir pra clínica, escolhi uma saia. Abri o armário, elas estavam lá: minhas sandálias vermelhas de salto alto. E eu pensei: “Por que não?”. Saia preta, blusa preta e acessórios vermelhos: cinto, sapato, colar e brincos. Um pouco mais discretos que meu batom dos longínquos 15 anos. Mas só um pouco.

Entrei na sala da quimio. Enfermeiras e companheiros de poltrona devem ter levado um susto. Preciso acrescentar que a natureza foi generosa comigo no quesito altura (largura também, mas esse é outro departamento). Por isso uma criatura, que já não consegue ser muito invisível por conta do espaço que ocupa, vestida de vermelho e preto às 9 horas da manhã deve ter sido uma visão chocante. Abriram a porta do inferno e Satanás em pessoa veio nos buscar! Socorro!

Tal como fiz com meu querido professor Angelino, ignorei solenemente qualquer olhar seja ele de aprovação ou de reprovação. Estiquei meu bracinho, espalhei minhas coisinhas ao alcance da mão esquerda, entupi meus ouvidinhos com os fones de ouvido do iPod, fechei meus olhinhos e deixei a coisa, literalmente, correr. Vieram os xixis, mas que tranqüilidade! Longa vida às saias!

Minha maior surpresa foi quando a enfermeira chegou e disse:

- Pronto! Acabou!

Mas já?! Cinco horas e meia depois de começar, quando na sessão anterior tinham sido sete horas! Foi nesse momento que eu comprovei o poder fulminante de um salto alto!

O salto alto faz a gente encolher a barriga e estufar o peito. De quebra ainda empina a bunda e levanta o queixo. Ele dá confiança, traz segurança, abre o tórax e também, posso dizer com conhecimento de causa, as veias. Os homens não sabem o que deixaram pra trás quando abandonaram o salto alto! Está lá, na história dos saltos pra quem quiser saber: salto alto era coisa de homens e mulheres. Mas, reis pra lá, Revolução Francesa pra cá, os homens desceram dos saltos. Parece que agora só quem usa é time de futebol marrento. E o resultado é um desastre!

Luís XIV, do alto de seu salto, decretou: "O Estado sou eu!". Lá de cima só podia mesmo ser considerado soberano como o sol. Tudo o que o neto Luís XV fez, foi continuar a tradição do avô, levar a fama e emprestar o nome para o modelo de salto.

Os homens não sabem a forma de poder que abandonaram junto com os saltos altos. Pior pra eles e melhor pra nós.

Portanto, minhas amigas: usem e abusem do salto alto! Ver o mundo de cima é fundamental. Minhas veias que o digam...

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5 comentários:

  1. Minha linda....
    Ontem a caminho da cama (já noite tarda) vi que estavas coligada. Pensei em te dar um oizinho mas estava já babando depois de um dia pleno e pensei também, acertadamente, que deverias estar no meio de um "apagão" produtivo.
    Batata!. Hoje, ligo o meu Mac, ou melhor, abro apenas, atualizo a tua página, sempre aberta, e lá está tua nova e deliciosa pordução. Peguei fresquinha novamente.... Delícia.
    Concordo plenamente.
    Não que de cima dos meus 1.51 de altura consiga ver muita coisa de cima. Mas me sinto grande.... E posso estar de jeans básico e velhor e camiseta branca com as axilas amarelas de tão velhinha ( e gostosa) que me sinto o máximo se a lingerie é das minhas lindas... sem dúvida penso: tenho poder....
    Você o tem sempre, sem dúvida, inclusive o de encantar e deliciar a gente...
    Super beijão
    Marie

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  2. Oi Juju, me sento assim depois da depressão, o que mais jogo fora são as calcinhas!!!! Rsss...
    Adoraria usar salto alto, mas os joelhos não deixam, então comprei umas plataformas que até uns meses atrás eu duvidaia se ousaria usar!!!!

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  3. Juju, você sempre surpreendendo com o que escreve, quando leio as coisas que você escreve tenho vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Só vc para nos causar tal emoção. Sabe que eu tb quando estou meio prá baixo, boto um salto e me sinto lá em cima....rs....rssss.

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  4. Juliana minha amiga,
    Que delícia poder fazer uma leitura de crônicas eleboradas, as altas horas bem verdade,com enorme habilidade.
    Sou leitora assidua,fã de carteirinha e tiete.
    Boa Juju..fogueira neles!
    Bjks.

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  5. JUliana...
    Que coisa boa ler você!!!
    iége

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