quarta-feira, 16 de abril de 2008

Um Engov antes, outro depois e uma faxina no meio

Recentemente recordei por aqui minhas aventuras como dona de casa. Depois daquele dia andei sentindo uns incômodos, um certo peso na consciência. Tudo porque, ao voltar a viver em terras verde-amarelas, passei a ter novamente uma diarista. Fim da rotina diária dos serviços domésticos! Senti que abandonei a classe, me achei meio pelega, sei lá.

Mas não posso esquecer que vivi alguns anos essa rotina tão cansativa e pouco valorizada. Não é à toa que às vezes donas de casa são representadas nos filmes e novelas como malucas. Qualquer um que tenha de repetir o mesmo trabalho por dias sem fim, sem final de semana, sem férias, sem descanso e praticamente sem reconhecimento, enlouqueceria. Confesso que eu mesma estive à beira da insanidade algumas vezes.

Em conversa com um amigo que tem também vivido os tormentos da vida exclusivamente doméstica identifiquei grandes semelhanças entre um dos mitos gregos e a faina do lar. A história de Prometeu Acorrentado. Vou contar a história aqui.

Prometeu era um deus meio vidente, parente de Zeus. Só que, ao contrário de outros deuses, tinha lá suas diferenças com o todo poderoso. Um dia, talvez numa balada mais pesada, tenha tomado uns goles de néctar a mais e, sabem como é, a língua ficou solta e Prometeu previu que Zeus teria um filho que acabaria por destronar o pai. Deu com a língua nos dentes e o chefão, que não era flor que se cheire, um tremento de um safado que vivia pulando as nuvens do monte Olimpo para dar suas escapadas, sentiu que a coisa realmente podia acontecer e ficou cabreiro. Passou a fazer marcação cerrada sobre o pobre do Prometeu.

Esse, que era todo cheio de coragem e não estava nem aí pros ataques de caspa do big boss, decidiu pregar uma peça em Zeus. Pegou um boi e o dividiu em duas partes. Uma delas era a carne. A outra era só o esqueleto, coberto da pele com gordura embaixo para dar um enchimento.

Prometeu mostrou as duas partes a Zeus, provavelmente dizendo “Que bobagem a gente ficar com essas briguinhas... Olha aí, trouxe um presentinho pra gente ficar de bem. Vou até te deixar escolher primeiro. Fique com uma dessas partes, a outra vou dar aos humanos esses reles mortais ignorantes.”

Zeus, todo afoito, quis ficar com o melhor pedaço pra ele, o egoísta. Não teve dúvida e escolheu o esqueleto coberto de peles, achando que estava levando a melhor. Quando viu que tinha caído no conto do vidente, o supremo ficou irado até não poder mais! Sobrou raio pra todo lado tamanha era a fúria de Zeus. Como represália, decidiu negar à humanidade inteira o fogo do conhecimento: “Vocês ficaram com a carne, né? Pois vão ser tão burrinhos que nem vão saber o que fazer com ela! Passa já esse fogo pra cá!”

Prometeu ficou indignado! O que é que os coitados dos humanos tinham a ver com a briguinha de família dos dois? Além disso, deve ter batido o maior peso na consciência porque ele aproveitou um descuido de Zeus e roubou o fogo para dá-lo à humanidade, que não só aprendeu a cozinhar, como também a construir casas e, daquele boi, inventou o churrasco, a churrascaria, o espeto corrido e o buffet por kilo.

Aí a coisa fedeu de vez! Zeus ficou maluco! Trovejou, esbravejou e, como todo poderoso chefão que se preze e que só dá ordens mas não suja as mãos, chamou Hermes, seu mensageiro, e ordenou:

- Manda já o Hefesto acabar com a raça desse Prometeu. Quero ver esse safado comendo grama pela raiz, com a boca cheia de formiga, e que isso dê um azia danada nele!

Hermes deve ter engolido em seco antes de dizer:

- Mas chefia, Prometeu é um deus, portanto, imortal...

Pois é! Nem mesmo o todo poderoso em pessoa podia matar um deus! Que coisa! O que fazer? Foi aí que ele teve uma idéia cruel demais. Ainda sentindo na boca o gosto amargo de fel pelas tantas que Prometeu tinha aprontado, Zeus chamou Hefesto e vociferou:

- Pegue esse abusado desse Prometeu e acorrente o larápio a uns rochedos no alto daquele penhasco. Faça o favor de inventar uma corrente que não se rompa de jeito nenhum!

E foi o que Hefesto fez. O infeliz do Prometeu ficou lá, acorrentado à beira do precipício. E vocês pensam que o castigo era só esse? De jeito nenhum! Todos os dias vinha uma águia que com um bico bem fininho ia bicando, bicando, bicando a barriga do Prometeu até abrir completamente e expor o fígado. Não contente com isso, a águia comia o fígado inteiro. Imaginem o tormento! E isso não era tudo! Durante a noite crescia um novo fígado e a pele se fechava. No dia seguinte, isso mesmo: voltava a águia e começava tudo outra vez. E Zeus lá, dando risada.

Já notaram a semelhança com a pobre dona de casa? Incapaz de fugir, como se estivesse acorrentada, a Rainha do Lar é obrigada a repetir infinitamente o mesmo ritual: limpa, arruma, cozinha, organiza. No dia seguinte? Limpa, arruma, cozinha, organiza. Sábado, domingo, feriado? Limpa, arruma, cozinha, organiza, muitas vezes mais do que nos outros dias em que a galera está fora de casa no trabalho ou na escola. Grande vantagem a de ser rainha! A mesma vantagen de ser deus, portanto, imortal, como no caso do Prometeu...

Só que o Prometeu tinha sacaneado Zeus, né? O que será que as mulheres fizeram pra merecer tal castigo?

Vou até fazer um reconhecimento aqui. De uns anos pra cá a macharada começou a colaborar um pouco mais nas lides domésticas. Só um pouco. Mas bem pouco mesmo! E, de qualquer forma, alguém, homem ou mulher, vai ter de fazer o serviço da casa, que, no dia seguinte, terá de ser refeito. E assim, ad eternum.

No caso do Prometeu, o titã Oceano e mais alguns outros deuses se revoltaram com a crueldade do castigo e foram interceder em favor do miserável junto a Zeus. O poderoso não gostou muito, fez umas caras feias, mas pra não perder o eleitorado e depois de alguns séculos, decidiu dar uma chance ao jovem insolente e permitiu que Hércules matasse a águia e o liberasse do castigo.

Quem será que vai tomar as dores (de fígado) das donas de casa? Alguém se habilita?

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Mais informações sobre o mito de Prometeu.

4 comentários:

  1. Juliana... adorei essa crônica, parabéns!!!
    Isso parece mais um poema menina, que delicia de ler...
    Um beijão.

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  2. Krida,


    You are really the BEST!!!
    Muito bom. Não sei por que achava que era Sísifo o modelo para as torturas do trabalho doméstico...
    Você "Prometeu" e mandou muito bem.
    Esta do Engov antes e depois... Magistral.
    GREAT!!!!!
    Adorei.
    Li logo no dia que você postou mas somente agora pude sentar e comentar... Sempre às pressas, Como sempre....
    E o nosso lanche??? Sai ou nãp.
    Temos até segundinha.
    Te espero me ligar ou deixar um recadinho.
    Bisous, Maravilhosa!!
    Marie

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  3. JU, muito legal sua cronica.
    Uma delica de leitura.
    bjs

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  4. PENSEI UMA BELA PORCARIA QUE SO FALA DE BESTEIRA UMA PLENA IDIOTISSE QUE SO FALA NE DEUSES QUE DAVA CORNO NA MULHER PROCURA UMA COISA MELHOR PRA FAZER

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