quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Roubaram a cordinha do mundo!

Era pra ser um email... Mas estava ficando imenso e é um assunto que gostaria de discutir com um monte de gente, sem esquecer o fato de que além de escrever a mensagem eu precisava também escrever um post aqui no blog (há tempos sem atualização), então decidi fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Como diz aquele antigo ditado política e ecologicamente incorreto, quis matar dois coelhos com uma cajadada só. E que ninguém do Greenpeace apareça por aqui!

Agora vivo dessa forma: costuro enquanto vejo televisão, preparo aulas usando assuntos e textos que me interessam, assim posso me divertir, me informar e trabalhar ao mesmo tempo, cozinho o que faz bem à saúde, ouço música enquanto trabalho, penso, logo existo, como disse Descartes. Mas só consigo pensar enquanto faço uma outra coisa... Ou duas. Ou três! Isso significa que não existo enquanto não faço nada?!

Não sei mesmo o que acho dessa vida que estamos todos levando... A mensagem que comecei a escrever era pra tentar acalmar as angústias de uma pessoa que pensa que não sabe mais algo que sabia, que não consegue fazer entrar mais conteúdos na cabeça e, ao pensar nela, acabei pensando em mim e numa série de outras ideias relacionadas. Como num hipertexto, um pensamento puxou outro, que puxou outro, que puxou outro e... é EXATAMENTE AÍ que está o problema!

Vivemos num turbilhão! Tudo gira à velocidade da luz ao nosso redor, tudo acontece ao mesmo tempo em todos os lugares e, embora novas e maravilhosas tecnologias tenham sido inventadas, ainda não acharam um jeito de um corpo ocupar mais de um lugar no espaço ao mesmo tempo. Quer dizer, agora tem aquela coisa da imagem holográfica, mas, mesmo assim, é só uma projeção de uma mesma pessoa em vários lugares. Uma projeção que fará a mesma coisa em todos os lugares. Ainda não existe a holografia que permite que eu dê aula na universidade, assista a uma palestra na Bienal, converse com os amigos num bar, passe tempo brincando com meus filhos em casa e ainda esteja dormindo pra descansar dessa maratona enquanto preparo a próxima... Não dá!

Só que me dilacero em mil pedaços pra tentar fazer tudo isso e fico orgulhosa de mim mesma porque consigo, literalmente, em partes. Mas aí encontro pessoas e vejo que elas fizeram outras coisas tão ou mais interessantes ou obrigatórias, coisas essas que eu mesma não consegui. E fico achando que sou incompetente, que não dou conta, que sou preguiçosa, que fico me enrolando em casa respondendo emails enquanto escuto música francesa pra ver se tem alguma novidade que possa ser utilizada em aula e, de quebra, me divirto um pouquinho já que gosto mesmo de música francesa e não dá muito tempo pra diversão. Mas, puxa vida, isso me fez deixar de ver o vídeo da Vanusa assassinando o Hino Nacional, além de não ler a notinha dizendo que o Collor é o mais novo "imortal" da Academia Alagoana de Letras e me impossibilitou completamente de participar do jogo Mafia Wars no Facebook, substituto do Orkut que, diga-se de passagem, está às moscas cibernéticas com centenas de recados sem responder além de fóruns de comunidades abandonados. E também não dá pra esquecer que não consegui fazer exercícios físicos, na verdade, bicicleta ergométrica sobre a qual pedalo enquanto devoro os romances que morro de vontade de ler mas que, como não são úteis para o trabalho ou para a prova de seleção para o doutorado que farei no fim do ano e nunca conseguem alcançar o primeiro lugar da fila para que eu possa saboreá-los, ficam juntando poeira na minha estante. Estante essa que está desorganizada, acumulando, além de poeira, os outros livros sobre os assuntos que me interessam ardentemente, os quais compro na esperança de um dia, quem sabe, poder pelo menos folhea-los. Compro os livros e, porque sempre estou atrasada para alguma coisa, os jogo de maneira apressada sobre essa estante que está esperando o dia em que conseguirei colocá-la em ordem. Nesse dia me lembrarei, mais uma vez, das tantas coisas que eu gostaria de aprender, estudar, construir, fazer, sem ter a mínima chance de sequer começar. E como é possível que tenha pessoas ao meu lado que conseguem ser melhores do que eu?!!!

É simples: não conseguem! O que acontece é que vejo o que elas executam, mas não tenho ideia do que elas gostariam de fazer, entretanto, não fazem. Só vejo as realizações e elas são muitas. Mas estou certa de que eu e todas essas pessoas mergulhamos constantemente a cabeça nas águas profundas da tristeza e da melancolia para observarmos de longe a imensidão do iceberg de desejos submerso sob um mar de falta de tempo. Com isso, não nos damos conta da pontinha desse iceberg de realizações que fica à luz do dia, para deleite, não nosso, mas dos demais, tão ocupados estamos em nos culpar e nos martirizar pelo que NÃO fizemos, pelo que NÃO conseguimos atingir ou realizar...

Escuto constantemente a seguinte frase: eu não sei onde você acha tempo pra fazer tudo o que faz! Sempre que escuto isso eu penso: Tudo o que? Eu não faço nem um terço do que deveria, isso sem contar que não faço nem um décimo do que gostaria! Estou constantemente em atraso e em dívida com os outros, comigo mesma, com minhas obrigações e, principalmente, com minhas vontades. E ainda tenho de conviver com pessoas que conseguem fazer as tais coisas que eu gostaria ou deveria! Que afronta!

Será que sou só eu que tenho vontade de urrar histericamente: PAREM ESSE MUNDO QUE EU QUERO DESCER!!!!!!?

O que eu acho é que a gente tinha de mudar o ponto de vista. Não somos nós que não estamos fazendo todas as coisas que deveríamos ou gostaríamos. São as coisas que, por conta dos respingos líquidos de nossas lágrimas, estão se multiplicando como Gremlins que ficam ali no calabouço escuro da nossa culpa, pulando diante de nós e dizendo: Eu primeiro! Eu primeiro! Eu primeiro! E a gente olha abobado de um Gremlin pra outro sem saber por onde começar, dando conta de um, mas percebendo que surgiram três outros logo ao lado... Esses são os do mal. Os bichinhos do bem, os fofinhos e bonitinhos que não comeram depois da meia-noite, portanto, não arruinaram a dieta, aqueles que representam nossas vontades, nossa diversão e nosso prazer, esses ficam se multiplicando loucamente à distância, cada vez mais à distância, sem que a gente tenha a menor chance de chegar até eles porque temos um mar de Gremlins carrancudos, com os dentes à mostra e com etiquetas nas testas que dizem: Trabalho, Saúde, Manter-se informado, Estar em dia com as notícias econômicas, políticas, culturais e sociais, Atualizar o currículo, Fazer uma pós, Fazer uma certificação profissional, Aprender o quarto idioma, Limpar a caixa postal de emails, Fazer caridade, Cuidar dos filhos, Cuidar do corpo, Estar na moda, Ler Crepúsculo, Seguir o Twitter, Entrar no Facebook...

Vivemos uma época cruel em que a diversão, os prazeres e a liberdade estão todos expostos sobre uma linda mesa, decorados e apetitosos, iluminados por raios laser, cercados de sereias que cantam: Venha, tudo é possível, tudo está à sua disposição! Você pode tudo! O mundo é seu! As oportunidades estão aqui, sobre essa mesa, tudo é tão fácil. Você só não aproveita se não quiser... Só que estamos a centímetros de alcançar a tal mesa, as mãos e a cabeça livres, mas os pés presos às imensas bolas de ferro das nossas obrigações. As reais e aquelas que nos impomos por pressão nossa e do resto do mundo. Se todo mundo faz, então nós também temos de fazer, saber, ler, compreender, participar... Trabalhamos e corremos feito loucos uma vida inteira para nos livrarmos dessas bolas, pensando que quando chegarmos à aposentadoria poderemos, enfim, atingir a tal mesa para nos fartar e fazer o que quisermos do nosso tempo. Mas estou perdendo as esperanças... Quando observo meus pais, meus tios e outras pessoas aposentadas ao meu redor e vejo o quanto elas correm de um lado para o outro, sem chance de dar atenção a todas as suas obrigações nem de atender a pelo menos parte dos seus desejos...

E assim seguimos todos jogados de um lado para o outro, arrastados pelos pés, chicoteados no meio do turbilhão...

Se eu sei o que fazer pra sair dessa? É evidente que não tenho a menor ideia! Se soubesse o que fazer escreveria um livro pra dar essa receita ao resto do mundo. Provavelmente, passaria o resto dos meus dias dando palestras por aí, entrando e saindo de aviões, acordando cada dia numa cama de hotel diferente, sem o menor tempo de simplesmente... viver!

Olha, mesmo se eu descobrir como fazer pra fugir dessa armadilha, não volto aqui pra contar. Embora eu suspeite que escapar é impossível! O Belchior tentou e não é que foram encontrar o coitado escondido numa aldeia de dois mil e poucos habitantes? Não tem saída! Até mesmo eu, uma eterna, renitente e inconformada otimista, estou tendo de admitir que não há nada mais sábio do que outro ditado popular repetido pela antiga ministra: esse estupro é mesmo inevitável, o negócio é relaxar e gozar. Completando a série de lugares-comuns, vou mandar tudo o mais para o inferno (como cantou, mas agora renega, Roberto Carlos), dizimar meus Gremlins expondo-os à luz do sol e me abraçar a meus queridos filósofos hedonistas que diziam que a vida é pra ser vivida com prazer! Todo o resto é que não tem importância.

19 comentários:

  1. Adorei, Juliana! Tem certeza que não somos gêmeas? Minha rotina é exatamente assim (exceto que não faço nem pretendo fazer pós). Vivemos correndo atrás dos Gremlins malvados e nem depois de aposentados temos sossego; os aposentados reclamam que têm menos tempo agora que antes. Que maldição!

    Grande beijo!

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  2. Cris,

    Foi EXATAMENTE para ler esse tipo de coisa que escrevi esse post. Para ter certeza de que não sou a única e de que não estou sozinha!

    Salvou meu dia! :-)

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  3. Juliana,

    Você está menos sozinha que pensa...

    - infelizmente, porque vivemos (quase)todos correndo atrás do tempo.
    - e felizmente, porque há muitas pessoas em sintonia com você. (adoro o que você escreve!)

    Beijo!

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  4. Querida Jujuba,
    eu sou da sua turma.
    Todos os dias vou durmir "carpindo o dia", lembrando as mil coisas que fiz, e as mil coisas que não consegui realizar. Não se sinta culpada, somos todas incompetentes, juntas nesse mundo mudérrrrno que nos consome pelos calcanhares.
    Eu queria ser um polvo, mas sou apenas uma mulherzinha indolente, dou conta apenas de lavar, passar, cozinhar, enfrentar trânsito, limpar a casa, me atualizar na política, conhecer tecnologias, costurar, bordar, fazer pé e mão, dar banho nos gatos...
    afffff....

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  5. Cris,

    Eu queria pensar num jeito de escapar dessa armadilha, mas não dá tempo :-)

    Obrigada pela sintonia!

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  6. Minha amiga Rose,

    Eu sei bem quantos braços você tem! É um polvo muito chique, engraçado e competente. E eu fico bem contente de estar no mesmo time que vc :-)

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  7. Oi, Ju. Pode me colocar nesse time também (acho que vai dar para fazer um campeonato, heim?). Não sei se vc já ouviu falar em um filósofo chamado Jorge Larrosa? Bom, ele não fala sobre viver a vida com prazer, mas ele fala sobre viver a vida com uma outra sensibilidade. E, para viver essa outra sensibilidade, teríamos necessariamente que dar um jeito de evitar 4 coisas (veja se as reconhece): o excesso de trabalho (entende-se aqui não só o trabalho remunerado, mas atividades gerais), o excesso de informação, a urgência de ter uma opinião sobre tudo e a falta de tempo. Segundo ele, desacelerando, conseguiríamos estar no mundo assumindo uma outra postura que nos possibilitaria ter mais experiências. Então a tese dele não é "que pena que tudo isso me impede de fazer inclusive tudo aquilo que planejei e não consegui", pois isso seria permanecer na engrenagem incessante. A tese dele é que com toda essa correria, deixamos de viver experiências: coisas que nos acontecem e nos tocam profundamente, a ponto de nos transformarmos. Me parece uma perspectiva tão interessante de pensar esse mundo moderno, não?Enfim, se quiser ler mais sobre isso dá uma olhada neste texto: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE_LARROSA_BONDIA.pdf
    Beijo.

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  8. Oi Juliana, você traduz muito bem o sentimento de todos nós, uma multidão imersa num mar de obrigações... A velocidade de informações é enorme... Somos estimulados o tempo todo a fazer, fazer,.... Sofro das mesmas angústias mesmo não tendo tantas ocupações.
    Penso que o que pode ajudar é nos escutarmos para descobrir qual a nossa real necessidade. Não temos tantas necessidades e sim desejos.
    Vivo atenta a isso para não me afogar nesse mar.
    Parabéns pelo seu dom.
    Beijo

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  9. He, he, he...
    Oi, Juliana!
    Tirou as palavras da minha boca: é o conflito entre a "mulher tupperware" e a "mulher maravilha"( quem sabe, isso nã rende uma tese, não é?!).
    Estava justamente conversando isso com uma amiga, esta semana.
    Acho que é por isso que a gente é mestre em procrastinar, inclusive, nas arrumações de armários...Há sempre tanta coisa mais importante a fazer!
    O que não dá pra deixar pra depois, é dar atenção ao que é realmente importante!
    Às vezes, fico a imaginar o tempo antigo: das correspondências levadas em lombo de burro, navio ou trem. Outra velocidade, não?! Velocidade, que permitia nossos avós sentarem, à beira do fogão à lenha, e puxar uma prosa.
    Não dá pra voltar no tempo, mas dá pra fazer umas pausas.
    Desde quinta não posto nada. Motivo: falta de tempo? Sim, e não! Sim, porque foi muito corrido. Não, porque cuidei de outras prioridades, como fazer um almoço especial pra família hoje.
    A gente segue, fazendo acordos com o tempo...

    Obrigada pela visita e comentário no meu blog. (A Vivianne sempre foi um modelo pra mim e tenho a honra de tê-la no meu rol de amizades virtuais, mas somos independentes. O nome dela está aparecendo entre os autores, até eu concluir a mudança do "header" do meu blog.)
    Um abraço e volte sempre!

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  10. Juliana !
    Claro que é tudo isso mesmo! É sim, comigo também, ainda mais no que dis respeito a olhar em volta e achar que há quem consiga fazer o que euzinha não dou conta... :S
    Então, perdoa por dar mais uma mordida faminta no seu tempo... Mas não estava errada, não ! Vc realmente dá conta de muito mais do que eu! Força para vc e vontade e ânimo para mim, né não ??? ;)

    Bejim !

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  11. hahahah
    Claro, com pressa assassinei (novamente)o português !
    Crédo !

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  12. Patrícia,

    ADOREI a ideia desse filósofo, não conhecia, mas agora vou dar uma olhada. Desde, é claro, que eu arranje tempo pra isso! hehehehe

    Ai que dureza! Ter de fazer essas escolhas é que difícil.

    Montaremos um time com certeza! Eu já desconfiava que não estava sozinha nessa. Agora tenho certeza! Não resolve, mas aplaca a solidão...

    Ih1 Tô sensível hoje, já vi!

    Obrigada pela dica!

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  13. Oi Dora

    Obrigada pela visita, pelo comentário e pela empatia. É isso aí: trocar necessidades por desejos. E saber compreender e identificar a diferença!

    Volte sempre!

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  14. Oi Laély!

    Que honra a sua visita! Fiquei contente!

    Nem comentei esse detalhe no seu post, mas a definição de "mulher tupperware" foi excelente!!!

    Visitem o blog da Laély, vale a pena!

    Definir prioridades! Eis a questão que se colocaria Hamlet hoje em dia.

    Tempos modernos!

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  15. Anônimo,

    Olha, já que não dá pra reconhecer a caligrafia dos comentários, sou obrigada a usar outras técnicas de dedução :-)

    Pelo "euzinha" imaginei que é a Sheyla, acertei?

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  16. Não, não acertou!!

    Mas adorei saber, que você me dá seu tempo pensando em mim...A-DO-REI. Um luxo!!!!

    Aqui lendo você, sei que o tempo é meu amigo...Viajo e estou com você. Muito bom, Ju.

    Beijão querida.

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  17. Ju amada,

    Pode até ser punk essa correria toda, essa vida acelerada e essa sensação de que o tempo passa muito mais rápido do que deveria, mas sinceramente, eu prefiro assim. Consegue se imaginar sem essa ânsia de ler, aprender, evoluir? Não dá né? E como já dizia a vó de alguém, cabeça vazia é oficina do capeta. Vamos tratar de deixá-la beeeeem cheia, que é pra não ter tempo e nem espaço pra besteira!!

    Saudades

    Beijo
    Carol Amenidades

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  18. Gosto muito de tudo que vc. escreve.

    bjs
    Sonia Queiroz

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  19. Anônimo

    Vou fazer mais uma tentativa: Divânia!!! (Depois dessa, me conte, por favor. Mistérios me deixam em cólicas hehehehe)

    Carol

    COM CERTEZA!!! Eu reclamo mas não conseguiria viver na calmaria completa. Preciso respirar gás carbônico e ouvir umas buzinas pra ficar bem. Mas é que às vezes eu exagero. :-)


    Sonia

    Que legal ter vc por aqui! Fico muito contente de saber que vc gosta do que eu escrevo.

    Vi uma entrevista da Carla Bruni em que ela disse: ter alguém além dos familiares que gosta do que você faz já é um milagre! Já me sinto até mais íntima da Carla Bruni agora... :-)

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Gosto de saber o que você pensa!