sexta-feira, 28 de março de 2008

Era uma casa muito assombrada

Sem tempo para escrever um novo texto, faço uma outra sessão Recordar é viver!

Publico, em homenagem ao meu amigo Eugenio que não acredita que eu fui uma excelente dona-de-casa durante os três anos, três meses e dez dias em que morei na França, um texto do meu antigo blog, com algumas alterações de tempos de verbos, vocabulário e etc. Coisa de gente perfeccionista, claro! Mas não existe nenhuma mudança de conteúdo. Eu realmente fui uma Rainha do Lar exemplar! E sem diarista!!!

Lá vai!

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Elas me venceram! As manchas no chão da sala... Esfreguei o chão valendo sem sucesso e decidi atacar de água sanitária. Elas não deram a menor bola para meus esforços. É preciso reconhecer uma derrota. Mas essa pequena batalha perdida não tira de mim o orgulho de ter sobrevivido ao trabalho doméstico. Não! Tenho muitas vitórias pra contar de meu estágio de Rainha do Lar...

Eu tinha tanta intimidade com o serviço de uma casa quanto com mecânica de automóveis. Pelo menos com os carros sabia que se por acaso tivesse um problema na rua era só parar, abrir o capô e ficar olhando para o motor com cara de ponto de interrogação até aparecer uma alma caridosa para resolver meu problema. Pois bem. Na primeira vez que me vi diante de uma pia cheia de louça fiz o mesmo: fiquei parada olhando para ela com cara de ponto de interrogação. Não adiantou. Tentei o ponto de exclamação. Ninguém apareceu. Reticências... Nada! Percebi que era eu mesma quem tinha de resolver aquela bagunça!

Estou exagerando. É claro que eu já tinha lavado louça na minha vida antes. Mas, roupa e na mão... Nunca! Quando fomos de mudança para a França, ficamos os vinte primeiros dias num apart-hotel. Num flat, para usar um termo em bom português. Depois de alguns dias já tinha uma pilha de meias, cuecas, calcinhas e roupas do Felipe pra lavar (como criança suja roupa!). Achei que ia ser super simples e fiz o que era óbvio: comprei uma caixa de sabão em pó, enchi uma bacia de água e coloquei tudo lá dentro. No dia seguinte enxagüei bem, torci e, chocada, vi que tudo continuava completamente sujo! Tentei imaginar o que eu tinha feito de errado. Vasculhei minha memória em busca de filmes, novelas, essas coisas que eu podia ver quando não tinha uma casa pra cuidar, em que aparecessem mulheres lavando roupa. Lembrei! Para a roupa ficar limpa tem de esfregar! Resolvi experimentar. Incrível! Não é que deu certo?

O problema é que no terceiro par de meias (alguém pode me explicar porque fui comprar meias brancas para uma criança?) minhas mãos já estavam em frangalhos. Foi quando ouvi um barulhinho assim: chec, chec, chec. Olhei pro lado. Era o Felipe. Ele estava me "ajudando" a lavar a roupa. O tampo da pia da cozinha tinha uma parte cheia de ondulações nas quais ele passava a peça para frente e para trás. Olha só! Ele tinha descoberto o objetivo daquilo! Claro que é meio nojento isso: lavar roupa íntima na pia da cozinha. O problema é que por lá não existe área de serviço nos apartamentos e casas. Pelo menos, não naqueles que tivemos a oportunidade de conhecer. Portanto, também não tem pia de cozinha. O que existe é um "tampia" ou um "pianque", como vocês preferirem, ou seja, uma coisa que serve ao mesmo tempo de pia de cozinha e de tanque.

Mesmo a descoberta ajudando bastante, ainda assim não estava achando aquilo muito legal. Sonhava com a suave melodia de uma máquina de lavar roupa funcionando! E percebi que uma casa é um lugar cheio de mistérios e fonte de muitas lendas...

Primeiro exemplo: dizem que a origem da cornucópia, aquele chifre de onde ficam jorrando eternamente frutas, sementes e coisas do gênero, seriam os cornos de uma cabra, chamada Amaltéia, que teria amamentado Zeus enquanto o poderoso fugia do pai que queria acabar com a raça dele e blá, blá, blá. Mentira! A origem da cornucópia é um cesto de roupa suja! Aquilo nunca fica vazio, por maior que seja o esforço. É impossível! A gente tenta, tenta, chega quase a esvaziá-lo, mas, um dia de bobeira e... pronto! Está o cesto transbordando de novo. Por isso, tenho certeza de que quem inventou a história da cornucópia só colocou essa coisa da cabra que amamenta um deus para ficar mais romântico. Na verdade, a idéia veio é do cesto de roupa suja mesmo!

Tem mais! Estou certa de que existe um buraco negro entre o cesto de roupa suja e a mesa de passar roupa. Se isso não for verdade, como explicar os pés de meia que simplesmente desapareciam? Felizmente todo mundo tem dois pés aqui em casa, mas sempre acabava sumindo um ou outro. É ou não é de espantar?

Entrei em desespero. Baixei decretos. Por exemplo, enquanto não tivéssemos máquina de lavar roupa, todo mundo tinha de almoçar pelado! Principalmente quando fosse comida com molho de tomate. Aliás, toalha de mesa? Dispensável! Mais fácil passar um paninho do que tentar tirar manchas de gordura de tecido. É por isso que as mesas não são mais de madeira-de-lei. Tudo de fórmica que é muito mais prático. E assim foi até comprarmos um dos grandes inventos da humanidade: a tão sonhada máquina de lavar roupa.

Por falar nessa história de inventos... Vou confessar uma coisa aqui. Entre os sete pecados capitais, reconheço fraquejar em dois. O primeiro deles é a preguiça. Admito, admito! Numa outra vida devo ter saído da barriga da minha mãe falando "ô meu rei... se avexe não...". Ficava meio chateada comigo mesma por causa disso. Mas refleti e cheguei à conclusão que os grandes inventos da humanidade foram criados por grandessíssimos preguiçosos. Vou explicar. Se não fosse pelo fato de alguém estar morrendo de preguiça de ter de arrastar as coisas, ainda não teria sido inventada a roda. É ou não é? Se não fosse a preguiça, porque tentar achar uma forma mais fácil de fazer alguma coisa difícil? Assim caminha a humanidade: preguiça de bater claras em neve? Batedeira! Preguiça de ficar na frente do fogão esperando dar o horário de desligar o leite? Microondas! Preguiça de esfregar a roupa? Máquina de lavar! E por aí vai. E quem disser que não necessariamente essas coisas foram inventadas por quem, por exemplo, realmente tinha preguiça de lavar roupa, eu respondo: é verdade. O que só prova minha teoria! Essa criatura é tão preguiçosa, que tem preguiça só de pensar na tarefa que alguém teria de fazer e pimba! Inventa uma máquina. Minha preguiça ainda não me levou a inventar nada. Mas pelo menos estou com a consciência mais tranqüila.

Ahn? Qual é o outro pecado em que eu fraquejo? Ah, acho que não vou contar. Seria a avareza? Quem sabe a inveja? Ou talvez... a luxúria? Hein? Hein? Nada disso! Uma simples e mundana gula... Fazer o que?

Essa gula também teve um efeito positivo: encontrei uma mestre-cuca escondida em mim. E o fato de cozinhar bastante me levou a descobrir ainda mais mistérios em uma casa...

Muitos cientistas já se perguntaram de onde se origina a vida. Lá pelo século XVII um maluco chamado Jean Baptista Van Helmont desenvolveu a teoria da "geração espontânea" que queria dizer mais ou menos o seguinte: a vida aparece espontaneamente a partir de uma matéria bruta. Deixe um pedaço de carne em um lugar qualquer e dias depois ele vai estar coberto de larvas. De onde vieram essas larvas? Do nada! Foram geradas espontaneamente (coisa mais nojenta). Ele também tinha uma "receita" para a produção de ratos (chegadinho numa porquice esse tal de Van Helmont...). É claro que um monte de gente caiu matando em cima do coitado, dizendo que aquilo era um absurdo, que essa tal de geração espontânea não existia, etc., etc., etc. Homens! Mal sabem eles que a geração espontânea existe sim! É só fazer uma experiência bem simples...

Pegue uma cozinha cheia de louça suja e arrume tudo. Dê uma voltinha e reapareça logo em seguida. Você vai ver que começa a surgir, do nada, mais louça suja! Um copinho aqui, uma colherinha lá e, em pouco tempo, a pia já está cheia de novo. É ou não é geração espontânea? Você vai andando pela casa e lá estão elas: atrás da televisão, no chão, do lado do sofá... É uma loucura! Às vezes, elas estão mais agressivas. Você acaba de arrumar a cozinha, abre o fogão assim como quem não quer nada e encontra uma travessa imunda! Tem dias em que, além de agressivas, elas também estão abusadas: você termina a cozinha, enxuga a pia com papel-toalha (de vez em quando baixa o espírito da mania de perfeição), olha satisfeita para o trabalho concluído, vira as costas e dá de cara com um liquidificador sujo em cima do forno de microondas! É de matar!

Por favor, não confundam a geração espontânea com aquela outra coisa que acontece quando a gente se oferece, gentilmente, para lavar a louça e a dona da casa começa a desenterrar da geladeira potinhos de conteúdo geralmente cabeludo. Isso não tem nada a ver com geração espontânea. Isso aí é sacanagem mesmo!

E os mistérios de uma casa não param por aí! Estou convencida de que existia um saci que passava pela nossa casa na madrugada de domingo para segunda. Acho impossível acreditar que a bagunça da segunda-feira de manhã já estivesse lá no domingo à noite! Tenho certeza de que isso era obra de um saci. Quer dizer, como estávamos na Europa, talvez fosse um Leprechaun que decidiu dar um tempo na sua tarefa de cuidar do pote de ouro que existe no final do arco-íris, e resolveu imitar o amigo brasileiro. Saci ou duende, não importa, o resultado prático era que toda segunda-feira de manhã eu passava pelo "momento desolação" da semana quando via o estado geral da casa...

Do jeito que eu estou falando, até parece que achei ruim essa vida de mãe-esposa-dona-de-casa. Não! Aprendi e me diverti bastante também. Foi meio cansativo, é verdade. Mas criei meus mecanismos de defesa. Elaborei o "Estatuto da Rainha do Lar":

1 - Estabeleça um horário de trabalho e cumpra-o à risca. Sua jornada se encerra às 19h00? Então encerre mesmo. Se for preciso, saia de casa, fique sentada na porta por uns cinco minutos e entre se jogando no sofá e dizendo: "Puxa! O dia no trabalho hoje foi de matar. Nada como chegar em casa e dar uma relaxada!"

2 - Respeite seu horário de trabalho. Um dia, quando decidi que era hora de parar, fui tomar um copo d'água na cozinha. Enquanto tomava a água, olhei para cima e pensei "Nossa! Esse lustre da cozinha está um horror!". Já estava quase pegando um paninho quando disse para mim mesma: "Nem pensar!". Se fizesse isso, com certeza ia dar meia-noite e eu estaria de balde em punho lavando os vidros da sala.

3 - Escolha um dia para ser o "dia da faxina". Nos outros, faça só o básico ou, melhor, não faça nada. Eu escolhi a terça-feira. Por quê? Bem, na segunda não dava (tinha o problema do saci). Na quarta-feira o Felipe não tinha escola. Quinta e sexta já estão muito próximas do sábado. Do jeito que eu fiz, como os outros dias eram mais leves, meu final de semana já começava na terça-feira à noite (olha a preguiça aí).

4 - Resista à tentação do "vou lavar só essa loucinha...". Não faça isso! Se você começa lavando uma loucinha, elas começam a se multiplicar feito loucas (não se esqueça da geração espontânea), e você acaba não fazendo mais nada o dia todo! Deixe acumular um tanto razoável na pia e só depois se atraque com as bandidas.

5 - Resigne-se ao fato de que, amanhã, você vai ter de fazer de novo tudo o que fez hoje. É assim mesmo. Portanto, não vale a pena querer "adiantar" nada. Não dá. Deixe para amanhã o que deve ser feito amanhã e pronto. Só quando tive de cuidar de uma casa entendi uma história que a Selvina, que trabalhou comigo por quase 10 anos, me contou. Ela disse que o castigo dado à mulher por causa daquele episódio da maçã era ter de fazer o serviço doméstico. Nunca acaba e todos os dias tem de ser refeito. Bem bolado esse castigo, não? O problema é que na época da Eva todo mundo comia com as mãos e só vestia folhas de parreira, que são descartáveis. Sacanagem o que a esposa do Adão foi fazer com a gente! Já estava na hora de o divino rever esse castigo, não é verdade?

Eram os primeiros artigos. Daí voltei para o Brasil, abandonei os serviços domésticos e deixei de lado o estatuto...

De maneira geral e apesar de toda a inexperiência, me saí bem. Mesmo com lavagem de roupas. Uma vez, cheguei até a desenterrar de algum canto obscuro da minha memória a lembrança de algumas propagandas de amaciante de roupa. Achei que valia a pena investir nisso porque notei que as roupas ficavam meio duras depois de lavadas. Comprei o mais barato que tinha no mercado. Amaciante, como o próprio nome diz, devia amaciar a roupa, não é? Só que um dia, quando fui recolher as toalhas de banho do varal, sem querer, deixei uma delas cair no chão. Ela parou de pé! Achei aquilo meio estranho. Mas a certeza de que o amaciante não estava fazendo o trabalho dele veio no dia em que o Vidal me perguntou:

- Você tem usado amaciante de roupa?

- Tenho, por quê?

- É porque ontem de manhã coloquei uma cueca e saí de casa. Tive de andar bastante e... bem... as partes, sabe? Ficaram todas esfoladas...

Claro que ele colocou mais roupa por cima da cueca, afinal por lá fazia um frio danado. Mas nesse dia tive certeza absoluta de que o ditado "o barato sai caro" é a mais pura verdade! Corri ao mercado e comprei um produto mais decente! Achei uma injustiça o amaciante estar estragando meu excelente trabalho.

Bem, para falar a verdade, teve a ocasião em que acumulei vários panos de prato para lavar. Vocês sabem, os panos de prato... Aqueles pedaços de tecido que servem para tirar a sujeira que não saiu na esponja! Eles geralmente ficam num estado lastimável. Pois bem, muita água sanitária e sabão em pó rolou pelo meu "pianque" até que eu terminei tudo. A primeira parte da lavagem foi na mão mesmo, vejam só que progresso. Como estava empolgada na empreitada, decidi lavar também os panos de chão. Quando terminei, pendurei tudo à altura dos olhos para admirar minha obra e foi nesse momento que percebi, horrorizada, que os panos de chão tinham ficado mais brancos do que os panos de prato. Achei aquilo um absurdo e não tive dúvida: imediatamente, sujei os panos de chão!

(Publicado originalmente em http://www.familiamartins.blogspot.com/ em 16/04/2004)

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Uma observação antes de encerrar: é o terceiro post seguido em que falo em pecados... Devo estar me sentindo muito culpada nos últimos tempos, só pode ser! Alguém tem um jeito de contactar São Pedro, tentar psicografar uma mensagem, sei lá?! Acho que estou precisando de absolvição...

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Um comentário:

  1. AHAHHHH!!!! Foi a França então, e os trabalhos forçados a origem desta verve toda.....

    Uma observaçãozinha só: três posts que falas de pecado mas isso não pesa. É só a preguiça. Que toma matizes deliciosos na tua pena....

    Não sei se foi teu o comentário no meu post, mas aquilo não era preguiça não... algo bem mais tinhoso. Graças a Deus nem era meu.

    Krida, com posts novos ou antigos você vai elucidando de maneira incrívelmente deliciosa os mistérios dessa vidinha de mulher nada comum que levas e nos ensinando.
    Brigadinha.
    Beijão
    Marie

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