sexta-feira, 7 de março de 2008

Sobe ou desce?

Será que George Orwell, quando escreveu 1984, foi um grande visionário? Ou será que deu a idéia pela qual o mundo fofoqueiro e indiscreto em que vivemos tanto ansiava? Foi no seu romance que apareceu o “Grande Irmão”, o hoje mundialmente famoso “Big Brother”. Ficamos sabendo do personagem do comandante onipresente nas vidas de todos pelas teletelas espalhadas em cada casa, cada centímetro de rua, cada canto de edifício público ou privado e a humanidade se transformou para sempre.

Quem não ouviu pelo menos falar da gaiola dourada artificial do reality show da TV que pegou emprestado o nome do personagem de Orwell? Aquele mundinho restrito e de mentira onde pessoas ficam em observação como ratinhos num laboratório: vamos colocar machos e fêmeas num mesmo ambiente, hormônios em fúria, e vamos ver o que acontece? Injeta um pouco de cerveja. Tira a comida. Acene com a recompensa da glória e da fama e vamos espiar à vontade. Realmente, um prato cheio para os sociólogos, antropólogos e psicólogos de plantão. Formados ou não... A ética médica não diz que é ilegal fazer experiências com humanos? Mundo doido e cheio de contradições esse em que vivemos...

Só que esse programa de TV é um grande faz-de-conta, não dura mais do que a eternidade de um verão. Anima conversas de salão, filas de pontos de ônibus e de bancos, situações em que só nosso arsenal de perguntas e respostas pré-formatadas sobre uma das maiores especialidades da raça humana, a meteorologia, não preenchem completamente o vazio das conversas vazias: Será que chove hoje? Calorão, né? Que frio! Ufa! Eis que agora podemos também falar da vida alheia sem medo de parecermos fofoqueiros! Autorização para espionar, para escutar atrás da porta, para olhar pelo buraco da fechadura. E para comentar depois!

Só que andei pensando e percebi, chocada, que eu mesma estou vivendo parte do enredo de 1984! Eu e todas as pessoas que vivem nas grandes cidades hoje em dia. Nós já vivemos sob o olhar constante e vigilante das teletelas do “Grande Irmão”. Estamos num Big Brother compulsório e nem tem prêmio de um milhão no final!!!

Já ando quase precisando de uma cirurgia no maxilar de tanto obedecer às plaquinhas do tipo “Sorria! Você está sendo filmado.” que vejo a torto e a direito todos os dias. Talvez essas plaquinhas tenham tornado as pessoas mais simpáticas, afinal estão sempre sorrindo, mas é um simpatia tão falsa quanto a vidinha na gaiola dourada... Entro em edifícios comerciais, lojas, condomínios e vejo a mim mesma nos monitores de TV sem parar. A grande sacanagem é que a TV engorda a gente pra caramba! E, além do mais, não estou recebendo nenhum cachê por ceder minha imagem desse jeito. Que injustiça! Onde está o meu agente que não resolve essa situação?

Nas estradas e avenidas está escrito “rodovia monitorada por radares”, na minha querida Rua XV de Novembro que percorro de norte a sul vejo os constantes avisos: “área de segurança monitorada por câmeras”. Pra todo lado que eu olho eles estão lá, onipresentes, os olhos que tudo vêem.

Vocês sabem quantas vezes uma pessoa é capturada em imagem por dia na cidade de Londres? Em torno de 300 vezes! E esse dado é de 2002, o que me leva a crer que de lá pra cá a coisa deve ter ficado ainda mais grave, é uma loucura!

Tudo bem, é uma questão de segurança. É verdade que os assaltos na Rua XV diminuíram e que eu posso subir e descer seu calçadão com meus fonezinhos de ouvido ou falando no celular, os pés no chão e a cabeça nas nuvens, sem medo. Mas e as ruas que não têm câmeras? Vamos nos transformar em Londres? Tudo bem se vierem junto o Tâmisa, o Big Ben e a Tower Bridge. O príncipe Harry não seria uma má idéia também...

Bem, não sei vocês, mas podem me filmar, eu não tenho nada a esconder. Quer dizer, quase nada. Na verdade, umas coisinhas mínimas que nem dariam manchete de jornal. Então, aceito e convivo bem com “O Olho”. Já estou até pensando nuns truques de maquiagem pra ele, rímel, delineador, sombra. Já somos amigos.

Mas tem um lugar em que eu não suporto as tais câmeras: elevador! Colocar câmera no elevador pra mim é a mesma coisa que colocar câmera no banheiro!!! Onde já se viu? E mais: pra quê? Tem câmera por tudo, a gente vê quem entra e quem sai do elevador pelas câmeras do corredor, da garagem, das escadas... Pra que câmera dentro do elevador? Elevador não dá pra seqüestrar, não tem como um ladrão entrar, render a ascensorista e dizer: ”Desvie o curso e leve esse elevador direto ao cofre do banco!” Na verdade, nem ascensorista existe mais! A não ser no Edifício Asa em Curitiba. Todo mês quando viajo nas asas dos elevadores do Edifício Asa me espanto com essa atividade profissional que resiste bravamente aos tempos modernos...

Decididamente, câmeras em elevadores me revoltam! E estou ainda coletando dados para uma pesquisa, mas desconfio que as câmeras são colocadas praticamente só nos elevadores que têm espelhos! Isso foi idéia de jerico de algum voyeur, só pode! Em elevador com espelho quem é que resiste àquela olhadinha pra ajeitar o visual? Sempre levantei atrasada e o espelho do elevador foi a extensão natural daquele do meu banheiro. No exato tempo de oito andares abaixo eu entrava de cara lavada e saía de lápis, batom e rímel. Daria até pra publicar um “antes” e “depois” se naquela época existissem as tais câmeras. Hoje, infelizmente, isso não é mais possível. A quantidade de maquiagem que sou obrigada a usar pra disfarçar os sinais do tempo e das quimios me obrigaria a morar no centésimo décimo andar! Tive de me render e ajustar meu despertador.

Mas não é só maquiagem... Tem aquela inspeção básica na cara pra ver se não tem um cravo mais saliente, uma espinha impertinente. Tem a olhadinha na bunda pra ver se está tudo em cima, ou conferir que continua embaixo, fazer o que? Uma verificada nos dentes pra ter certeza de que o brócolis ou o feijão do almoço corrido sem tempo pra escovar os dentes depois não estão lá, querendo ter eles também seus 15 minutos de fama diante das câmeras. Isso sem falar na ajeitada no sutiã, na calcinha...

E por falar em calcinha, o que dizer dos namoros furtivos, dos beijos roubados, das carícias ousadas? Impossíveis sob o olhar vigilante e indiscreto do Grande Irmão, encarnado e devidamente representado pelos porteiros! Os consultórios dos psicólogos devem estar lotados de pessoas que não têm mais a menor chance de realizar as fantasias de uma namoradinha no elevador. A eles eu digo: procurem elevadores sem espelho. Meio sem graça, eu sei, mas são os únicos ainda com chance de não terem câmeras.

Definitivamente, câmera no elevador é um absurdo! Vamos às ruas, vamos ao protesto!

Elevador! Cego! Jamais será esquecido!
Um, dois, três. Quatro, cinco mil! Queremos ter de volta o anonimato em elevadores do Brasil!


E precisamos ser rápidos! Elevadores não são mais cegos, mas ainda são surdos e mudos! Já podem “ver” o que fazemos no íntimo de suas entranhas, mas ainda não podem escutar. Lá no livro do George Orwell as tais teletelas viam E escutavam! Já pensaram? Parem o elevador desse mundo de elevadores vigiados que eu quero descer! Sei lá a que andar ele vai chegar, mas não quero que continuem a me vigiar. Tenho meus pudores, ora bolas!

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Alguns recados...

Em primeiro lugar, quero agradecer publicamente e em bloco a todos os comentários aqui no blog, mas também aos emails, scraps no Orkut, mensagens no MSN e mesmo recadinhos ao vivo e a cores que tenho recebido de quem acompanha ou passa por aqui de vez em quando! Realmente escrever essas coisas é uma atividade da qual eu gosto muito e que pretendo continuar enquanto tiver coisas a dizer! E olhem que sou muito faladeira!!!

Se não respondo a tudo na hora, às vezes nem respondo, é porque sou lerdinha e atrapalhada mesmo. Ou respondo mensagens ou escrevo outros posts. Prefiro os posts, vocês não?

Portanto, não é pouco caso, é só pouco tempo mesmo! Mas leio tudo, adoro e guardo com carinho!

Em segundo lugar, semana que vem é a última quimio! Uhuuuuu!!!!
Provavelmente estarei envolvida em batalhas ferrenhas contra os torturadores e não vou escrever nada nos próximos 10 dias pelo menos... Tudo bem. Será a última ausência por conta disso!

3 comentários:

  1. Juju, a muito tempo atrás entrei em um prédio comercial que tinha elevador e um aviso na porta:
    "Elevadores com câmeras, se você não gosta de ser observado, suba de escada!"
    Além de tudo tem que aguentar essa... fico imensamente feliz pela sua ultima quimio, amén!

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  2. Confissao:
    Ju, pouquíssima gente sabe, até eu tinha esquecido. A primeira vez que fui procurar emprego, e isso há 22 anos atrás, foi numa fábrica de elevadores em Curitiba. Eram inúmeros candidatos e as baterias de testes. Coisas da época como datilografia, entrevistas e testes vocacionais. De trocentos ficaram no final apenas 3 candidatos. Algum depois depois dos testes me surpreendo com um novo anúncio no jornal à procura de alguém para a tal vaga na empresa. Fui tirar satisfacao, afinal ninguém me ligara. O diretor me disse que nenhum dos candidatos havia sido aprovado, pois segundo o teste vocacional, tinham tendências profissionais que nao combinavam com o cargo disponível na empresa. O aprovado deveria fazer carreira lá dentro. Na época nao entendi, fiquei puto da vida. Hoje estou agradecido. E sabe por quê? Acho que, se fizesse carreira na empresa, teria sido eu o responsável por essa onda de camaras espalhadas pelos elevadores do mundo. Talvez nao seja correto. Mas pense em quem está do outro lado. Deve ser muito divertido. Pronto, falei.
    Beijo, Eugenio.

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  3. Ahhhh!!!! Fiquei sem conseguir acessar seu blog (por motivos para mim totalmente desconhecidos, eu clicava e dava erro...) e cheguei aqui atrasada....
    O Grande Irmão...menina, concordo com você, lógico... também me sinto vigiada e roubada nos meus momentos preciosos no elevador. Os dois do meu prédio tem espelhos. Grrr.... Mas se fosse só aí. Por vezes me sinto no grande Panopticon, o que é bem pior.
    Mas são papos para muitas horas...
    Última quimio tem que sem muito bem comemorada hem!!! Essa Fênix tem que ser recebida em grande estilo.
    Keep growing!!!
    Beijos

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