terça-feira, 8 de abril de 2008

Phelicidade começa com P?

É com extrema satisfação que tenho visto o ponteirinho da minha balança marchando decidido para a esquerda, portanto, em direção ao nirvana e não mais para a direita, ou seja, para o ostracismo.

Claro que isso não está acontecendo por milagre ou mágica, mas sim por esforços conjuntos entre medicina, indústria farmacêutica e esta mesma criatura que vos fala. Depois de anos experimentando tudo o que é dieta maluca, capitulei. Passei à fase da dieta nenhuma. Achei que somente a força do meu pensamento conseguiria segurar o ponteiro da balança. Esqueci que no momento da distribuição das graças divinas eu provavelmente deixei de entrar na fila do item “força” e, se minha força física beira o ridículo, é provável que minha força do pensamento tenha capacidades igualmente pífias. Na queda-de-braço entre ela e a balança, deu a balança de lavada! Eu via números cada vez mais obscenos por ali. Foi então que me rendi às evidências: para emagrecer não existe milagre, é dieta, exercício e acabou. Um hipotireoidismo descoberto há quase dois anos também explicava um pouco os (vários) kilinhos a mais e, nesse caso, é médico e remédio pra botar o metabolismo novamente em dia. OK, OK, vocês venceram! Comprimidinhos e nada de batata frita!

Agora, depois de um ano de tratamento e de esforços de resistência, começo a colher os frutos e eles são todos diet e light.

Mas os anos em que ostentei um desagradável invólucro adiposo me mostraram o quanto nosso mundo é injusto e cruel com quem está fora dos limites arbitrariamente impostos.

Não foram poucos os momentos em que tive a certeza de que tinha nascido na época errada! Certamente minha função nesse mundo era a de ser manequim e modelo, não da Vogue ou coisa do tipo, mas dos pintores barrocos. Era nos museus e não nas bancas de revista que eu encontrava, enfim, a identificação. Aqueles corpos nus, em cujas bundas abundavam curvas e celulites... Era ali que eu deveria estar! Foi um erro de cálculo de tempo de aterrissagem essa minha vinda no século XXI! Flanava pelos museus admirando minhas companheiras de profissão, elas sim, nascidas no tempo certo. Um dia até convidei meu cunhado a admirar uma obra-prima do que seria hoje um verdadeiro exemplo de “inclusão estética”. Três moçoilas em pleno viço das formas numa floresta. Lindo!

As Três Graças, Peter Paul Rubens,
1639 Óleo sobre tela, 221 x 181 cm
Museo del Prado, Madrid


- Como é o nome desse quadro? – ele perguntou.

- As Três Graças, do Rubens –disse, ainda embevecida pela imagem.

- As três DESgraças, você quer dizer!

PAF! Voltei à realidade do século XXI. Oh! Mundo cruel!

E não adianta negar, nem tentar pôr panos quentes pra ver se derrete alguma gordura localizada: o mundo rejeita as fofinhas e faz questão de deixar isso bem claro!

Meu primeiro contato com essa dura situação veio quando a coisa nem tinha, ainda, descambado de vez. Vi uma calça jeans numa vitrine:

- Oi, eu queria uma calça daquelas, por favor.

- Que número? – estranhei o olhar desconfiado da vendedora.

- 44.

- Aqui nós só trabalhamos com manequim até 42 – ela falou me olhando de cima embaixo e dando dois passos para trás como se quadris largos fosse doença contagiosa!

E olhe que eu ainda estava na época do manequim 44! A coisa piorou horrivelmente nos anos seguintes.

Nem mesmo ouvir um boato de que Marilyn Monroe, se vivesse hoje em dia, usaria manequim 46 me deixou mais feliz. Isso mesmo! Marilyn Monroe. Aquela das saias esvoaçantes e dos parabéns pra você gemidos para toda a posteridade no dia do aniversário do Presidente Kennedy. Se ela vivesse hoje em dia teria de, como fiz tantas vezes, ir buscar no fundo das lojas de roupas alguma coisa para cobrir o corpo.

Vocês já notaram o que acontece naquelas grandes lojas de roupas com nomes formados de letrinhas ou com nome de marca de tinta de parede? Logo na entrada estão as roupas para os seres do sexo feminino cujos números associados sejam mínimos tanto em idade quanto em peso. As senhôras ou aquelas que têm muitos centímetros quadrados de pele a serem cobertos vão precisar andar um pouco mais. Mulheres que já não têm mais de se preocupar com espinhas, mas que, em compensação, estão às voltas com os fios de cabelo branco ou em luta com a balança, são levadas cada vez mais para o interior da loja.

E existe um milagre que nem Nossa Senhora de Fátima explicaria! Vamos imaginar que uma criatura de bem mais de 18 anos precise de uma calça tamanho 44, por exemplo. Nem na hipótese remotíssima de encontrar dando sopa (ainda que light) na entrada da loja uma calça 44 esse pobre ser deve se animar a marchar com ela para o provador. Uma calça 44 destinada a uma moça de 18 anos vai ser muito menor do que uma calça 44 destinada a uma mulher de 38! Eu só gostaria de poder bater um papo com o Pitágoras. Mesmo falando grego, quem sabe ele poderia usar aquele famoso teorema pra me explicar porque existe diferença entre calças de mesmo manequim, dentro da mesma loja, ao mesmo tempo, só porque uma está pendurada na porta e a outra, no fundo!

Aliás, quanto maiores forem os números ligados a uma mulher em idade ou peso, mais no fundo da loja estarão as roupas que ela vai poder sonhar em, talvez, quem sabe, num golpe de sorte, respirando bem fundo e contando que o tecido vai lacear, comprar. Que inversão de valores vivemos! Hoje em dia não é o número do saldo da conta bancária quem diz se alguém pode ou não comprar uma roupa, mas sim, o número que aparece na balança ou no RG!

Essa constatação eu fiz quando morava na França. Entre as curiosidades que as pessoas têm sobre o país está uma rede de lojas chamada Galeries Lafayette. Na verdade, a loja é formada por um conjunto de lojas. Marcas chiquérrimas e carérrimas. Várias vezes fui “levar meus olhos para passear” por lá, já que comprar, nem pensar! O limite do meu cartão de crédito estava a muitos zeros de distância de suportar uma fatura deles. Mas o que me deixou extremamente arrasada foi perceber que nem se eu pudesse ou quisesse poderia comprar uma peça de roupa sequer nas Galeries Lafayette! O tamanho do meu manequim simplesmente me excluía do rol das possíveis clientes. Eu podia chegar com cinco mil, dez mil Euros em notas de 100, amassadinhas nas minhas mãos, despejar tudo no balcão diante da vendedora e chorar meu desespero:

- Olha aqui! Eu pago! Mas eu duvido que você ache uma única peça de roupa nessas lojas que me sirva!

E ela, tão desesperada quanto eu, embora não exatamente pelos mesmos motivos, as pupilas refletindo somente os cifrões das minhas notas, diria:

- Que é isso! Olha só, a gente recebeu uma coleção de echarpes que é a sua cara!

Essa é a cruel rotina das cheinhas. O mundo da moda lhes é proibido. Independente da condição financeira, mesmo com dinheiro na mão, tudo o que elas têm o direito de comprar em lojas chiques são meias soquete e echarpes. E fim!

Na verdade, cheinha com muito dinheiro é uma coisa que quase não existe. Roupas para o tamanho G (o real e não o das grifes famosas) existirão nas lojas populares. Tirando as classes A e, talvez, a B, as classes das outras 24 letras do alfabeto não têm dinheiro para pagar tratamentos, academia, cremes, cirurgias e por aí vai. Se a natureza não foi generosa na falta de curvas, as únicas chances de ser magra são nascer em berço de ouro ou conquistar uma cama de ouro seja por trabalho, casamento, mega sena ou mandinga! Será magra aquela que puder pagar (e caro!) por isso.

E não adianta esbravejar! Já perdi a conta da quantidade de e-mails, mensagens, reportagens e sites em que li textos de mulheres tão indignadas quanto eu estou agora, nos quais elas soltam o verbo contra essa ditadura da magreza em que vivemos! Todo mundo é contra, acha absurdo, esperneia, se revolta. Mas, ô classe desunida, na primeira oportunidade que aparece a gordinha dá um jeito de sair do time das roliças. Encontra mais do que depressa uma forma de achar roupas na área intermediária das lojas e não lá no fundo, ao lado da saída de emergência. Eu mesma faço isso! Comecei o texto dizendo o quanto estava feliz por ter despido, mesmo que lentamente e ainda não completamente, o casaco sabor bacon que idade, gravidez, tireóide cansada, vida sedentária e muitas pizzas se encarregaram de me cobrir.

A gente até diz no tom mais politicamente correto possível: “Veja bem, é uma questão de saúde e não só estética...” Sei! A verdade verdadeira, nua, crua, sarada e esquelética é que não sai da nossa cabeça, como um mantra maligno, a frase mais cruel que já tive a oportunidade de ler num outdoor: Felicidade é entrar num vestido P.

Já que o P do vestido é inatingível a gente acaba partindo para outros Ps: primeiro o de pizza, depois, o de Prozac!

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4 comentários:

  1. Bem, tenho a dizer que sempre usei P, sou P, as vezes até o P me fica grande e não sou mais ou menos feliz por conta disso.
    Sou feliz porque quero.PONTO.
    Também porque tenho uma amiga como você, que diverte a gente com estes textos deliciosos.
    Na próxima encarnação, já te contei que não vou ser mais P. Posso até usar P, porque vou ser, como já te contei: loira, alta, linda, rica e bem burrinha.
    Mas se Deus quiser e ajudar e o diabo não atrapalhar, ainda vou gostar do alfabeto inteiro e adorar ler coisas como essas.
    Um beijo enorme
    Marie

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  2. Esse é um de tantos motivos que sou pró americanos pois lá abundam tamanhos LX LXX LXXX LXXXX.
    Comem um monte de porcarias? Siimm! São imensos de gordos e feios? Siimm! Vão morrer? Siimm!
    E os magrinhos, bonitinhos e saudáveis, vão ficar para semente com suas roupinhas justinhas? Morrendo de vontade de comer um Big Mac e uma torta trufada? Depois de mortos teremos muito tempo para sermos magros...

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  3. Silvestre, Silvestre...a Juliana acredita que nos daremos bem...
    sei não...esse teu manequim P começa a me preocupar!

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  4. Oi Juliana, fiquei muito feliz por você ter me deixado uma mensagem tão linda, no meu blog, você tem muito talento na escrita minha querida, muito mesmo, isso é maravilhos,...
    Eu sempre gostei muito de escrever e de ler,(sou das humanas, você sabe...) e me parece que você tem muita habilidade em externar seus sentimentos, que coisa gostosa foi ler essa sua ( como diria...) "crônica?" sobre o culto a magreza.
    Nem preciso dizer, sou radicalmente contra qualquer tipo de regime, não é só porque sou minúscula não é porque acho que dieta sem controle médico é uma loucura, suicídio... tive muita sorte graças a Deus nunca precisei controlar meus desejos gastronômicos, e faço idéia mesmo como é sofrido ter que controlar as vontades da gente,...
    Todavia, a idade que me assola já me forneceu alguns quilos a mais,... sem pedir licença. Eles foram chegando e se instalando assim como ferrugem beira mar... é inevitável!!!
    Não sinto a minha idade ainda, só me encontro com grande susto quando vejo minhas fotografias,...
    Olho para as fotos atuais e parece que aquela não sou eu,... é engraçado... como o meu manequim não subiu muito, o meu choque é diferente do seu,... a minha idade aparece nos meus fios de cabelos brancos que são de Dona Jandira, e num olhar senhorio que não me é familiar.
    Você sabe, as mignons tem o privilegio de esconder a idade, e isso me aborreceu por toda a minha adolescencia e juvendute, mais agora tem me dado muitos motivos para rir e me divertir dizendo que tenho 38 anos, é tão engraçada a vida não é...?
    Bem, mudando de assunto agora, eu vi seus trabalho em patchwork na casa da Tia Maria José, quando fui visitar a vovó... adorei!!! São lindo, muito bom gosto e muita paciência ao confeccioná-los, nossa...!!! Eu não tenho paciência para aquele mínimos detalhes, deliciosos de ver quando o trabalho esta pronto.
    Curto muito todo tipo de trabalho manual, dou muito valor e pretendo nunca parar de fazer coisas assim, hoje estou encantada pela arte do scrapbook e só sei ver as coisas por essa ótica, é muito engraçado isso... mais sou eclética e estou sempre antenada nas novidades que aparecem aos montes por ai...
    Parodiando você, "... temos que nos modernizar...".
    Não li seu blog inteiro mais prometo que vou lê-lo, não sei se inteiro mais uma grande parte dele com certeza lerei, não deixe de escrever nunca,... você tem uma deliciosa veia poetica e deveria publicar seus escritos, e me convide para sua verniçagem...
    Prima, fique com Deus adorei saber mais de você, nunca tivemos muito contato mais sei que temos muito em comum e não sabemos ainda...
    Saberemos daqui pra frente.
    Beijos enormes nas crianças e no Vidal, e um especial à você.

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