sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Muito "aquém" da imaginação

Eu já disse! Vocês também já disseram... Na verdade, aposto que qualquer pessoa de mais de dezesseis anos de idade, em qualquer lugar do mundo, pelo menos uma vez na vida já disse. Sendo bem sincera, a gente não diz isso, a gente pensa, porque dizer seria assumir o mico e disso pouca gente tem coragem. Confessem! Vocês também já viveram aquele segundo mortal em que a seguinte frase se forma na cabeça: Mas o que é que eu tô fazendo aqui?

Instantaneamente centenas de miquinhos começam a guinchar ao redor, mas geralmente já é tarde, Inês é morta, não adianta chorar sobre o leite derramado, o jeito é enfiar a viola no saco e, como aconselhou nossa sapientíssima ministra, relaxar e gozar. Não tem nada mais perfeito num momento desses do que um monte de clichês e frases feitas para aliviar nossa consciência. Explicar o que, muitas vezes, não tem explicação.

Eu me lembro perfeitamente da primeira, assim como da última vez em que pensei isso. Além de vários outros episódios semelhantes entre esses dois instantes, imaginem se isso teria me acontecido só uma vez na vida. Foram vários os momentos, confessáveis e inconfessáveis, nos quais me arrependi amargamente de ter tomado a atitude que me levou àquela situação, no mínimo, circense.

A primeira vez eu tinha dezessete anos, era julho e decidi ir sozinha para a praia. Sozinha, nesse caso, não é força de expressão. Peguei um ônibus e desembarquei no meio de uma tarde de terça-feira, dia nublado, garoa, frio e, depois de andar duzentos metros pelas ruas sem calçamento de Shangri-lá, desviando de poças d’água e sapos, carregando uma tralha horrivelmente pesada, parei subitamente e, num segundo, a frase veio: Mas o que é que eu tô fazendo aqui?

A última foi há dois anos. Eu, uma senhora casada, mãe de dois filhos, professora universitária com mestrado e tudo o mais, me vi sentada numa cadeirinha, com um cinto de segurança de aço prendendo meus ombros e minha barriga, enquanto o tal carrinho subia por um trilho. De ré! Gente, montanha-russa é coisa pra adolescente! Que idéia ridícula tinha sido aquela? E os engenheiros de montanha russa são todos sádicos. Quando o carrinho chega lá em cima e você vê o mundo com seus olhos paralelos ao chão, mas dezenas de metros acima dele, a geringonça faz um singelo TLEC!, o ponteiro dos segundos dá um pulinho pra frente no relógio e o pensamento vem: Mas o que é que eu AHHHHHHHHHHHHHHHHHH!

Foi! Você despenca, o mundo vira de cabeça pra baixo, a cabeça chacoalha, o cérebro desconjunta, os olhos reviram, os cabelos embaraçam, as pernas bambeiam e a bexiga, se bobear, solta o que estiver lá dentro. E ainda têm coragem de chamar isso de parque de diversões?! Parque de orações seria mais adequado. Só eu rezei cinco ave-marias nos eternos quarenta e cinco segundos que durou aquela agonia!

Saibam vocês que a grandecíssima responsável por todos os micos do mundo é a nossa imaginação. Sim, estou convencida disso! Imaginamos coisas e situações, mas esquecemos que o mundo perfeito só existe dentro da nossa cabeça. A vida real não tem nada a ver com os delírios das nossas ondas cerebrais sem noção!

Aos dezessete anos eu me vi fazendo maravilhosos passeios à beira-mar. Só esqueci que em julho chove, faz frio, não existe vivalma na praia, além disso a casa fechada cheira a mofo, não tem ninguém que cozinhe e, o pior, anoitece! Noites escuras em balneários desertos, com grilinhos fazendo cri-cri do lado de fora, estão muito mais para Bruxas de Blair do que para qualquer filme da Meg Ryan.

Não. Para a montanha russa não tem explicação que justifique a não ser o desespero. A gente vê a idade avançando e quer ter de novo dezesste anos, esquecendo completamente que mesmo aos dezessete anos já pagava micos.

Há dezenas, centenas, quiçá milhares, senão milhões, de exemplos de situações do tipo o-que-eu-tô-fazendo-aqui. Há alguns anos minha irmã, Renata, decidiu fazer parte de uma campanha de Natal que distribuiria brinquedos a crianças carentes. Na imaginação dela o filme estava pronto: o grupo chegaria ao local combinado, todos vestidos de Papai Noel, as crianças sairiam das casas com sorrisos nos lábios e se aproximariam do grupo, que entregaria os presentes com os olhos marejados de lágrimas. Tais presentes seriam desembalados e aqueles bracinhos cheios de gratidão enlaçariam os pescoços dos abnegados e incógnitos papais noéis que ao final voltariam às suas casas com os corações transbordantes de amor e espírito natalino. Lindo, não? Na imaginação!

A realidade foi que eles chegaram lá e já tinha uma multidão de crianças que, nem bem o saco do Papai Noel foi aberto, avançou nos pacotes. A Renata tentava entregar um embrulho, olhos nos olhos, dizendo Feliz Natal!, mas não conseguia porque vinham mãos de todos os lados e ela só fazia gritar: Calma aí!, Péra lá!, Tira essa mão daí, moleque! Os que pegaram os presentes abriam os pacotes e reclamavam! Voltavam para xingar as pessoas e dizer que se era pra trazer aquela porcaria, melhor nem aparecer, banco de filhos da... Exatamente! Ela também quis saber o que estava fazendo lá naquele momento.

E assim as histórias se sucedem. Tem o cara que vai assistir ao parto do filho, mas na primeira gota de sangue que aparece percebe que o estômago realmente existe e... Assim como a mãe que passa nove meses corajosamente aguardando o parto normal, mas depois de seis horas de contrações lembra de uma seringa de anestesia e... Tem o aventureiro de fim de semana que paga um curso para saltar de pára-quedas ou pular de bungee-jump, mas na hora em que a porta do avião abre ou que ele sobe na ponte, olha para baixo e... Tem o pai que contrata decoração, balões e animadores para entreter os convidados na festa de aniversário da filha, mas na hora em que o animador veste esse pobre pai de palhaço, com peruca de cachinhos pink, nariz de bolota e calça com cintura de bambolê se olha de relance no reflexo do vidro do salão de festas e... E o que dizer do cara quase quarentão que aceita o convite de um amigo para ir ao aniversário de uma colega mas quando descobre que a faixa etária dos convidados não passa muito dos 18 anos olha pra porta e... Sem esquecer da mulher que vai sozinha ao aniversário da filha de um amigo sem conhecer absolutamente ninguém da família ou dos outros amigos dele e, depois de duas horas ouvindo uma conversa insuportavelmente chata de uma amiga da esposa do pai da madrinha da aniversariante, olha discretamente para o teto e...

Todos esses personagens anônimos do mundo real gritariam em uníssono se pudessem: Mas o que é que eu tô fazendo aqui?!!!

Tudo culpa dela. Da imaginação. Imaginação fértil, eu diria. E todo mundo sabe que o melhor adubo do mundo é a... Isso aí que vocês imaginaram. Só que na vida real ela é ainda mais fedida!

O pior é que a gente não aprende. Continua a imaginar situações perfeitas, nos mundos perfeitos, que não existem. E, fatalmente, uma hora ou outra vai se ver no meio de centenas de miquinhos que guincham ao redor...

Pensando bem, disse que isso é o pior, mas a grande verdade é que são exatamente esses momentos símios que animam as conversas, não é mesmo? Tem coisa mais chata do que uma pessoa que não paga mico? Um ser humano para o qual tudo dá certo? Eu só conheço uma única pessoa assim no universo: eu mesma. Na minha imaginação, é claro! A versão mundo real paga um mico atrás do outro, depois vem contar aqui nesse blog.

Que venham os macaquinhos, então! Mas uma coisa eu prometo para vocês: montanha-russa, nunca mais! Não mesmo! Imaginem!


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10 comentários:

  1. Ju, eu também não "montanha russa nunca mais". Pelo menos um dia se a gente se conhecer e for passear juntas não corresmo o risco de uma desagradar a outra querendo ir na montanha russa. Eu fiz essa besteira a uns 3 anos atrás: estava acompanhando filho adolescente, marido e pai de adolescente que se acha o próprio adolescente e cunhado recem saído da adolescência, imagine a cena eu do lado do cunhado na montanha russa, nunca mais!!!!!

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  2. hhahahahaha
    Sol! Combinado! Vamos andar juntinhas nos parques e nada de montanhas-russas!
    Beijo e obrigada pela visita!

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  3. Ju,
    Quando li a pergunta: O que é q eu estou fazendo aqui? percebi que esse É o meu mantra! Repito isso pra mim quase todos os dias, pq sempre me meto em alguma furada. E não aprendo! E como vc tbém disse, eu sempre tenho ótimas histórias pra contar (vide Amenidades q anda abandonado por vc). A minha vida é feita de micos. E eu não a trocaria por nada!
    Beijos e quero aquele café!!!!

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  4. Carol! O café tá marcado pra sexta!!! E prometo que não vai ser um mico :-)
    Não é só o seu blog não está abandonado... EU MESMA estou abandonada... Quer dizer, estava! Sexta te conto! Vão ser mais micos pra contar, mas tudo bem! :-)

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  5. Que divertido!!!
    Coitada da Renata!!! Mas rolei de rir com a cena!!!
    Você tem razão, Ju, criamos mundos perfeitos e geramos a expectativa em relação a eles... E quando nos deparamos com a frustrante realidade, percebemos o quanto conseguimos ser ingênuos em nossos desejos.
    O truque é desmanchar rapidamente a perfeição que havíamos criado, respirar profundamente e viver o "novo" momento.
    É claro que isso não invalida o "mico" e a graça na hora de compartilhar!!
    Beijos, querida!
    É muito bom estar de volta!!

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  6. Gostei da sua foto.
    beijos
    denise

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  7. Oi, minha querida corajosa da montanha russa...
    É por essas e outras que o Hopi Hari me erra...
    Agora eu tomei coragem (ou destrambelhei de vez)e também estou por aqui escrevendo minhas insanidades... http://joiasdafamilia.blogspot.com/
    tá no começo, mas devagarzinho o caramujo chega a Veneza...
    Bjus!

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  8. AHHHH!!!! Voltei.
    A ler os blogs de que gosto.
    A chuva me ajudou. Não fui correr os 17km de hoje, embalada inclusive na corroboração da minha amiga Mari, que também não vai correr sua uma hora e meia que deveria hoje.
    Paramos.
    Eu, em homenagem ao seu dia estou aqui. Vendo tudo o que perdi nestes quase dois meses. O aniversário é teu e eu que ganho o presente de você.
    Adorei esse aqui. Embora adore montanha russa (sabes que tenho minhas insanidades), sei bem os micos e as situações "O que estou fazendo aqui". Sou campeã.
    Mas adiante. Vou ler o próximo, emquanto eu faço tempo para te ligar numa hora menos intrusa.
    Beijão
    Marie

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  9. Marie
    O que seria dos nossos almoços sem nossos micos pra contar?
    Que bom que vc está de volta!

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