terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Pitanguy desempregado

Houve um tempo em que as mulheres maquiavam, não apenas os olhos, mas também o RG. Não é que elas mentissem, nada disso! Era apenas uma forma de continuar a viver num mundo de faz-de-conta do tipo: faz de conta que ainda tenho 25 anos, apesar de ter usado uma cópia de um vestido da Jacqueline Kennedy no meu baile de debutantes. Então, mesmo tendo acumulado algumas dezenas de velinhas sobre o bolo, preferiam trocar todas elas por uma única que tivesse, no lugar dos números, um desenho de ponto de interrogação, por exemplo.

Notei que de uns tempos para cá isso mudou. Cada vez mais temos orgulho em revelar a própria idade. Na verdade, o que queremos é receber a recompensa pelos valores astronômicos que gastamos em cremes e tratamentos, os louvores pelas horas de sofrimento na esteira e o justo prêmio pela resistência ferrenha às pizzas e aos brigadeiros. Não existe uma única torta de chocolate neste mundo que seja mais doce do que a frase Nossa! Não parece!, ouvida quando declaramos nossa idade.

É verdade que escutar isso pelas primeiras vezes está longe de ser alentador... Mudar do Como você cresceu! da infância para o Você não mudou nadinha! da maturidade não é nada fácil. Requer dose cavalar de extrato concentrado de Pollyanice na veia.

Só que essa juventude quase eterna que alcançamos a duras penas tem gerado situações, no mínimo, engraçadas. Dessa vez os causos não se deram comigo, mas com minha mãe e com uma das minhas tias.

Primeiro, minha tia Maria Helena. No frescor dos seus 70 anos, e quem a conhece sabe bem que quando digo frescor não estou exagerando em nada, ela se postou no fim de uma fila para idosos e foi imediatamente barrada por uma mulher muito carrancuda, que lhe disse:

- A senhora não viu que essa fila é especial para grávidas, deficientes e idosos?

- Vi.

- A senhora não está grávida, nem é deficiente, e só é considerado idoso quem tem mais de 60 anos.

- Exato! Está aqui minha identidade: eu tenho mais de 60 anos.

E a mulher, sem desmanchar uma única ruga do rosto fechado, disparou:

- Mas como é que a senhora consegue?

Em primeiro lugar, não sendo tão mal-humorada, minha filha. Isso é o que minha tia deveria ter respondido. Mas é exatamente por manter sempre o alto astral que ela tem aquela aparência e uma frase dessas jamais sairia de sua boca. É uma pena que eu tenha por princípio não divulgar fotos pessoais de conhecidos por aqui. Com uma foto vocês poderiam comprovar que não exagero em nada quando digo que minha tia, aos 70, poderia facilmente dizer que se inspirou nos modelitos de começo de carreira da Madonna nos seus 15 anos.

Semana passada aconteceu algo semelhante, desta vez com minha mãe.

Primeiro foi na fila do supermercado: duas mulheres começaram a, no início, cochichar. Em seguida, a falar um pouco mais alto. No fim, não resistiram, cutucaram minha mãe, e lá veio a repetição do script: A senhora não está vendo que esta fila é para idosos e blá, blá, blá... Dessa vez o final da história foi mais doce: começou com o Nossa! Não parece! e continuou num animado papinho com trocas de receitas de longevidade entre os participantes das filas vizinhas. Quase que tudo acaba em pizza de chocolate diet num spa!

No dia seguinte, menos de vinte e quatro horas depois desse incidente sem grandes consequências, minha mãe me levou ao médico porque, depois de uma cirurgia simples, eu estava impossibilitada de dirigir, andar pendurada em corrimão de ônibus, ou mesmo fazer longas caminhadas. Naquele dia ela era minha motorista particular e ficamos felicíssimas por encontrar, milagrosamente, uma vaga para estacionar o carro em pleno centro da cidade, exatamente na entrada do prédio em que ficava o consultório do médico. O detalhe é que nessa vaga estava escrito em letras garrafais, letras essas que nem com toda catarata do mundo deixaríamos de ver, a palavra IDOSO. Minha mãe já é, como ela mesmo diz, sexy, ou seja, sexagenária. Portanto já passou, embora não muito, dos 60 e estava no pleno direito de estacionar ali. Sem contar a minha própria presença, uma quase inválida naquela dia.

Nem bem ela desembarcou, ouviu uma buzina insistente. Viu um homem exaltadíssimo dentro de seu carro, fazendo gestos nervosos com os braços. Muito pacientemente, foi até a janela do distinto senhor para ouvir o que ele dizia:

- ... enxerga, não? Não tá vendo que essa vaga é pra idoso? Mas que cara de pau!

- Idoso é quem já passou dos 60, não?

- Isso mesmo!

- Eu tenho 62 anos.

- Essa mentira a senhora vai contar lá pro guarda, onde já se viu! Não vem com essa pro meu lado! Tá pensando o que eu sou palhaço? E blá, blá, blá....

Ela nem pôde dar sábios conselhos ao distinto e educado cavalheiro, dizendo que se ele continuar tão estressado ficará longe de vez das vagas para idosos nas ruas da cidade e terá de torcer muito para que essa lei já tenha chegado ao paraíso. Ou ao inferno. Mas eu desconfio que o capeta não tem esse tipo de preocupação... Enfim, morrendo de rir, ela deixou o motorista bradando seus impropérios sozinho e partiu tranquilamente. Atitude, aliás, fundamental para quem quer ter a chance de viver momentos como esses.

Confesso: tenho lá minhas crises de mau humor. Mas até que elas são bem-humoradas às vezes. Prova disso é meu mais recente projeto de patchwork, o qual acabo de desenhar e que, espero, em breve estará fotografado e disponível para minhas amigas quilteiras. Trata-se de um TePerMômetro! Um painel a ser pendurado na porta de casa e que indicará a quem chegar a quantas anda meu nível de TPM. Acredito que será extremamente útil, especialmente para meus filhos. Dependendo da temperatura mostrada no painel, o mais prudente para eles será mexer o esqueleto imediatamente ao primeiro suspiro que eu exalar no sentido de chamar um dos dois à minha presença. Se o tepermômetro estiver marcando níveis altíssimos, e se eles quiserem ter a chance de um dia usar em pelo direito a vaga ou a fila especial para idosos, então é melhor que apareçam sem demora! Se possível, que antecipem os meus chamados. É ou não é um mau humor bem-humorado?

A grande verdade é que, quando faço uma análise genética de avós, mãe, tias e primas, no intuito de estabelecer prognósticos para minha própria aparência no futuro, fico na maior felicidade em ver que posso detonar sem medo aquela poupança que vinha fazendo para as cirurgias plásticas. Se a Genética for disciplina séria como parece, vou poder torrar tudo em coisas bem mais divertidas que, ainda por cima, aplacarão minhas crises de mau humor! Não é genial? Pitanguy não vai me ver nem de perto, nem de longe! Ficarei alegrinha, sem rugas, e tanto meus filhos como o espelho agradecerão aliviados. Oba!

Por via das dúvidas, e para evitar espancamentos, que o Alzheimer me livre de esquecer de manter meu RG sempre ao alcance das mãos!

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6 comentários:

  1. Ah, Ju...
    "Bonitona" é uma velhinha arrumadinha... Devo estar chegando lá, porque ouvi isso outro dia ao reencontrar uns conhecidos do extinto planeta corporativo, que sobreviveram ao holocausto que devastou o meu então departamento/habitat.
    Prometi que vou escrever uma carta para mim mesma, para quando eu começar a caducar meus descendentes me relembrarem: "não passe o CPF, a senha do banco,não aceite carona de estranhos, tome banho todos os dias, contrate uma faxineira, etc etc etc...
    ha ha ha ha, já pensou, eu caduquinha??? misericórdia!

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  2. Se é para manter o bom-humor...
    “meu pai encarequeceu, eu também
    envelheceu e seu nariz cresceu
    o meu foi além
    as orelhas aos poucos escorrem
    brotam pelos...
    desespero!
    tirem da frente
    por deus, esse espelho”

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  3. Ah, já te agradeci o maravilhoso comentário que você deixou no meu blog? Obrigado. Beijo.

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  4. Ju, oiiii. Obrigada pelo recadinho lá no Beleleo, viu? Mas não se sinta na obrigação de visitar e de ler. Apareça quando tiver vontade. Eu entendo direitinho o que é uma crise de aversão ao computador. Olha, estou sempre aqui lendo seus textos, adoro seu jeito bem humorado de escrever. E eu PRECISO de um TePerMômetro!!!! Como faço? Também fiquei doida para ver a foto da sua tia. ahaha...BELjocas.

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  5. Rose, discordo!!! "Bonitona" é aquela mulher que, pela ordem natural das coisas e de acordo com a irrevogável lei da gravidade, já devia estar só de pantufas em casa fazendo sapatinhos de tricô mas que, ao contrário, mata de secreta inveja as mocinhas de muitas curvas mas neurônios ainda em formação! É o seu caso que eu sei bem!!!

    Bigode, ADOREI! É seu o poema?
    O comentário foi sincero! E eu fiquei com desejo de Madeleines de lavanda... Será?

    Bel! Apareço porque gosto! Só não vou mais porque essa minha "avidez", essa vontade de fazer tudo numa vida só não me deixa muito tempo! Agora acho que estou conseguindo domar meus impulsos para me concentrar SÓ em 3 atividades!
    O TePerMômetro sai até o fim da semana que vem!!! Minhas "sócias" já aprovaram tb, agora é só fazer! Vai ter foto! Da minha tia já é mais difícil... Vai que a Globo descobre?

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  6. Juju...
    Maravilhosos, post idéias, histórias, família tudo.
    Tepermômetro saindo, pelamordedeus, uma cópia extra para anunciar no meu consultório. Vai chover encomenda, tenho certeza.
    A minha porfavor coloca na fila no primeiro lugar disponível.
    Não te preócups que não tem pressa a tua volta ao mundo cibernético.
    Cada vez que apareces é uma delícia duradoura.
    Precisamos sim e tornar nossos encontros carnais (hahaha... brincadeirinha) mais frequentes. Ainda que a torcida enlouqueça os celulares. Hihi.
    Beijinhos

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