quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Presente? Tem gente que não dá bola!

Há alguns dias levei o Felipe para tomar vacina. Claro que o evento não poderia ter transcorrido sem momentos de tensão. É evidente que levar uma agulhada não é algo pelo qual se passe sem medo. Mas, observando o comportamento do Felipe, percebi que sofremos, sim, mas provavelmente sofremos mais do que a cota que nos é reservada. Por opção!

Enquanto a enfermeira preparava a vacina ele já começou a chorar. Chorou mesmo! O choro era pela dor que ele achava que sentiria. Uma dor antecipada e quase tão sofrida quanto se a agulha já estivesse enterrada em sua carne. Ele estava no meu colo e é claro que eu tentava acalmá-lo. Em vão. Ele nem escutava o que eu dizia. Até que pronunciei alguma palavra mágica e ele, enfim, parou de chorar para me ouvir. O que eu consegui dizer depois disso foi: Espere ela enfiar a agulha. Se doer, chore muito, chore forte. Mas espere! Pode ser que não doa...

Ele se acalmou e esperou. Esperou. Esperou. Então perguntou: Quando é que vai começar? A resposta foi: Já acabou!

Por alguma razão inexplicável, aquela vacina não doeu. Mas, infelizmente, ele já tinha sentido a dor. Uma dor que, no fim das contas, não veio. Pelo menos, não tão forte quanto ele imaginava.

Quantas vezes sofremos antecipadamente as dores da vida? Quantos problemas futuros, quantos projetos de problemas tentamos resolver? E o pior! Quantas vezes o fato de tentar resolver os problemas que ainda não tínhamos fizeram surgir problemas que passamos a ter de verdade?

O grande engano é acreditar que antecipar o sofrimento vai, de alguma maneira, nos preparar ou atenuar o sofrimento quando ele vier. Bobagem! Não vai! O sofrimento antecipado não diminui o sofrimento real quando ele acontece, porque só quando, e se, ele acontecer, é que vamos saber exatamente o que sentiremos, ou como agiremos. E isso vale para tudo! A imaginação de uma torta de chocolate não se compara ao prazer de comer a torta de verdade, assim como a lembrança de um beijo não substitui nem prolonga o prazer do beijo em si. Lembrar da torta ou do beijo dá prazer, assim como imaginar uma dor faz sofrer. E nem uma coisa, nem outra, impedem a força da emoção, seja boa ou seja má, no momento em que ela é vivida.

Ninguém morre de véspera. Nem mesmo o peru! Ele morre no momento em que devia morrer porque, simplesmente, não estava convidado para a ceia mesmo. Quer dizer, até estava, mas em outra condição.

Portanto, ficar no presente, tentando prever um futuro doído vai fazer doer hoje algo que doerá também amanhã. E o mais ingrato é que, caso a dor não venha como esperávamos, ou simplesmente não venha de jeito algum, teremos sofrido uma vez. Inutilmente. E se a dor vier, será ainda mais triste: teremos sofrido duas vezes. Inexoravelmente.

Por mais dura que seja esta realidade, não há como mudá-la: nossa vida acontece no presente. E só nele. O passado... passou. O futuro... não existe nem nunca existirá porque, quando lá chegarmos, já será presente.

Temos um presente da vida a cada instante e muitas vezes o ignoramos insistindo em olhar para trás ou para frente, antecipando dores ou tentando reviver amores, sabores e, até mesmo, horrores. Só que a vida requentada, assim como a vida ainda não preparada, não têm, nem de longe, o sabor da vida bem temperada e ainda fumegante.

Espero que o Felipe tenha registrado a experiência e, nos tempos presentes que ainda virão, aguarde primeiro a agulha perfurar a carne e o remédio invadir as veias para só então chorar as dores reais que a vida lhe trará de presente, no presente.

Serão presentes, sim, mesmo quando forem de mau gosto. Nem sempre gostamos de todos os presentes que ganhamos, mas isso não muda o fato de que eles nos foram ofertados. De presente. Presente de grego, às vezes. Mas, ainda assim, presente.

Tudo o que temos para viver aqui e agora já deveria nos ser suficiente. Pra que mais?

14 comentários:

  1. Ju querida,
    Seu texto veio como de encomenda. Tô sofrendo tanto por uma coisa que será resolvida, mas não agora. O que não me impede de estar angustiada, preocupada, com aquele frio ruim na barriga. E vc tem toda a razão. Não adianta eu me preparar para o pior. Eu só vou saber quando acontecer, quando eu finalmente resolver. E lá talvez seja como a vacina do Felipe: nem vai doer.
    Vou ler e reler até me convencer!
    Obrigada e vc nem imagina o quanto me ajudou!
    Beijo

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  2. Que bom!
    Eu mesma preciso ler e reler várias vezes pra não me esquecer disso! ;-)

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  3. Jujuka, caiu como uma luva... A gente vive a realidade que constrói para si. Isso inclui passado, presente e futuro.
    O incrível é que a gente sempre revira o passado como tendo sido mais intenso do que realmente foi. E o futuro como detentor exclusivo da felicidade, como se ela só pudesse ser daqui a um tempo, agora não.
    Quando quiser deixar qualquer comentário no meu blogginho, seja triste ou não, deixe pra valer. Se você é "igualzinha" a alguém, esse alguém deve ter muitos méritos, pois considero e respeito tudo o que vem de você. Pode ser um espirro, um palavrãozinho, um elogio,um texto bom pra garai, uma tristezinha... Não importa, that's Juliana anyway...

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  4. Ju,
    Eu estava sofrendo por antecipação justamente na hora em que li o texto.
    Passar a angústia, não passou....mas me botou prá pensar...E MUITO!
    Valeu!
    Beijos!

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  5. Você tem toda razão. Agora explica isso para minha cabeça maluca. Se fosse assim tão fácil como você faz parecer..hehehe. Ótimo texto. Beijocas da Bel Beleleo.

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  6. Que maravilha!
    Inspire, expire e viva o momento presente.
    É isso mesmo, ele é o momento presente porque é um presente!
    É um maravilhoso presente poder estar realmente presente ao ler sua crônica.
    É maravilhoso estar realmente presente ao escrever este recado!
    E será realmente maravilhoso se você estiver presente quando ler meu recado.
    Cada momento, um momento, mas sempre no presente presente!!
    Beijos, querida!
    Lili

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  7. Oi Ju, vc só esqueceu de dizer como fazer isso, deixar pra sofrer só na hora do sofrimento. Sou como seu filho: fiz uma pequena cirurgia de varizes ( doeu, um pouco), mas na véspera estava tão angustiada e com medo da dor que viria que entrei em pãnico. Liguei para o meu homeo e pedi um calmante. Simplemente não consigo parar com esse sofrimento antecipado. Acho que vou voltar pra terapia!!!

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  8. Rose,
    Vc tem razão! Assim como "a grama do vizinho é sempre mais verde", o passado e o futuro parecem lugares sempre melhores! É meio absurdo isso, mas concentrar no presente é uma das coisas mais difíceis que existe!
    Bjs

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  9. Elisa
    Se te pôs pra pensar, então ótimo! No mínimo vc divide o tempo do pensamento entre o problema e o texto e já pensa menos no problema, né? :-)
    A gente tem de procurar o lado bom de TUDO! Sempre tem!!!

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  10. Isabel
    Fácil não é... Não mesmo! Pensa que eu consigo sempre? De jeito nenhum! Mas já estou conseguindo às vezes, o que me deixa numa alegria sem tamanho!!!

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  11. Lili
    Estou presente SIM! E muito contente com o seu comentário. Eu sei o quanto vc tem vivido (ou tentado viver, pelo menos) dessa forma!
    Grande beijo

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  12. Zan!
    COMO fazer tb não sei! Na verdade, o "como" é de cada um. Cada um tem de encontrar o seu jeito de não ficar vivendo pra trás ou pra frente. Fácil não é mesmo. Mas é possível, e saber que é possível já me anima! Um dia chego lá! Aliás, se conseguir viver assim HOJE já tá de bom tamanho :-)
    Obrigada pela visita!!!

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  13. Garota...
    Paguei 4 anos de psicanálise para chegar exatamente nisso. ( Sem contar os outros 15 de outras terapias). Mas valei. O melhor lugar do mundo é sempre aqui e agora.
    Mesmo assim tenho que me exercitar todo dia para não perder a perspectiva e escorregar para o já foi ou ainda vai ser.
    Um exercício, maravilhoso, difícil e justíssimo.
    Beijo

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  14. Marie
    Põe difícil nisso! E eu AINDA estou pagando a terapia pra ver se escorrego o mínimo possível!

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