quarta-feira, 18 de março de 2009

O que realmente não tem preço, também não tem explicação

Um dia, num acesso de loucura, sucumbimos. Não tem jeito! Desafio uma única quilteira a olhar para um Dear Jane sem pensar: um dia vou fazer um também!

Imagem original do site www.dearjane.com

O que será que tem de tão mágico nesse projeto? Por que esse, especificamente esse, atrai tanta gente? Qual foi o feitiço que Jane Stickle engendrou quando teceu cada um dos milhões de pontos que unem os retalhos desse trabalho? De onde vem tanto magnetismo?

Para algumas pode ser a vontade de fazer algo grande, uma forma de um desafio que lançam a si mesmas: se ela conseguiu, eu também consigo! Pode ser só masoquismo, quem sabe? A verdade é que, tal como o canto das sereias, um Dear Jane nos chama com força quase irresistível e, quando nos damos conta... tarde demais! Estamos nós mesmas irremediavelmente costuradas à trama desse trabalho maravilhoso.

O primeiro bloquinho já nos dá a dimensão, ou seria melhor dizer a imensidão, dessa obra. E, paradoxalmente, ele é tão pequeno! Não dá pra imaginar quando vemos o trabalho em foto, nem mesmo nas poucas chances que temos de vê-lo ao vivo. Como coisas tão pequeninhas têm o poder de criar algo tão grande? Pode estar aí o primeiro segredo de um Dear Jane: talvez nos identifiquemos a cada um dos mínimos pedaços de tecido que, sozinhos não significam nada, mas quando estão no meio de um Dear Jane contribuem para a criação de algo realmente belo!

Então os blocos se sucedem... Invariavelmente começamos pelos mais simples e, aos poucos, quase sem sentir, vamos passando aos mais complicados... Somos nós que decidimos a escala de complexidade a adotar e pode estar aí o segundo segredo de um Dear Jane: evoluímos com ele. Revivemos ou mesmo vivemos pela primeira vez o percurso de uma quilteira: de um simples Nine Patch até chegar a eles, aqueles que nos apavoram desde o início: os triângulos!

Executar um a um os 169 blocos, 52 triângulos e 4 cantos e é como viver uma vida. Uma vida inteira representada num único quilt. Da simplicidade da infância e juventude encarnada nos quadrados, às complicações da vida adulta representada pelo triângulos e suas pontas que às vezes ferem, mas que geram um resultado sempre impressionante. E, tal como acontece na vida, não dá para isolar um único bloco e dizer esse é o mais lindo de todos ou aquele é o mais importante. Há blocos mais bonitos e menos bonitos. Mais complexos e menos complexos. Assim como os momentos de uma vida. Isolados não fazem tanto sentido, mas juntos dão significado a uma existência inteira!

É isso que um Dear Jane tem, muito mais do que qualquer outro projeto de quilt: há uma vida ali. Uma vida vivida completamente, com tudo o que ela tem de fácil e de espinhoso. São centenas, talvez milhares, de Dear Janes espalhados pelo mundo e cada um deles é único, como únicas são as mulheres que os executaram.

Não dá para não filosofar um pouco no silêncio da execução dos blocos seja a mão ou a máquina. O que será que Jane Stickle pensava enquanto criava este que seria um trabalho emblemático? Quantos sonhos estão impregnados nos tecidos que ela usou, nos desenhos que criou? Quem foi essa mulher capaz de criar da delicadeza de cada bloquinho um trabalho que tem a força do feminino que explode incontrolável no trabalho acabado?

Fazer um Dear Jane é estar em comunhão com essa alma feminina universal. Pouco importa se costuramos um completamente sozinhas ou se o fazemos em grupo para presentear uma amiga.

E não há como apressar sua execução, assim como não podemos fazer passar mais rápido o tempo em nossas vidas. Um Dear Jane impõe o seu ritmo, quer queiramos quer não. Mesmo com dedicação total e irrestrita, um Dear Jane não poderia ser feito em menos de dois meses. E, durante esse período, lá vamos nós mergulhar no mais profundo de nós mesmas para nos conectarmos às outras tantas mulheres que já fizeram, fazem ou farão um Dear Jane.

No fim, olharemos para o resultado final seja ele fruto de trabalho individual ou coletivo e pensaremos com orgulho: Eu fiz! Também sou parte dessa irmandade do patchwork, tal como Jane Stickle que o criou há mais de um século e Brenda Papadakis que teve a inspiração de não deixar que esse trabalho mágico se perdesse no tempo e caísse no esquecimento. Essa sensação não se pode medir e não tem explicação. Nem preço!


Curitiba, 31 de julho de 2008

Texto escrito especialmente para o 8º Terêquilt, realizado em Teresópolis de 31/07 a 02/08/2008

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5 comentários:

  1. Realmente é o canto da sereia. Mas o que seria de nós, mulheres enfeitiçadas, se fossemos surdas aos apelos destes desafios tão belos? Fazer uma "DJ" é uma experiência engrandecedora para qualquer quilteira. Evoluir com cada bloquinho, superar os mil e uns "não sei se consigo" que aparecem durante a cosntrução da Dear Jane são aspectos maravilhosos dessa jornada.
    Parabéns, Ju. O texto tá lindo, tá tocando na alma de quem já pegou seu primeiro bloquinho pronto e sonhou em ver a sua Dear Jane pronta, linda, encantadora, participando da história.
    É sempre um prazer ler as tuas palavras! Um beijão da Ine!

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  2. Adoro isso. Acredito, senhoras mulheres, que sinto o mesmo ao lotar um bufê com pequenos salgados e doces. Esse tapete de comida pode ser comparado a um quilt, só que é efêmero, vai se descompondo lentamente frente aos nossos olhos. Mas esse aí é coisa muito especial. Ju, troco quantos jantares que você desejar por um quilt desses. Pode começar. Beijos.

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  3. Oi Juliana querida,

    Eu tento, brigo comigo mesma e ao olhar a Dear ( note a minha intimidade...rsrsr) me prometo começar os bloquinhos...Ai, Ai..Um dia juro que começo.Os paninhos já estou comprando, claro!!!
    Bjão minha amiga.

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  4. Ok, para falar a verdade, numa primeira olhada, achei que fosse só um paninho feito no tear.
    Claro fui no site.
    Chosedeloc!!! Só achei desperdício aquele feito para o Bush.
    Tá, achei maravelhoso!!!
    Você tá fazendo um???
    Deve ser muito legal.
    Um dia, quem sabe, eu consiga desenvolver a paciencia e a tranquilidade para entrar numa empreitada dessas sem enlouquecer.
    Lindo o post.
    Me fez viajar.
    Beijo
    Marie

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