domingo, 29 de março de 2009

Pra que tudo não vire só uma vaga lembrança

Não há dúvida de que a gente muda mesmo com a passagem do tempo. Aquelas coisas que conseguíamos fazer facilmente na adolescência nos parecem impossíveis quando chegamos à maturidade.

Escrever poemas, por exemplo!

(Mas o que é que andou passando por essas cabeças maliciosas?)

Entre os quatorze e os dezessete anos escrevi mais de cem poemas. Mais de cem! E pensar que hoje sou incapaz de escrever um verso sequer...

Tinha todos os meus poemas anotados em dois cadernos. O primeiro com quarenta e oito folhas e, quando este terminou, empolgada pela minha produção poética, comprei outro, dessa vez com noventa e seis páginas. Lembro de um dia específico, ali pelos dezesseis anos, em que escrevi quase vinte poemas numa única tarde! A inspiração vinha aos borbotões (sempre quis usar essa palavra!) e foi saindo, saindo... A qualidade devia ser pra lá de duvidosa, é óbvio.

O primeiro texto do primeiro caderno era um acróstico que escrevi para um amigo quando o pai dele morreu. O último poema desse mesmo caderno era em inglês, assinado by Jilly (meu pseudônimo americanizado). Alguns desses poemas eu ainda hoje lembro em partes e considero realmente bons. Tinha um que descrevia um suicídio (aliás, esse era o título) e que volta à minha cabeça aos pedaços de tempos em tempos. E o suicídio nem era autoesquartejamento!

Dois deles eu sei de cor até hoje: o primeiro porque aconteceu num momento de iluminação profunda e eu o escrevi na areia da praia. Aí decorei pra chegar em casa e passar para o papel porque desconfiava, sabiamente, que ele não duraria a eternidade naquela suporte. Do segundo eu me lembro porque é o único exemplar de poesia concreta da minha meteórica carreira lírica.

Por que falo dos meus poemas no passado?

Quando voltei da França, há dois anos, procurei meus cadernos no meio de nossas caixas e não encontrei! Há dois anos tento em vão lembrar onde foi que os deixei, ou para quem os emprestei. Não sei nem mesmo quando foi a última vez que estive com eles nas mãos. Cheguei a pensar que tinha deixado com uma terapeuta com quem fiz análise há mais de quinze anos, mas depois de uma busca frenética pelo seu contato, descobri que ela não está com meus preciosos cadernos.

Absolutamente entristecida, dei minha busca por encerrada. Considerei meus cadernos perdidos pra sempre! Mas tenho de confessar que, bem lá no fundinho, minha intuição me diz que eles reaparecerão um dia. Tenho uma curiosidade imensa pela pessoa que vou encontrar ali. Um encontro comigo mesma aos dezesseis anos.

Quem sabe se a alma caridosa que guarda meus cadernos há tanto tempo não é também leitora desse blog? Um fã antigo, alguém que sempre acreditou no meu pendor literário e que mantém reféns meus caderninhos talvez já amarelados pelo tempo...

Amarelados, não! Nem é tanto tempo assim!

Enfim, diante da possibilidade real de simplesmente perder tudo o que fiz até hoje, decidi começar a soltar por aqui algumas dessas obras de juventude. Assim não corro o risco de viver uma absoluta amnésia literária!

O texto que segue foi escrito em 1992, quando eu era estagiária de Informática numa indústria cerâmica. Eu devia ter notado, já naquela época, que meu negócio não eram os números, mas as letras. Lembro que no dia em que escrevi isso que vem a seguir, deveria estudar para provas de sistemas operacionais e de bancos de dados. Mas as palavras dos livros técnicos que lia me deram outro tipo de inspiração.

Acho que fui bem nas provas, apesar de tudo.

Quanto aos meus cadernos... Prometo uma sessão especial de autógrafos, além da minha gratidão eterna, se eles aparecerem como que por encanto na minha caixa de correio. Meu endereço de hoje, é o mesmo dos meus dezesseis anos...

Para o que vem a seguir, preparem o anti-histamínico! Tem mais de dezessete anos esse texto, mas, espantosamente, os termos de informática não estão tão desatualizados assim!

(Texto extraído da correspondência entre um casal de profissionais da Informática)

Meu amor...

Acho que esta é a hora de resolvermos alguns bugs do nosso relacionamento. Há certas coisas que eu não consigo compilar e isso está travando nosso sistema!

Não posso entender que você queira fazer do nosso relacionamento um ambiente multiusuário. Sinceramente, eu não conseguiria viver em time-sharing, e compartilhar recursos está fora da minha capacidade de processamento!

Nas nossas discussões não temos usado uma linguagem de alto nível e nossos aplicativos não têm rodado a contento. Eu sei que houve uma redução de performance e que estamos passando por problemas de I/O. Mas será que não poderíamos restaurar os backups dos momentos felizes?

Ultimamente tenho me sentido uma máquina virtual, já não sei mais se minha configuração atende aos seus requisitos e tenho a impressão de que sua idéia é terceirizar! Meus buffers estão cheios e estou vendo próximo um erro de overflow!!!

Se a nossa entrada de dados não ocorre mais em paralelo e se nossos utilitários não obedecem mais às nossas instruções, já está mais do que na hora de disponibilizarmos recursos para o desenvolvimento de novos sistemas, você não acha?

É preciso alocar memória para novas rotinas a fim de melhorar a interface de nossas vidas!

Nossa relação está abendando, mas tenho certeza de que nada melhor do que um reset para retornarmos a um ambiente interativo. Para mim nosso relacionamento é um processo da mais alta prioridade e uma interrupção agora invalidaria toda a nossa consistência de dados.

Vamos implementar um modelo de dados relacional um-para-um, com momentos de felicidade recursivos...

Aos poucos nossas transações voltarão a ser online e nossos clocks estarão sincronizados. Tenha certeza disso.

Em loop infinito, seu

Servidor Dedicado

Curitiba, 1992.

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2 comentários:

  1. Ju, dá até para imaginar-te, enrolando com o caderno de estudo e viajando na Matrix.
    Beijo
    Marie

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  2. hahahha...realmente, você nasceu para escrever. Que loucura! Que mudança radical de área. E que coragem. Parabéns. Valeu a pena.

    Já estava com saudades daqui. Cadê as novidades? Beijos da Bel Beleleo.

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